Intervenção de

Infra-estruturas de telecomunicações

 

Regime de acesso às infra-estruturas de telecomunicações

Intervenção de Bruno Dias

Senhor Presidente,

Senhoras e Senhores Deputados,

Senhores Membros do Governo,

Gostaríamos de começar por recordar singelamente um ponto prévio que não podemos perder de vista: é que as tecnologias não são boas nem más em si mesmas - a questão é de saber qual a utilização que lhes damos, e desde logo qual o modelo de desenvolvimento que está em causa na sua aplicação.

E com esta proposta do Governo (proposta de lei n.º 264/X), a estratégia que daí surge é de uma dependência estrutural, cada vez mais acentuada, do nosso país, da nossa economia, do seu desenvolvimento, relativamente às agendas e aos interesses dos grandes grupos económicos.

Prosseguindo os manifestos do poder económico à escala da União Europeia, o Governo decide e anuncia uma rede de comunicações electrónicas, designada "de nova geração", que é privatizada à nascença e entregue às mãos das corporações do sector. Mas há uma coisa que o Governo não consegue esconder sob o brilho ofuscante da fibra óptica.

É que este projecto, que já foi classificado pelo Presidente da PT como um "serviço Premium", como um "Ferrari", já tem da parte do Estado a garantia de 85% da verba para o ano de arranque: 50 milhões de euros em benefícios fiscais e 800 milhões de euros com a promoção de uma linha de crédito - «incumbência do Estado», nas palavras do Governo.

Ou seja: essa parte (a do financiamento) está resolvida para os "investidores privados". Faltava agora a complexa e exigente questão da infra-estrutura física das redes, apontada aliás pela Comissão Europeia como a mais problemática e dispendiosa vertente destes projectos.

Ora bem, aí vem o Governo ao resgate e resolve-se o problema com esta proposta.

Com ela, todas as redes e infra-estruturas (todas!) que possam ser consideradas "aptas para o alojamento de redes de comunicações electrónicas" são postas ao serviço deste projecto e destes investidores.

O que significa isto exactamente? Não se sabe.

É que o decreto-lei que o Governo pretende aprovar sobre esta matéria aplica e remete para outro decreto-lei... que não existe! Que é referido com um espaço em branco! Cujo teor não conhecemos, mas que pelos vistos estabelece «um conjunto de obrigações aplicáveis ao Estado, às Regiões Autónomas e às autarquias locais».

Afinal é disto que estamos a falar quando lemos no Artigo 2.º da Proposta de Lei sobre «as entidades que detenham infra-estruturas aptas ao alojamento de redes»? Mas a Associação Nacional de Municípios Portugueses não foi ouvida. Nem as Regiões Autónomas. Que misterioso regime é esse que lhes vai ser aplicado?!

Coloca-se o domínio público, as redes e infra-estruturas públicas, coloca-se o Estado, Regiões Autónomas e Autarquias ao serviço de um empreendimento "Ferrari", privatizado à nascença, com financiamento garantido pelo Estado, em que o Estado se garante e oferece como cliente (caso da ligação anunciada às redes de escolas, tribunais, serviços de saúde, etc.).

Este é um modelo de investimento que se baseia no actual quadro de profundas assimetrias regionais - e que contribui de forma evidente para o seu agravamento. Senão vejamos.

Onde há condutas com fartura, onde há concentração populacional, as redes aparecem num instante e são êxito garantido. Nas regiões do interior, nas zonas deprimidas, onde as infra-estruturas mais fazem falta, o investimento não aparece porque não dá lucro!

Este é um exemplo flagrante de como o poder político e estes governos na sociedade actual assumem, sem pestanejar, o papel de conselhos de administração dos interesses dos grupos económicos. E é de lamentar que o Parlamento cumpra este papel de despachar rapidamente e por alto um processo desta gravidade, com uma autorização legislativa que não se sabe o que autoriza, com um debate em Plenário em grelha mínima, sem que sequer fossem ouvidas as autarquias e regiões autónomas.

As redes podem ser de nova geração, mas nas opções políticas não há nada de novo...

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