Intervenção de

Interpela??o sobre o sector da Justi?a<br />Interven??o do deputado Jo?o Amaral

Senhor Presidente, Senhores Deputados, Senhores Membros do Governo: O debate que desta Interpela??o mostra que a crise profunda do sector da Justi?a n?o pode continuar a ser encarada pelo Governo, como hoje sucede, de forma desatenta e conjuntural. N?o pode ser debelada com medidas avulsas e ?s vezes contradit?rias, como tem feito o Governo, criando novas instabilidades e desconfian?as, dentro do sector e no conjunto dos cidad?os. O debate evidencia que o sector da justi?a exigia o que o Governo n?o tem feito. Exigia que tivesse compreenda a gravidade desta crise, que mina um dos pilares do Estado Democr?tico. Exigia que tivesse sido capaz de concretizar uma aprofundada an?lise da crise, com todos os agentes da Justi?a, com todos analisam a ?rea, com os outros ?rg?os de soberania, com a sociedade civil. Exigia finalmente a disponibilidade dos meios necess?rios e a indispens?vel vontade pol?tica para a adop??o de um conjunto coerente de medidas de natureza diversa. Enquanto o Governo continuar a reagir como fez hoje, a crise permanecer? sem horizonte de resolu??o. De facto, a resposta do Governo nesta interpela??o n?o ? aceit?vel. N?o basta exibir uns n?meros, e umas medidas, mesmo que algumas positivas, e anunciar algumas promessas, tudo com o ar de quem diz "est? tudo a andar". O Governo vem agora fazer um apelo, em forma de pacto. ? positivo que reconhe?a que devia ter olhado para esta ?rea com outros olhos. Mas, agora no fim da legislatura, o pacto n?o ? uma oferta de trabalho, ? uma desculpa de mau pagador de quem n?o mostrou nestas anos vontade pol?tica e capacidade para responder ao real problema que hoje ? Justi?a para o conjunto dos cidad?os. Foi pensando no cidad?o que o PCP decidiu realizar esta interpela??o. N?o pensamos que seja o bota-abaixo ou a pol?tica politiqueira que resolve os problemas. Por isso, desde o in?cio deixamos claro que n?o faz?amos esta interpela??o focada em pol?micas que possam dividir os agentes da Justi?a. N?o estamos aqui para escarafunchar feridas, estamos aqui com uma profunda preocupa??o, procurando fazer uma vigorosa chamada de aten??o ao n?vel do poder pol?tico, e apresentando propostas, como se exige a um partido de projecto, como ? o PCP. Para n?s, comunistas, as quest?es da Justi?a e das garantias dos direitos s?o quest?es centrais da organiza??o do Estado Democr?tico. N?o estamos acantonados, nem deixamos que nos acantonem, nas quest?es, tamb?m essenciais, do mundo do social ou das rela??es da economia com o poder pol?tico. Como partido pol?tico profundamente inserido na sociedade portuguesa, damos ? Justi?a uma aten??o profunda e permanente, consideramo-la estruturante e intervimos com uma vis?o pr?pria, mas com vontade de coopera??o na constru??o de uma Justi?a melhor. Por isso, antes desta interpela??o, dialogamos, em entrevista com o Presidente do Supremo Tribunal de Justi?a, o Procurador Geral da Rep?blica, o Baston?rio da Ordem dos Advogados, o Director Geral do Sistema Prisional ( com a visita a Penitenci?ria de Lisboa ). Pensamos que as componentes essenciais desta crise est?o determinadas, de forma suficiente para se poder come?ar a agir. Em primeiro lugar, a morosidade da Justi?a est? a minar a sua credibilidade. A morosidade resulta da falta de meios, da complexidade processual, da acumula??o de processos. ? morosidade liga-se ? prescri??o de prazos, ? inefic?cia, ? ideia dos cidad?os da inutilidade dos seus esfor?os para obterem provimento para os seus pedidos. No crime, a morosidade torna a pena muitas vezes desajustada. Em segundo lugar, a Justi?a ? cara, e por isso, a maior parte da popula??o portuguesa n?o tem acesso a uma justi?a com a qualidade a que podem aceder os que t?m posses. Quando um bem essencial, que ? um direito dos cidad?os, depende da sua capacidade financeira, ent?o ? o direito que est? a ser negado. Para alguns tudo ? f?cil, incluindo o recurso a todos os truque dilat?rios que permitem explorar as debilidades do sistema, desde logo a brutal acumula??o de processos, para irem ganhando impunidade. Para uma largu?ssima parte da opini?o p?blica, a justi?a aparece assim como protegendo os ricos e castigando os pobres: uma justi?a de classes! Este problema n?o pode ser encarado com um sorriso, porque isso corresponderia ? aceita??o de que os direitos fundamentais n?o s?o de exerc?cio universal. Esta quest?o ? determinante para um Estado de democracia efectiva, e n?o apenas de palavras. E conforma a imagem que os cidad?os t?m da Justi?a. Ao longo da Interpela??o, abord?mos tamb?m as quest?es do sistema prisional, das penas alternativas, dos registos e notariado, da investiga??o criminal, da forma??o e outras. No seu conjunto, o que esta crise reflecte ? que a Justi?a em Portugal n?o incorpora ainda a ideia de cidadania. A Justi?a, pela sua morosidade, pre?o