Intervenção de

Interpelação ao Governo sobre questões da situação social e laboral dos trabalhadores<br />Intervenção da Deputada Odete Santos

Senhor Presidente Senhores DeputadosNa altura da apresentação do Programa do Governo, o Senhor Ministro do Trabalho, falou muito de política familiar, de medidas para defesa da maternidade e da paternidade, do valor das mães e dos pais como os maiores e mais qualificados formadores das crianças...da adequação dos tempos de trabalho e de família, das práticas discriminatórias contra mulheres grávidas que era preciso combater.Bastou o pronunciamento de uns empresários alemães para o Senhor Ministro tirar da cartola uma gravíssima afronta aos direitos das mulheres, nomeadamente das mulheres trabalhadoras.Uma afronta que se insere numa concepção passadista e retrógrada sobre a mulher e sobre a família.Uma concepção que assenta na discriminação da mulher.São conhecidas as discriminações de que ainda são vítimas as mulheres.Discriminações no acesso ao emprego por serem mães, ou tão só por serem casadas, e não serem consideradas disponíveis para um trabalho servo de que dizem necessitar alguns empresários de vistas curtas. Todos estaremos recordados do célebre caso do BCP que deu origem a uma lei desta assembleia- a Lei 105/97 que o Governo agora pretende revogar com o pacote laboral que já suscita tantos protestos. São vítimas de discriminações salariais, como o revelam dados estatísticos de fontes diversas. Dados que também mostram que as mulheres portuguesas ocupam uma grossa fatia na mancha da pobreza. Os dados do rendimento mínimo garantido revelados pelo INE dizem-nos que são cerca de 66,5% as mulheres titulares do mesmo. Também os dados oficiais provam que dos trabalhadores a receber apenas o salário mínimo nacional, 69% eram mulheres.Perante estes dados fácil é concluir que são as trabalhadoras as mais penalizadas com a restritiva política salarial deste Governo.Surgem também ameaças relativamente ao principio constitucional da igualdade de remuneração, independentemente do sexo. No pacote laboral admitem-se expressamente discriminações na retribuição, através da permissão de definir a retribuição com critérios essencialmente subjectivos e variáveis, como assiduidade, produtividade, quantidade, rendimento de cada trabalhador individualmente considerado.E todos nos lembramos de como a maternidade e os seus direitos têm servido para discriminar salarialmente as mulheres. Nomeadamente através da denegação do direito aos prémios de assiduidade.Sobre esta matéria veja-se, aliás um recente acórdão do Tribunal de Justiça Europeu.Discriminando as mulheres, no aspecto remuneratório, o pacote laboral dificulta-lhes a prova da discriminação na medida em que põe termo à inversão do ónus da prova que tinha sido conseguido na lei 105/97, que para mais, estabelecia presunções de discriminação que o Governo pretende revogar.Mas é também o Código empresarial que abre a porta à legalização dos célebres questionários em que as mulheres tinham de revelar se estavam grávidas ou não, se eram casadas ou não, se pretendiam ter filhos ou não. Na verdade, ao mesmo tempo que proclama o direito á reserva da vida privada, acaba por consagrar a violação dessa mesma reserva quando estabelece no nº 2 do artigo 14ºa possibilidade de exigir a candidato a emprego ou a trabalhador, informações relativas à saúde, situação familiar ou estado de gravidez, quando particulares exigências inerentes á natureza da actividade profissional o justifiquem.Ou seja: Como o Juiz da necessidade das informações é, de facto, o empregador, não será difícil antever a possibilidade de perguntar a uma candidata a emprego, se está grávida ou se é casada ou se tem filhos. Quer hipocritamente em nome da defesa da saúde da grávida, quer em nome da competitividade da empresa que exige a total disponibilidade de tempo da candidata. Era essa a justificação dada pelo BCP para a não admissão de mulheres.Mulheres a quem se dificulta a vida em família em várias das disposições do Código.Pois será através da mobilidade geográfica que se pretende impor, separando famílias ou reduzindo ainda mais os tempos de lazer com o afastamento relativamente à residência, que se protege, como o disse o Senhor Ministro, o valor das mães e dos pais como os maiores e mais qualificados formadores das crianças?Será através da consagração da possibilidade de se trabalhar nalguns dias 12 horas e nalgumas semanas 60 horas que se