Intervenção de

Instituições de Ensino Superior - Intervenção de João Oliveira na AR

Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior

 

 

Sr. Presidente,

Quero também interpelar a Mesa sobre a condução dos trabalhos e colocar à consideração de V. Ex.ª uma questão que já ontem tivemos oportunidade de pôr à discussão na Comissão de Educação, Ciência e Cultura, a qual tem que ver com a falta de condições, em nosso entender, para esta proposta de lei ser hoje apreciada e discutida na Assembleia da República.

De facto, esta proposta de lei contém inúmeras normas que dizem respeito à legislação laboral. Dou apenas como exemplo a norma do artigo 122.º, que diz respeito à duração dos contratos a termo. Esta proposta não respeita os requisitos legais previstos no Código do Trabalho, nos artigos 524.º a 530.º, nomeadamente naquilo que diz respeito à apreciação pública.

O processo de apreciação pública não ocorreu. Levantámos ontem esta questão, apresentámos uma proposta alternativa de parecer referindo precisamente a falta de condições legais para a discussão hoje, no Plenário da Assembleia da República, desta proposta de lei mas, infelizmente, votámo-la sozinhos. Portanto, gostaríamos de colocar à consideração de V. Ex.ª a falta de condições legais desta proposta para ser hoje discutida e votada no Plenário da Assembleia da República.

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior,

Quero colocar-lhe duas questões muito simples e muito directas para ver se, desta vez, consigo obter uma resposta de V. Ex.ª, que é uma coisa que já vou ganhando o hábito de não ter.

Primeira questão, Sr. Ministro: tenho comigo um ofício que o Sr. Presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP) dirigiu à Assembleia da República, chamando a atenção para a irrazoabilidade de um prazo de seis dias úteis para a emissão de parecer sobre um assunto desta natureza, importância e complexidade. Sr. Ministro, a questão, muito simples, é esta: este procedimento, no seu entendimento, é compatível com a dignidade e importância da discussão que temos em causa ou corresponde apenas a mais uma tentativa de silenciamento de opiniões potencialmente críticas relativamente à proposta de lei?

Segunda questão, Sr. Ministro: o Governo traz-nos neste diploma várias propostas, de afastamento dos funcionários da gestão das instituições, de enorme redução da participação dos estudantes nessa gestão, de concentração de poderes no conselho geral e nos órgãos unipessoais ou da não previsão expressa da eleição do reitor. Gostaria de saber se entende que todas estas propostas correspondem à construção democrática e participada do ensino superior, como prevê a Constituição da República Portuguesa, ou se correspondem, antes, a uma tentativa de silenciamento e delimitação da capacidade de acção dos órgãos de gestão das instituições de ensino superior, que, por vezes, são tão críticas relativamente às políticas dos governos.

(...) 

Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,

 

O Governo traz hoje à discussão da Assembleia da República uma Proposta de Lei (nº148/X) que institui um regime jurídico das instituições de ensino superior que é, em si mesmo, desnecessário, inadequado, abusivo e aparentemente incoerente. Pelas soluções que comporta, esta Proposta de Lei será gravemente prejudicial para o ensino superior e para o país, podendo mesmo algumas das suas normas serem inconstitucionais.

Mas importa analisar primeiro a forma como o Governo conduziu todo o processo de discussão e elaboração desta Proposta de Lei e como se prepara para impor a sua aprovação.

Pela importância que assume e pelas consequências que pode vir a produzir, uma proposta desta natureza exigia um amplo e aberto debate público anterior à consolidação da proposta final com todos aqueles que diariamente constroem o sistema de ensino superior português.

Não foi essa a opção do Governo. Mais uma vez assistimos a um vergonhoso simulacro de discussão pública em que o Governo não procurou sequer disfarçar a inutilidade a que iria votar as opiniões que fingia querer recolher. Só assim se compreende que tivessem sido solicitados pareceres com prazos de 3 dias sobre uma Ante-Proposta de Lei com quase duas centenas de artigos ou que tivessem sido discutidas com várias entidades versões diferentes da referida Proposta.

Mesmo em relação à Assembleia da República, são inaceitáveis as condições em que o Governo impôs este debate. O texto final da Proposta de Lei só foi disponibilizado aos Grupos Parlamentares há uma semana, apesar de já há muito ter sido anunciada a intenção do Governo de ter todo o processo legislativo concluído na presente sessão legislativa. Não foi respeitada a exigência legal de apreciação pública do diploma prevista na legislação laboral e o Governo tenta inclusivamente ignorar um abaixo-assinado contra esta proposta que recolhe já 1300 assinaturas de docentes do ensino superior, continuando a insistir na necessidade de conclusão do processo legislativo num prazo recorde.