e dist?ncia, n?o ? ainda um instrumento ao alcance da generalidade dos cidad?os para melhoria da situa??o individual e da sociedade no seu conjunto. N?o por raz?es que se prendem estruturalmente com os agentes da justi?a. Cabe aqui uma palavra de respeito e incentivo, aos magistrados judiciais, aos magistrados do Minist?rio P?blico, funcion?rios judiciais, corpo da Pol?cia Judici?ria, aos que trabalham nas pris?es, nos registos. Nas dif?ceis condi??es em que se encontram, n?o ? na falta de dedica??o e trabalho que radica esta situa??o, pese embora a necessidade de continuar e aprofundar uma forma??o que possibilite uma resposta tecnicamente melhor e uma vis?o da Justi?a como servi?o ao cidad?o. A situa??o radica na aus?ncia de resposta por parte dos Governos, incluindo este, a este avolumar de problemas. Os problemas crescem mais depressa que as respostas. ? isto que est? a matar a imagem e a capacidade da Justi?a. ? esta l?gica que tem de ser travada. Da nossa parte, PCP, n?o ficamos pelo diagn?stico ou pela cr?tica. Apresentamos propostas. Vou referir quatro propostas que se inserem na l?gica do combate ?s causas desta crise. Propomos que se organize institucionalmente um Observat?rio da Justi?a, na depend?ncia da Assembleia da Rep?blica, que reuna as mais variadas institui??es e representantes de estruturas, de v?ria natureza, desde os poderes pol?ticos, aos agentes de justi?a at? aos utilizadores atrav?s das associa??es c?vicas e outras. Esse Observat?rio da Justi?a far? anualmente um relat?rio, que ser? debatido nesta Assembleia. E ser? um elemento importante no debate e reflex?o sobre a crise e a sua rela??o com o modelo estatu?do e com as linhas de for?a de evolu??o social. Propomos, em segundo lugar, um projecto para cria??o dos julgados de paz. O objectivo ? duplo: tornar a justi?a dos pequenos casos bem determinados, mais pr?xima dos cidad?os e descongestionar os tribunais desse tipo de casos, que com vantagens podem ser julgados com um processo simplificado e compreens?vel para os pleiteantes. Em termos gerais, assim se d? execu??o a uma figura introduzida na Constitui??o, com imediatas melhorias dos atrasos processuais. ? uma medida concreta que combater? assim a morosidade da Justi?a. Uma terceira proposta tem directamente a ver com o acesso ao direito. O apoio jur?dico processual ? para muitos portugueses um bem jur?dico inacess?vel, se o pretender com o m?nimo de garantias. Mas ? um direito constitucionalmente prescrito. Perante as evidentes car?ncias existentes, o poder pol?tico n?o pode ficar indiferente. Vamos propor que seja criada a fun??o de Defensor P?blico, um quadro institucional adequado e com a precis?o de uma carreira ajustada. Devemos aqui salientar todo o trabalho que os advogados t?m feito, e v?o continuar a fazer. Mas h? que encontrar, juntamente com o escrit?rio do advogado, novas formas de concretizar o acesso ao direito, que respondam ? alta percentagem de portugueses sem garantia de acesso ao direito: a que t?tulo se obstar? a cria??o de uma fun??o - o Defensor P?blico - que dar? um impulso decisivo a esse imperativo constitucional? O quarto projecto que entregaremos proximamente ? um projecto de medidas para descongestionamento nos tribunais. Estes projectos que referi inserem-se num vasto leque de ac??es que o PCP preconiza. Saliento oitos pontos: 1. A actualiza??o da divis?o judici?ria, desdobrando c?rculos e comarcas onde seja necess?rio; 2. A cria??o de "bolsas" de magistrados judiciais para atender a situa??es de acumula??o; 3. A simplifica??o processual, incluindo a reconsidera??o de prazos de recurso (sem preju?zo dos direitos e garantias constitucionais); 4.A desburocratiza??o do aparelho judicial, com a melhoria da assessoria t?cnica e dos meios inform?ticos e tecnol?gicos ao dispor do tribunal; 5. As medidas que, com salvaguarda dos direitos constitucionais, reduzam as possibilidades de manipula??o dilat?ria da investiga??o e julgamento da alta criminalidade, incluindo a econ?mica; 6. A concretiza??o das alternativas ?s penas de pris?o e ao excesso de pris?o preventiva, com medidas eficazes de apoio ? reinser??o; 7. O refor?o dos meios de investiga??es, incluindo da PJ; 8. A dignifica??o do est?gio de advogado. Com estas linhas de orienta??o, como com esta interpela??o, agimos em defesa da Justi?a, de quem a administra e dos cidad?os a quem ela se destina. Vimos da parte do Governo o reconhecimento de que o que foi feito n?o ? suficiente. Vimos que a Assembleia participou activamente e que os representantes dos agentes de justi?a propo?m e a reclamar, como ? seu direito, respostas para os problemas. Por tudo isto, para n?s PCP, entendemos para valeu a pena esta interpela??o. Esperemos agora que se passe das palavras aos actos. Assim o exigem todos, os que trabalham na ?rea, os cidad?os e a pr?pria democracia. Disse.

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