Intervenção de

Instituto da Conservação da Natureza - Intervenção de Miguel Tiago na AR

Instituto da Conservação da Natureza (debate de urgência)

 

Sr. Presidente,
Sr. Secretário de Estado do Ambiente,

Já foi dito, mas não será demais frisar, que esta não é a segunda nem a terceira vez que esta Assembleia, por via dos diversos grupos parlamentares aqui representados, tenta discutir o Instituto da Conservação da Natureza e a sua reestruturação, finalmente conhecida, com o Governo. Já houve chamadas do Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional à Comissão; já houve a promessa de que este assunto viria ao Plenário, por parte do próprio Ministro; e tanta disponibilidade era a do Governo que foi preciso um agendamento potestativo de um grupo parlamentar e um debate de urgência para que um membro do Governo se dignasse discutir não com os jornais, como sucedeu num fim-de-semana com o anúncio desta reestruturação do ICN, furtando-se, assim, ao confronto democrático com os partidos políticos e com os grupos parlamentares, mas, finalmente, com a Assembleia da República.

Veremos o «sumo» das intervenções e das explicações e se, de facto, elas ultrapassarão este magnífico exercício de oratória vazia com que o Partido Socialista acabou de nos presentear, em que falou durante 5 minutos e nada disse!...

Do que o Instituto da Conservação da Natureza precisa e que o Sr. Secretário de Estado bem diagnosticou da tribuna, é, essencialmente, de meios, de recursos humanos e de reforço nestas áreas.

Portanto, a visão e o modelo orgânicos serão sempre um instrumento, obviamente, mas não é aí que radicam os principais problemas do Instituto da Conservação da Natureza.

Um Instituto da Conservação da Natureza que se dá ao luxo de ter os seus técnicos «trancados», ao mesmo tempo que adjudica a empresas, por «externalização», serviços que podia fazer com os seus meios; um Instituto da Conservação da Natureza que não tem os meios para ir ao terreno; um Instituto da Conservação da Natureza que diz gerir a Rede Natura 2000, mas que não a conhece, porque o próprio diz que não tem meios para isso, e que fez um plano sectorial dessa Rede Natura 2000 manifestamente insuficiente para as necessidades - e isso é reconhecido no plano sectorial pelo próprio ICN -, é óbvio que do que precisa não é só de uma reestruturação orgânica. E esta reestruturação orgânica que o Governo anuncia faz parte do PRACE, não é uma reestruturação para fortalecer o ICN mas, sim, para cortar gastos e entregar a conservação da natureza, e agora também da biodiversidade, aos interesses do lucro, aos interesses do mercado, é fazer da conservação da natureza um mercado.

Aproveito esta primeira ronda de pedidos de esclarecimento para colocar duas ou três questões ao Sr. Secretário de Estado do Ambiente.

O que vai significar esta reestruturação, concretamente no número de trabalhadores, sabendo agora que o regime é o do contrato individual de trabalho? E o que acontecerá àqueles que não aceitarem esta norma transitória para o contrato individual de trabalho, como está previsto na lei orgânica? O que serão estas parcerias público-privadas, tão faladas pelo próprio Secretário de Estado do Ambiente e pelo Ministério?

Será que vamos estar no Parque Natural da Arrábida SECIL, ou na Reserva Natural do Estuário do Tejo Sonae, ou, quem sabe, no Parque Natural da Serra da Estrela Turistrela, e por aí fora?! São estas as parcerias público-privadas?!

É estabelecer parcerias, no que respeita à gestão, com aqueles que têm representado as maiores ofensivas à gestão do território?!

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Secretário de Estado do Ambiente,

Ficou claro que esta reestruturação é PRACE. Portanto, não é conservação da natureza, mas PRACE. É uma reestruturação que visa minimizar gastos, custos e pessoal, não é conservação da natureza. Podem fazer as exposições de motivos que entenderem para este decretos-lei que isso não altera o seu conteúdo.

Srs. Deputados, é óbvio que está ameaçada a biodiversidade. É unânime todos reconhecermos que está ameaçada. Mas está ameaçada por quem? A natureza entrou, de repente, num processo autodestrutivo e, portanto, está a entrar em colapso? Não! Está ameaçada, por quem? Pelos interesses públicos ou pelos interesses privados? Quem é que o ICN tem de licenciar? Quem é que o ICN tem de fiscalizar?

São as entidades privadas, que visam, obviamente, obter lucro através da construção, da exploração dos recursos naturais, que têm, obviamente, um impacto na biodiversidade. Ora, se vamos fazer as parcerias com aqueles que são os fiscalizados, estamos a «pôr a raposa na capoeira» e quem está a abrir a porta é o Governo do Partido Socialista.

Sobre o vínculo laboral, Sr. Secretário de Estado, fica claro, da leitura do decreto-lei, que o regime de trabalho do pessoal no ICNB é o do contrato individual de trabalho, dizendo, mais à frente, que os trabalhadores da Administração Pública podem aceitar voluntariamente a passagem do vínculo para o contrato individual de trabalho. E os que não aceitarem? Tendo em conta que o vínculo é o do contrato individual de trabalho, retira-se que não podem continuar no ICNB. Portanto, vão para os excedentários, certamente. Era bom que o Sr. Secretário de Estado dissesse alguma coisa sobre isso.

Gostaria também de saber como é que o Sr. Secretário de Estado nos pode garantir que os trabalhadores do ICNB com contrato individual de trabalho têm a mesma capacidade de independência para cumprir a legalidade que os trabalhadores com um vínculo à Administração Pública. Como é que um trabalhador com um vínculo precário pode contrariar a chefia, que lhe diz para licenciar uma determinada construção mesmo que ela vá contra na lei, contra o ordenamento do território que está estabelecido ou contra os valores que o ICN pretende defender? Como é que pode um trabalhador fazer face a estes interesses, tendo um vínculo precário? Obviamente que pode denunciar, mas temos todos de reconhecer que está numa situação bastante mais complicada.

Em terceiro lugar, Sr. Secretário de Estado, era bom que nos dissesse quantos estudos foram, de facto, analisados para escolher este e quais foram os critérios que levaram a esta escolha, porque já resultou claro que os critérios não são o da melhoria da política de conservação da natureza mas outros. Também importava saber por que é que o Estado não utilizou os seus meios próprios para fazer esses estudos.

Para terminar, queria só clarificar uma questão: obviamente que, quando o PCP se referiu aos estudos e aos trabalhos que o ICN poderia fazer com os seus próprios meios, estava a falar dos trabalhos da biodiversidade e da conservação da natureza e não sobre os da Administração Pública.

 

 

 

 

 

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