Intervenção de Miguel Tiago na Assembleia de República

Interpelação sobre educação

(interpelação n.º 10/XI/2ª)

Sr. Presidente,
Sr.ª Ministra da Educação,
Trouxe-nos aqui, como, aliás, já é habitual, a visão que o Governo tenta impor aos portugueses de um País com que os portugueses não se encontram no seu dia-a-dia.
A Sr.ª Ministra vem falar-nos de 100 escolas que abrem, a maior parte delas tão-pouco são da
responsabilidade do Governo mas, sim, das autarquias, com o investimento das autarquias, o esforço das autarquias, mas que contaram sempre com a presença de um membro do Governo
para ir «cortar a fita» e se mostrar. Mas esquece-se de dizer que, ao mesmo tempo que inauguraram essas 100 escolas, acabaram um processo de encerramento, quase, de 4000.
Veja bem a forma como nos coloca a realidade para tentar manipular a sua percepção.
É extraordinário, Sr.ª Ministra, que nos venha aqui traçar esta figura do País quando, ainda hoje de manhã — não foi ontem, não foi há um mês, foi hoje de manhã! —, eu próprio estive presente, em representação do Grupo Parlamentar do PCP, numa manifestação de pais, numa escola que não tinha as condições para funcionar, em que os pais pediram para que não se pusessem os filhos ali dentro por causa da falta de condições e por causa da falta de pessoal auxiliar naquela escola!! É uma escola com quase 200 alunos que conta apenas com três auxiliares, no total, e que, como é óbvio, dificilmente, estarão todos ao mesmo tempo…!
Sr.ª Ministra, gostava de colocar-lhe algumas questões.
Já sabemos que também vão haver cortes orçamentais na educação e nas transferências para as
autarquias. Pergunto-lhe o seguinte: de que forma é que a Sr.ª Ministra pode vir traçar este quadro cor-de-rosa da realidade nas escolas, e dizer que tudo vai bem, quando, ao mesmo tempo, nos anuncia «cortes orçamentais substantivos» (desta forma foram anunciados) quer no financiamento do seu ministério quer nas transferências para as autarquias, no que toca à educação? Como é que vai garantir a contratação dos recursos humanos necessários, a contratação da alocação de meios técnicos necessários para garantir a qualidade do ensino?
Significa isto que passou para as autarquias, para um bom conjunto de autarquias, uma grande
responsabilidade, através da municipalização e da descentralização que este Governo tanto gabou, e que agora, depois de assinados os contratos, lhes vai «tirar o tapete» e retirar os meios para que possam cumprir as obrigações que o próprio Governo lhes atribuiu?
Sr.ª Ministra, ainda algumas palavras sobre os concursos de professores e os professores contratados: aí está uma reserva que o Ministério tem sempre disponível, destes professores que se encontram ao sabor das ofertas de escola e dos devaneios de um Ministério que está obcecado por pôr um fim nos concursos nacionais de professores.
Este Ministério — aliás, não o esconde — tem uma aversão intrínseca, uma aversão visceral ao concurso nacional de professores; aliás, a forma como vai atacando este concurso seja explicitamente seja indirectamente, através do estímulo à oferta de escola, bem o demonstra. E os professores, sem saber o que será o seu dia de amanhã, nomeadamente os professores contratados, além de serem prejudicados no que toca a todos os seus direitos de carreira, porque não estão na carreira, têm ainda de andar atrás das ofertas de escola que abrem, consoante as necessidades de cada uma das escolas, porque o seu Ministério se recusa a incluir os horários temporários nas bolsas de recrutamento e a dizer a estes professores quando é que terão notícias sobre o seu futuro, quando é que saberão em que escola ficam. Além de tudo a que já estão sujeitos, estes professores ainda têm de andar agora sujeitos a mais esta instabilidade.
Uma última palavra, Sr.ª Ministra, para perguntar quais serão as medidas deste Governo para fazer face à carência de professores.
Desde 2007, 15 216 professores saíram do sistema, por aposentação, e 300 entraram no sistema. Seria caso para dizer que «saem dois, entra um», mas no caso dos professores «saem 38, entra um».
Vou terminar, Sr. Presidente, dizendo que a própria Sr.ª Ministra diz que não se podem fazer duas coisas bem ao mesmo tempo… Qual é a outra coisa que a Sr.ª Ministra anda a fazer, além de ser Ministra da Educação?

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