Intervenção de

Intercâmbio de dados e informações de natureza criminal entre as autoridades dos Estados-membros da União Europeia

 

Regime aplicável ao intercâmbio de dados e informações de natureza criminal entre as autoridades dos Estados-membros da União Europeia, transpondo para a ordem jurídica interna a Decisão-Quadro 2006/960/JAI, do Conselho, de 18 de Dezembro de 2006

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados:

Nesta proposta de lei (proposta de lei n.º 259/X), verificamos, quanto ao seu conteúdo, que nos é proposta uma total «policialização» da transmissão de dados pessoais e relevantes em matéria criminal a outros países da União Europeia, porquanto o Ministério Público, a quem compete obviamente a direcção da investigação criminal, é completamente omitido neste diploma.

Não se entende como é que o Ministério Público, que, de acordo com o nosso quadro constitucional, deveria ter aqui um papel fundamental e por quem deveriam passar, no essencial, as transmissões de dados a entidades policiais e judiciárias de países terceiros, é aqui completamente arredado - o que, obviamente, não se deve a lapso, na medida em que esta proposta de lei já foi submetida a parecer de diversas entidades.

Assim, não há aqui um lapso, mas uma opção da qual discordamos frontalmente e que nos parece que contraria, efectivamente, o estatuto constitucional que o Ministério Público tem no nosso país. No entanto, o problema não é apenas esse. Há, de facto, um problema de «policialização» destes dados, mas há também um problema de discricionariedade nessa «policialização», porquanto, se repararmos, o artigo 9.º, que se refere à possibilidade de recusa de transmissão de dados ou informações, não estabelece os casos em que essa recusa «deve ter lugar». Estabelece os casos em que essa recusa «pode ter lugar».

Assim, pode ter lugar se o fornecimento desses dados ou informações afectar interesses essenciais de segurança nacional da República Portuguesa, puser em risco o êxito de uma investigação em curso, de uma operação de informações criminais ou ainda a segurança das pessoas, ou for claramente desproporcionado ou irrelevante. Ou seja, nestes casos, em vez de se dizer que o fornecimento de dados seria recusado, não!, diz-se que as entidades (sublinhe-se) policiais vão avaliar se o fornecimento de determinados dados pode pôr em causa os valores essenciais que aqui estão previstos...!

E, quando estamos a falar de entidades policiais, falamos do elenco previsto na proposta de lei e que inclui a Polícia Judiciária, a Guarda Nacional Republicana, a Polícia de Segurança Pública, a Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo e, ainda, outros órgãos de polícia criminal de competência específica.

Portanto, há uma «policialização» discricionária no fornecimento de dados ou informações. Mas não é esse o único problema. Ainda levanto mais dois.

Um outro problema é o de que se prevê também que possa haver um intercâmbio espontâneo de dados. Ou seja, as autoridades policiais, mesmo que ninguém lhes peça nada, podem entender que há uma série de dados na posse das autoridades de polícia criminal portuguesas que vale a pena passar a outros países.

É uma coisa absolutamente insólita! Então, ninguém pede nada e as autoridades policiais portuguesas, sem qualquer participação do Ministério Público ou de alguma entidade judicial, decidem transmitir esses dados a entidades terceiras, porque consideram que isso é útil para o trabalho que essas entidades de outros países podem desenvolver?!...

 Esta disposição parece-nos absolutamente insólita e não tem quaisquer razões que a justifiquem.

Há ainda uma outra questão relacionada com esta para que importa chamar a atenção e que tem que ver com o grau de protecção de dados que existe ou não noutros países.

É uma questão para a qual a CNPD chama a atenção no parecer que deu relativamente a esta iniciativa e não nos parece que a solução que o Governo procura dar no n.º 4 do artigo 13.º resolva o problema.

Diz-se que «a eventual transferência para terceiros países de dados e informações fornecidos ao abrigo da presente lei só terá lugar quando seja assegurada protecção adequada na área em causa».

O que é que isto resolve?

A CNPD chama a atenção - e bem - para o facto de alguns países relativamente aos quais esta proposta de lei se pretende aplicar não terem entidades independentes de protecção de dados, como nós temos a CNPD.

Assim, pergunto que garantias é que esses países podem dar de que não há uma utilização abusiva e não controlada dos respectivos dados.

A salvaguarda para que a CNPD chama a atenção não é efectivamente resolvida com a formulação que aqui é dada, porque, depois, são as autoridades policias, ao abrigo da sua discricionariedade, que vão poder decidir se está ou não assegurada a protecção adequada na área em causa. Portanto, esta resolução não resolve.

Finalmente, o problema do Secretário-Geral do Sistema de Segurança Interna. Ou seja, as autoridades judiciárias estão arredadas desta proposta de lei, mas é conferida uma competência fundamental ao Secretário-Geral do Sistema de Segurança Interna.

É ele que vai garantir às autoridades a que se aplica a presente lei o acesso aos dados e informações de acordo com as suas necessidades e competências.

Ora bem, quando o Governo dizia que o Secretário-Geral do Sistema de Segurança Interna não tinha acesso a dados respectivos a processos concretos, pergunto: se assim é, como é que esta proposta de lei pode alguma vez ser aplicada?

Isto é, como é que o Secretário-Geral pode garantir o fornecimento de dados sem fazer a mínima ideia que dados sejam esses?

Há aqui, portanto, uma substituição das competências próprias das autoridades judiciárias por uma atribuição de competências de mais do que duvidosa constitucionalidade ao Secretário-Geral do Sistema de Segurança Interna.

Daí que esta proposta de lei não possa, de forma nenhuma, merecer a nossa concordância.

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