protege aquele valor? Será insistindo no trabalho a tempo parcial que se faz a conciliação da actividade profissional com a vida familiar?Segundo o Inquérito à fecundidade do INE , os trabalhadores portugueses rejeitam o trabalho parcial como uma solução. Considerando muito mais importantes outros factores, como a melhoria das condições de licença da maternidade e da paternidade. E como responde a isto o Governo na sua proposta de lei?A proposta não transcreve da legislação actual: • A licença especial para as situações de risco da grávida ou do nascituro • A interrupção da licença de parto em caso de internamento hospitalar da mãe • O alargamento da licença de parto no caso de nascimentos múltiplos • A fixação de dois períodos diários de dispensa de trabalho para amamentação, exigindo-se á lactante a prova de que faltou ao trabalho para amamentaçãoO Código retira • Aos avós, o direito a faltarem por 30 dias quando do nascimento de netos, filhos de adolescentes menores de 16 anos • Aos trabalhadores/as, o direito a faltar justificadamente para assistência a cônjuge, ou pessoa em união de facto, a ascendente, ou descendente maior de 10 anos • O direito a receber subsídio nos casos de licença especial para assistência a deficientes profundos e a doentes crónicos.É assim que se protege a família?Mas o último- o último aqui mencionado- violento ataque contra as mulheres trabalhadoras, surge com a consagração de que a licença estabelecida na lei para os casos de aborto, apenas se concede nos casos de aborto não punível por lei.Sendo o ideólogo do Código quem é, não admira esta monstruosidade. Que é um violento ataque ao direito à saúde das mulheres, e ao seu próprio direito à vida.Quanta desumanidade na imposição aos milhares de mulheres que abortam, que trabalhem!Que compareçam no local de trabalho ainda que com graves complicações pós abortivas, que conduzem a infecções generalizadas, a hemorragias, a ablações de úteros, a sofrimentos inenarráveis.Este será o Governo, este é o Ministro do Trabalho, que brande um ódio cego contra as mulheres que a lei obriga a abortar clandestinamente.Que brande a sua sanha de uma maneira especial contra as mulheres pobres que abortam nas piores condições.Este é o Ministro do Trabalho que leva a sua sanha inquisitória até ao ponto de tornar possível que uma mulher que aborte clandestinamente, falte injustificadamente por não poder apresentar justificação para o facto de ter de ser hospitalizada, ou para o facto de ter de ficar em casa.Este é o Ministro do Trabalho que além de querer que as mulheres sejam condenadas por uma lei criminosa, também as ameaça com a possibilidade de serem despedidas por faltas injustificadas determinadas pela necessidade de garantir o seu direito á saúde. O seu Direito à vida.De facto, exigindo-se para a concessão de licença que o aborto não seja punível, fácil é concluir que as faltas dadas para tratamento das complicações de aborto clandestino são devidas a facto imputável á trabalhadora. Logo são faltas não justificadas nos termos do artigo 215º.O Senhor Ministro não quer que a segurança social pague o subsídio da licença em caso de aborto clandestino, licença hoje ainda existente. O Senhor Ministro não quer que a Segurança Social pague subsídios de doença às mulheres que abortam clandestinamente.Melhor fora que defendesse a Segurança Social da usura de entidades patronais que recorrem, sem justificação ao regime de lay off. O Senhor Ministro quer que as mulheres vítimas de uma lei injusta, incorram no risco de despedimento com justa causa, ou por faltas injustificadas, ou por baixa fraudulenta, se alguém usando da misericórdia que falta ao Ministro, declarar uma doença natural.É difícil encontrar-se uma tão grande misogenia.Desiluda-se o Governo. Não é assim, sob o terror, que se consegue subir a taxa de natalidade.É a crise económica e o desemprego que explica em primeira linha, o declínio da Fecundidade. Como o revela o Inquérito do INE. E não se pode obrigar as mulheres a ter os filhos que não podem ter.Senhor Presidente Senhores Deputados:Em relação às trabalhadoras e aos trabalhadores, o Governo comporta-se como Creso, Rei da Lídia perante a pitonisa de Delfos, na consulta sobre se podia atacar um vizinho.Como Creso, ouviu dizer ao oráculo que na batalha um baluarte seria destruído.Como Creso, também se engana.O baluarte destruído foi precisamente o império de Creso.

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