Intervenção de

Ínício do ano lectivo no ensino básico e secundário<br />Intervenção de Miguel Tiago

Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Educação,Começo por dizer que esta opção de o Governo vir aqui, hoje, debater este tema é, no mínimo, astuta. Estarmos a debater o início do ano lectivo, sobre um cenário idílico que acaba de ser pintado numa intervenção pela Sr.ª Ministra, deixanos, de alguma forma, expectantes sobre o futuro, que ainda não conhecemos. De qualquer maneira, a intervenção da Sr.ª Ministra, como esperávamos, pauta-se por ser um conjunto de apresentações e de anúncios que já tinham sido feitos no passado e que continuam tão vagos como anteriormente. Posto isto, passo às questões que tenho para colocar. O ensino da língua inglesa tem vindo a ser sucessivamente anunciado como uma questão fulcral no sistema educativo português com vista à criação de melhores características de competitividade da população portuguesa. Além disso, tem vindo a ser anunciado também, antecipadamente, o seu sucesso. Ora, não podemos quantificar este sucesso se o Governo não der uma ajuda. Não podemos aceitar, à partida, que está a ser um sucesso a implementação desta medida quando, pura e simplesmente, o que nos é dito, ainda antes de serem conhecidos os dados concretos, é que, provavelmente, 50% das instituições de ensino, e portanto das escolas, irão ter a possibilidade de poder leccionar a disciplina de inglês, em regime extracurricular, relembro. Por conseguinte, peço à Sr.ª Ministra que, de alguma forma, aclare a nossa visão, dizendo o que havia antes, qual foi o ponto de partida, para que possamos precisar melhor qual é o verdadeiro crescimento. Isto porque sabemos, por exemplo, que, só na Região Centro, 40% das escolas já dispunham desta opção. Em segundo lugar, além de colocar esta questão, quero ao mesmo tempo formular uma crítica. Não é possível deixar de reparar que está a existir, por parte do Governo, uma certa aceitação da «ditadura» do inglês como língua estrangeira «oficial». Por enquanto, não há a possibilidade de os estudantes poderem recorrer a uma outra língua estrangeira. E sabemos que, no quadro das diversas especificidades regionais do País, nem sempre a língua inglesa será a mais adequada, até pela ligação que existe entre algumas regiões do País e as comunidades emigrantes noutros países que não têm a língua inglesa como língua oficial. Para terminar, vou colocar uma questão sobre o desemprego dos professores. Temos a informação de que, no fim desta 1.ª fase de concursos de colocação, há 40 000 professores que não ficaram colocados, é óbvio que este número poderá vir a ser significativamente reduzido. No entanto, gostaríamos de saber que medidas está o Governo a pensar tomar para mitigar o ainda assim grande número de professores não colocados, que, por defeito, poderá ser cerca de metade do número que referi, num quadro em que o insucesso e o abandono escolar começam a atingir proporções profundamente dramáticas. Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mais uma vez o Governo vem mostrar que utiliza recorrentemente a área da educação como uma forma de tentar, de vez em quando, melhorar a sua imagem, fazendo ainda assim muitas vezes «ouvidos moucos» àquilo que verdadeiramente se passa fora destas paredes e das dos Ministérios. O Governo acabou de fazer, aqui, uma intervenção, através da Sr.ª Ministra da Educação, que tocou um conjunto de aspectos que consideramos acessórios, deixando, de alguma forma, de parte tudo o que seria romper com o estilo político da direita, anteriormente no governo, ao não tomar medidas de fundo para corrigir de vez, ou pelo menos para começar a corrigir, os problemas que, como a própria Sr.ª Ministra referiu, afectam profundamente o sistema de ensino em Portugal. A introdução do estudo do Inglês no ensino básico é apresentada como a poção mágica para resolver um conjunto de problemas. Pelos vistos, a Sr.ª Ministra já conseguiu precisar mais o verdadeiro avanço desta medida e de que forma será posta em prática, mas ainda assim não podemos deixar de referir um conjunto de críticas que temos a apontar a esta mesma medida e à forma como está a ser implementada, começando exactamente pelo facto de a disciplina ser introduzida como extracurricular, o que, à partida, poderá provocar assimetria, desigualdade e iniquidade entre os que optam e os que não optam por a ter. Depois, com esta forma de introdução do ensino do Inglês no ensino básico, o Governo deixou a porta aberta para um mercado no ensino desta língua, isto porque as escolas têm a possibilidade de, ao invés de recorrerem a professores do Ministério, contratar empresas, institutos de línguas, etc. Fazemos uma crítica séria a esta opção do Governo, ao deixar a porta claramente aberta para a privatização, a criação de um grande mercado em torno do ensino do Inglês. Sim, acaba por ser uma privatização. O Governo não toma em suas mãos, não dispõe dos mecanismos necessários para garantir que as escolas não precisam de recorrer a entidades privadas para assegurar o ensino do Inglês. Por outro lado, não compreendemos como é que no início do ano lectivo a Sr.ª Ministra fala da valorização da formação dos professores, da melhoria das condições do ensino e ainda há pouco tempo anunciou o fim dos estágios pedagógicos remunerados. Há, portanto, uma clara discrepância entre as declarações de intenção e aquilo que, na prática, está a ser feito. Anunciaram-se os concursos plurianuais, mas não me pareceu que a Sr.ª Ministra tivesse respondido às dúvidas colocadas em torno desta questão. E gostaria de dizer que não se cria a estabilidade prolongando a instabilidade. Parece-nos, pois, que importa esclarecer bastante mais de que forma serão levadas a cabo estas colocações plurianuais, porque elas, só por si, não serão propriamente um dado positivo. Valorizamos, obviamente, esta medida, mas gostávamos de saber até que ponto é que o Governo poderá dar garantias à população, aos professores e à comunidade educativa de que será acompanhada de um outro conjunto de medidas, nomeadamente do alargamento do quadro de escolas e de que não se perpetuarão as colocações de professores separados da sua zona de residência por centenas de quilómetros. E o facto de uma situação ser instável durante três anos não significa necessariamente que se torne estável. Fica, ainda assim, por aprofundar um conjunto de matérias que consideramos, esse, sim, essencial. Desafiamos a Sr.ª Ministra a que antes de fazer o balanço do início do ano lectivo o possa vivenciar e se desloque inclusivamente àquelas escolas que são provisórias há mais de 20 ou 30 anos, onde os alunos estudam em barracões. Aí, talvez a Sr.ª Ministra pudesse concordar com a bancada do PCP, quando dizemos que estas são as questões acessórias. O investimento nas condições materiais, o alargamento dos quadros de escola, possibilitando a contratação de novos professores, a eliminação das assimetrias entre escolas dos centros urbanos e da periferia — aqui também através, obviamente, da melhoria das condições materiais — são questões importantes. Aliás, era até um exercício interessante podermos ver a discrepância que existe nas próprias notas e nas médias entre uma escola com condições e uma escola com muito poucas condições e de que forma é que o Governo poderia contribuir para eliminar essas assimetrias. Termino, Sr. Presidente, com este desafio e com o desafio de que seja reconhecido que a análise deste início de ano lectivo não pode ficar-se pelas questões acessórias, urge fazer um debate muito mais sério em torno da educação.

  • Educação e Ciência
  • Assembleia da República
  • Intervenções