Intervenção de

Infracção às normas nacionais de concorrência - Intervenção de Honório Novo na AR

Regime jurídico da dispensa e da atenuação especial da coima em processos de contraordenação por infracção às normas nacionais de concorrência

 

 

Sr. Presidente,
Sr. Secretário de Estado,

 

O Governo propõe que as empresas que participem em acordos ou práticas de distorção de concorrência, isto é, em cartéis, que beneficiem desses cartéis, que prejudiquem, durante anos a fio, o interesse nacional, que prejudiquem os

consumidores e até, eventualmente, prejudiquem as finanças públicas possam não ser penalizadas. Esta é a proposta que o Governo hoje nos apresenta, permitindo até que saiam do crime que praticaram quase louvadas! No fundo, é isto que o Governo propõe.

 Vejamos o que acontece. Vamos supor que uma empresa participou num cartel económico durante anos, vamos imaginar que essa empresa passou anos a beneficiar e a lucrar com a participação directa e com a organização daquele cartel e que, ao fim de todos esses anos, essa hipotética empresa decidiu

«abandonar o barco».

 

Decidiu porquê? Por várias razões, Sr. Secretário de Estado, até pode ser por estratégia pessoal, empresarial, mas decide «abandonar o barco» e livrar-se de três ou quatro, cinco ou seis empresas que com ela participaram no cartel. E o que faz? Faz o que o Governo quer que passe a suceder nesta circunstância: as empresas denunciadas são penalizadas e a denunciante ficará com os lucros obtidos e não pagará um tostão nem de multa nem de indemnização!

 

A questão é saber se isto é justo, Sr. Secretário de Estado. Na nossa opinião, não é justo. Não é justo porque a empresa não paga multa, não é justo porque não há indemnização. A empresa não paga multa, fica limpa e não indemniza nem o Estado, nem os consumidores, nem o interesse público.

 

Há uma outra questão, Sr. Secretário de Estado, que não queria deixar de colocar-lhe nesta circunstância e que é importante que fique aqui clarificada, desde já.

Esta proposta de lei, caso seja aprovada, vai ou não aplicar-se aos processos de investigação em curso em que já haja, eventualmente, denunciantes?

 

Refiro-me a investigações ou inquéritos que só terminem depois da entrada em vigor da lei.

 O que sucederá? Esses denunciantes já beneficiarão da isenção, da redução proposta por esta lei, ou não? Era importante que o Sr. Secretário de Estado clarificasse esta eficácia da lei para que nós arredássemos deste debate, pelo menos, qualquer especulação de suspeição sobre os inquéritos em curso no

âmbito da Autoridade da Concorrência.

 

Sr. Presidente,
Sr. Secretário de Estado,

 

O combate à distorção da concorrência, comummente designado por combate à cartelização de empresas, e a investigação pela Autoridade da Concorrência de casos de concertação empresarial, seja contra o interesse nacional ou os consumidores, tem de fazer-se de forma eficaz, penalizando de modo claro e forte os agentes criminosos e combatendo as práticas ilegais. As empresas que participem em cartéis devem ser fortemente penalizadas e devem indemnizar o Estado e, eventualmente, terceiros pelos prejuízos causados por essa participação. A proposta do Governo vem criar um regime que passa a beneficiar o infractor e que vai premiar os agentes ou empresas que tenham participado em cartéis e que por qualquer razão — entre as quais se podem incluir, sublinho, razões de estratégia empresarial própria — decidam sair desse cartel, denunciando os ex-cúmplices e beneficiando com tal denúncia. É isto que o Governo propõe. Quanto a indemnizações, nada! De multas estão isentos e quanto a indemnizações, nada! Não são, portanto, penalizados. 

Quanto a encarar de frente o problema, ou seja, dotar a Autoridade da Concorrência de meios técnicos e humanos capazes de não deixar uma só investigação por fazer, nem uma palavra por parte do Governo.

 Isso, pelos vistos, não interessa. Sr. Secretário de Estado, ouvimos já nesta Assembleia, ainda recentemente, relatos sobre questões relacionadas com seguros automóveis e, há mais tempo, sobre a combinação do preço de combustíveis, que, depois percebemos, são do conhecimento da Autoridade da Concorrência, mas em relação aos quais

esta não actua e não investiga, limitando-se, nalguns casos, a convidar quem participa a provar as afirmações e dúvidas formuladas. Foi o que aconteceu, mais recentemente, com o caso dos seguros automóveis.

 

Ora, Sr. Secretário de Estado, é inaceitável que não se investigue a fundo tudo o que tem «fumo», porque por trás do «fumo» há «fogo», certamente. Há, por outro lado e desde há alguns anos, queixas de produtores florestais sobre o aparentemente concertado preço de compra de madeira que é oferecido pelas empresas de celulose, que permanecem, no entanto, sem investigação conclusiva.

 

Não, Sr. Secretário de Estado, não aceitamos esta proposta e menos aceitamos o que V. Ex.ª anunciou neste debate, dizendo que este regime se pode vir a aplicar aos processos de investigação já em curso.

 

Isto, Sr. Secretário de Estado, é duplamente inaceitável, pois fere esta proposta de lei, à partida, de uma suspeição de que o Governo deveria liminarmente afastar-se, o que não está a fazer. Isto é gravíssimo!

 

Sr. Presidente
Sr. Secretário de Estado,
Srs. Deputados,

 

Contem com o Partido Comunista para dotar a Autoridade da Concorrência de todos os meios necessários à sua acção.

 

Não queiram, porém, o apoio do PCP para lavar a responsabilidade legal e para inocentar aqueles que, consciente e deliberadamente, prejudicaram o interesse do País. 

 

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