E percebe-se porquê. Se tivermos em conta a Proposta de que se trata e as soluções concretas que apresenta compreendemos a pressa do Governo e a intenção de não a discutir.

Em primeiro lugar, este regime jurídico é desnecessário porque não constitui solução para o principal problema do ensino superior português, que é o do desinvestimento a que tem sido votado por sucessivos governos. Esta realidade não impõe uma nova forma de organização das instituições de ensino superior, antes exige do Governo uma nova política que reconheça a importância do ensino superior como um bem público fundamental para o desenvolvimento do país e para uma sociedade mais justa e democrática.

Em segundo lugar, o regime jurídico proposto pelo Governo é inadequado porque insiste numa concepção de rigidez e pré-formatação de soluções organizativas que já se revelou inadequada.

A proposta de Lei reforça a excessiva regulação já hoje criticada, definindo mesmo novas regras para algumas situações em que era ainda garantida alguma liberdade de auto-organização.

Por outro lado, o regime jurídico proposto pelo Governo é abusivo, na medida em que impõe limitações à capacidade de auto-organização das instituições que vão muito para além do que é aceitável, pondo mesmo em causa a autonomia universitária que a Constituição estabelece.

Por último, poder-se-ia dizer que este regime jurídico das instituições de ensino superior é incoerente, uma vez que ao mesmo tempo que prevê a regulação excessiva de alguns aspectos deixa um enorme vazio de regulação em relação a outros. Na verdade, a esse vazio de regulação corresponde uma larga margem de discricionariedade da tutela e esse é o objectivo não assumido do Governo: o do reforço dos mecanismos de controlo político das instituições de ensino superior e do aumento da sua dependência face à tutela. Só assim se compreende a possibilidade de constituição de uma fundação a partir de unidades orgânicas actualmente existentes com o único patrocínio do Ministério e sem que as respectivas instituições o possam evitar.

Para além de tudo isto, a Proposta de Lei apresentada pelo Governo é má pelas soluções concretas que apresenta. A manter-se como é proposto, este regime jurídico seria um enorme retrocesso no projecto de qualificação dos portugueses, de modernização da economia e da construção de um Portugal democrático e desenvolvido, sendo simultaneamente o mais forte, vasto e demolidor ataque ao sistema público de ensino, num momento em que o sector privado dá mostras de que não está em condições de garantir um ensino de qualidade. Vejamos apenas dois aspectos concretos desta proposta.

Em primeiro lugar, o que diz respeito à opção pela sujeição das instituições a um modelo fundacional. Esta opção não esconde a intenção de criar as condições para que a própria lógica de gestão das instituições conduza à sua empresarialização e posterior privatização. O objectivo estratégico de criação de um mercado do ensino superior, altamente rentável e livremente acessível à exploração privada, implica a destruição do sistema público de ensino ou a sua sujeição a essa lógica mercantilista. Esta proposta garante as condições para que, a médio prazo, ambos os caminhos sejam facilmente concretizáveis.

Por outro lado, esta proposta atenta frontalmente contra o carácter democrático e participado do sistema de ensino superior previsto na Constituição da República Portuguesa. O pessoal não docente é afastado da participação no Conselho Geral, a participação dos estudantes é reduzida a níveis inaceitáveis e impõe-se que um terço dos membros desse órgão sejam personalidades estranhas à vida da instituição mas suficientemente próximas da gula do poder económico. O reitor ou presidente da instituição é designado pelo Conselho Geral depois de passar pelo devido processo de selecção. É caso para perguntar que medo tem este Governo dos democráticos processos de eleição e de democracia participativa e participada? Será que o que incomoda o Governo no modelo actual é a análise crítica que os processos eleitorais habitualmente propiciam relativamente às políticas da tutela? Seja como for, é indesmentível que estamos perante um gravíssimo ataque à gestão democrática e participada das instituições de ensino superior que visa retirar-lhes autonomia e colocá-las na dependência dos grandes interesses económicos e do governo.

Por tudo isto, o PCP considera que a presente Proposta deve ser sujeita a um verdadeiro e atempado processo de discussão pública que permita a profundidade de análise que a matéria exige, com a consequente alteração das soluções que estão propostas.

Disse.

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