Intervenção de

Incompatibilidades e impedimentos - Intervenção de António Filipe na AR

Equiparação entre os Deputados à Assembleia da República e os Deputados às Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas em matéria de incompatibilidades e impedimentos

 

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

Esta é uma questão relativamente à qual já não é fácil dizer algo de novo, pois já discutimos esta questão por diversas vezes nesta Assembleia, e ainda há pouco tempo o fizemos, não em termos de discussão substancial do projecto de lei mas em sede de um recurso interposto sobre a sua admissibilidade, que foi apresentado - inevitavelmente, diria eu - pelo PSD.

E a questão é simplicíssima: existe um Estatuto dos Deputados à Assembleia da República que estabelece determinadas incompatibilidades e determinados impedimentos e esse regime é aplicável aos Deputados da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores por disposição expressa do respectivo Estatuto Político-Administrativo. Acontece que o PSD, que detém a maioria na Madeira, se recusa a admitir que idêntico estatuto de incompatibilidades e impedimentos seja aplicável aos Deputados da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira. E isto é que é inaceitável sob todos os pontos de vista. É inaceitável que numa região autónoma os Deputados tenham um regime de incompatibilidades e impedimentos diferenciado daquele que vigora para os Deputados à Assembleia da República e para os Deputados à Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores.

Mas o PSD/Madeira e o PSD aqui, na Assembleia da República, secundando as pretensões do PSD/Madeira, têm-se oposto a que esse regime seja equiparado. E com isto, evidentemente, abre-se a porta a uma série de situações indesejáveis e que em nada credibilizam o regime democrático nem a autonomia regional, como a existência de manifestas situações de promiscuidade entre o exercício de funções parlamentares na Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira e a celebração de acordos contratuais com empresas de que esses Deputados são accionistas com o Governo Regional.

Portanto, há situações concretas que o PSD/Madeira quer defender, ao impedir que o regime de incompatibilidades e impedimentos que vigora para a Assembleia da República seja aplicável na Região Autónoma. Daí que o PCP, nesta Legislatura, também tenha decidido apresentar este projecto de lei.

Já tive oportunidade de dizer aqui, porque tem sido agitada a questão, que não tememos o debate sobre a inconstitucionalidade desta matéria; consideramos é que estamos perante uma situação de manifesto abuso do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira para legislar sobre uma matéria que é da competência reservada da Assembleia da República e que é perfeitamente legítimo e constitucional que a Assembleia da República legisle sobre esta matéria. No entanto, uma vez que, em 2004, tivemos uma revisão constitucional em que uma das questões fundamentais que motivou esse processo de revisão constitucional foi, precisamente, a do capítulo relativo às regiões autónomas, é bem verdade que essa questão poderia ter ficado definitivamente resolvida nessa altura.

O que também é extraordinário é que, na Revisão Constitucional de 2004, o PCP apresentou, no seu projecto de revisão constitucional, uma proposta de aditamento de um novo número, o n.º 7, ao artigo 231.º da Constituição, dizendo, textualmente, que o regime de incompatibilidades e impedimentos dos membros das assembleias legislativas regionais e dos governos regionais é equiparado respectivamente aos dos Deputados à Assembleia da República e dos membros do Governo, e o que se verificou foi que essa proposta foi votada favoravelmente só pelo PCP e pelo Partido Ecologista «Os Verdes». É lamentável que aqueles partidos que hoje defendem que é justo que seja feita uma equiparação de regimes entre os Deputados da Assembleia da República e os Deputados das assembleias regionais - e tenho de referir-me, designadamente, ao Partido Socialista e ao Bloco de Esquerda -, na Revisão Constitucional de 2004, tenham votado contra uma proposta que o PCP fez precisamente nesse sentido!

Mantemo-nos coerentes com a posição que defendemos na revisão constitucional, apresentamos esta proposta porque a consideramos justa, saudamos os partidos que hoje estão a favor desta posição e consideramos que não faz qualquer sentido que o PSD continue a opor-se a que se dê este passo de credibilização da vida pública, no fundo, de aplicação do princípio da igualdade entre titulares de órgãos que têm, de facto, uma natureza basicamente semelhante.

Neste sentido, apresentámos aqui este projecto de lei e esperamos que o mesmo seja aprovado.

Obviamente, também votaremos favoravelmente o projecto de lei apresentado pelo Bloco de Esquerda. Pensamos que esta questão não deve ser protelada e entendemos que, após a aprovação na generalidade, se deve avançar rapidamente para a discussão e votação na especialidade, para que esta questão não fique esquecida em sede de comissão.

São estes os votos que fazemos. É este o empenhamento com que estamos neste processo legislativo.

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Deputado António Montalvão Machado,

Na sua intervenção, disse duas coisas: primeiro, estes projectos são inconstitucionais; segundo, o Governo Regional da Madeira é um sucesso.

Só faltou dizer que, na sua opinião, o Governo Regional da Madeira é um sucesso porque o regime de incompatibilidades que vigora para a Assembleia da República não é aplicável aos Deputados da Região Autónoma da Madeira. Não o disse, mas pareceria ser a consequência lógica da sua intervenção.

Sr. Deputado, indo à questão essencial, o PSD considera que estas iniciativas legislativas são inconstitucionais.

Aliás, já o disse, quando recorreu da sua admissibilidade. E o PSD tem legitimidade para pensar isso, como é evidente, não era preciso que eu o dissesse.

É legítimo que um grupo parlamentar, sobre qualquer uma outra iniciativa, considere que essa iniciativa é inconstitucional. Para isso há, como já foi dito várias vezes, o Tribunal Constitucional.

A questão já foi discutida aqui. A Assembleia pronunciou-se num determinado sentido, que não foi o sentido pretendido pelo PSD. Contudo, se o PSD entender, poderá, a seu tempo, suscitar essa questão junto do Tribunal Constitucional.

No entanto, o PSD não diz o seguinte: «Bom, nós consideramos que é inconstitucional, mas temos pena, porque, de facto, consideramos que a questão que está aqui colocada é pertinente.» O PSD não o disse e até poderia dizer! Poderia dizer: «Bem, temos pena. Consideramos que é inconstitucional e por isso votamos contra, mas politicamente a questão tem toda a relevância.» Ora, o PSD não disse isso, e é essa a questão que gostaria de lhe colocar.

Independentemente de qualquer questão que se possa vir a colocar sobre a constitucionalidade destes diplomas, gostaria de saber se o Sr. Deputado Montalvão Machado e o PSD consideram que está bem que não vigore na Assembleia Legislativa Regional da Madeira o regime de incompatibilidades que vigora para os Deputados da Assembleia da República e da Assembleia Legislativa Regional dos Açores.

O Sr. Deputado não o disse, mas eu gostava de saber se considera que isto é adequado.

O Sr. Deputado considera que uma empresa de um Deputado à Assembleia Legislativa Regional da Madeira deve poder celebrar um contrato com o Governo Regional? Acha bem? É essa a questão!

O PSD refugia-se numa questão formal...

Está bem, é uma questão relevante e o PSD tem toda a legitimidade para invocar a constitucionalidade ou não de tudo o que bem entender, mas há uma questão a que devia responder aqui, perante o País e perante a Região Autónoma da Madeira, que também nos ouve, que é a de dizer se considera justo, politicamente adequado, que os Deputados da Assembleia Legislativa Regional da Madeira estejam sujeitos a um regime de incompatibilidades distinto e mais permissivo do que o que vigora na Assembleia da República e na Assembleia Legislativa Regional dos Açores. Era isto que gostava que o Sr. Deputado esclarecesse muito claramente.

 

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