Intervenção de Bruno Dias na Assembleia de República

As ilegalidades e o ataque aos direitos nos CTT

Declaração política chamando a atenção da Câmara para a situação que se está a viver nos CTT, tendo acusado a Administração daquela empresa de estar a levar a cabo uma estratégia de destruição dos direitos dos respectivos trabalhadores

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:

Os CTT são o operador público do serviço público postal, uma empresa com um papel estratégico para a vida do País, para a economia nacional e para o dia-a-dia de milhões de portugueses.

O seu capital é 100% público, o Governo exerce a tutela sobre a empresa, nomeou a sua administração e é o responsável máximo pelas opções que ali são seguidas.

Muitas vezes temos denunciado o caminho (trilhado, aliás, por sucessivos governos) de degradação da qualidade do serviço prestado pelos CTT aos utentes e às populações: chamámos a atenção para os serviços que são encerrados, para os que não abrem mas deviam abrir, para a distribuição diária de correio que devia ser feita mas não é, para a entrega a empresas privadas de sectores fundamentais da actividade dos CTT.

Todavia, o momento actual que se está a viver nos CTT não tem precedentes na história da democracia e tem de ser denunciado com toda a clareza.

A dimensão, a gravidade, o significado e até os contornos de ilegalidade da situação actual nos CTT fazem desta a maior operação de ataque aos direitos de que há memória numa empresa.

A administração nomeada pelo Governo está a levar a cabo uma estratégia deliberadamente montada para, passo a passo, destruir direitos consagrados há décadas, conquistados por gerações de trabalhadores dos CTT, inclusivamente no tempo da ditadura fascista em Portugal. A contratação colectiva, o acordo de empresa que consagra direitos básicos e fundamentais aos trabalhadores dos CTT, é o alvo de uma administração que se tem comportado como um vulgar fora-da-lei

O «tiro de partida» foi dado há mais de ano e meio, com a denúncia do acordo de empresa. Foi uma autêntica declaração de guerra, desencadeada pelo anterior Presidente dos CTT e dirigente do PS, Luís Nazaré.

Desde então, assiste-se a uma escalada de provocações, intimidações, chantagens e represálias sobre os trabalhadores da empresa.

No processo de negociações para a revisão do acordo, a administração rejeitou liminarmente toda e qualquer hipótese que não fosse a de o fazer caducar, acabando por encerrar unilateralmente o processo.

E assim fez, porque entretanto assinou um «acordo à medida», com dez organizações que, todas juntas, representam 26% dos trabalhadores da empresa.

Aí se prevêem as sacrossantas «polivalência» e «mobilidade», os bloqueios à progressão na carreira, a redução das diuturnidades, dos níveis salariais de entrada, do apoio social e de saúde na aposentação.

Foi então lançada uma verdadeira aberração chamada «acordo de adesão individual», rompendo princípios como a representatividade sindical e numa flagrante violação de normas em vigor da Constituição da República Portuguesa e da Organização Internacional do Trabalho.

A administração enviou cartas a cada um dos trabalhadores em que podemos ler «pérolas» como esta: «Adira ao novo acordo de empresa 2008 e receba um prémio de 400 €.

Terá ainda direito, com efeitos a Abril, a um aumento de 2,8% no vencimento, diuturnidade, subsídios de refeição e pequeno-almoço».

Ao mesmo tempo, convocou chefes de estação, gestores de loja e outros trabalhadores com funções de direcção de chefia, dando-lhes a seguinte opção: «Ou assinam o novo acordo, ou abandonam as funções, ou são exonerados».

Houve três rondas de «chamadas à direcção» para intimidar os que se recusavam a vender os seus direitos e a sua dignidade, até que, no passado dia 6 de Novembro, centenas de trabalhadores foram exonerados das suas funções.

No mesmo dia, a administração decretou unilateralmente a caducidade do acordo de empresa em vigor e a aplicação do Código de Trabalho na empresa.

O descaramento chegou ao limite de se emitir, quatro dias depois, um «regulamento interno», da autoria da administração de pessoal dos CTT, onde se define o horário de trabalho e suas modalidades, a atribuição de subsídios e abonos, o descanso semanal, etc.

Uma empresa que dita a sua própria lei, violando a Constituição!

A discriminação salarial nos CTT prossegue com o alto patrocínio do Governo: continua a não aplicar-se o aumento de salário aos trabalhadores que não aceitaram o chamado «novo acordo» - e isto apesar de a Autoridade para as Condições de Trabalho ter constatado e comunicado a existência de uma clara violação da Constituição e da lei.

Avolumam-se as arbitrariedades e as tentativas - em alguns casos consumadas - de impedimento do exercício do direito de reunião e actividade sindical na empresa.

No mês passado, dirigentes da CGTP chegaram a ser proibidos de entrar num plenário de trabalhadores.

Os sucessivos processos de conciliação, mediação e arbitragem, sistematicamente desencadeados e logo encerrados pela administração, foram nada mais do que um óbvio expediente de má-fé, para cumprir calendário, queimar etapas e abrir caminho à declaração de caducidade do acordo de empresa por parte do Governo.

O Grupo Parlamentar do PCP confrontou, mais do que uma vez, o Ministro Mário Lino e o Ministro Vieira da Silva sobre as ilegalidades desta administração que nomearam. Os Ministros disseram sempre que não sabiam de nada!

Agora que o Governo tem conhecimento oficial da situação que se está a viver nos CTT, o PCP requereu a vinda do Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações (que tem a tutela da empresa) para dar explicações na comissão, mas o PS impediu essa audição.

Requeremos, então, a vinda do Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social e o PS, ontem mesmo, voltou a impedir a discussão deste assunto com o Governo, tendo afirmado que as respostas do Ministro são esclarecedoras quanto baste.

Esclarecedora quanto baste é esta atitude do Governo e da maioria PS. Perante este verdadeiro escândalo e esta vergonha para a própria democracia, o silêncio e a passividade que demonstram fazem do Partido Socialista não apenas um espectador indiferente mas o verdadeiro responsável e autor moral de tudo o que está a acontecer.

Sr. Presidente e Srs. Deputados, este processo que se está a viver nos CTT está, afinal, a mostrar ao País o que de pior e de melhor existe no mundo do trabalho em Portugal.

Mostra a actuação desumana e sem escrúpulos desta administração nomeada e a mando do Governo, a sua falta de respeito pelos direitos de quem trabalha, pela lei e pela Constituição. Mas mostra também a coragem, a firmeza e a dignidade destes trabalhadores, que não se vendem, que não vendem os seus direitos e o seu futuro.

O Governo tem de responder de uma vez por todas pelo que está a acontecer, assumir as suas responsabilidades e pôr fim, de uma vez por todas, a esta situação sem lei e de regresso ao passado que se vive na empresa.

A exigência dos trabalhadores aí está, com o seu exemplo, com a resposta de luta: é assim que hoje se constrói o futuro!

(...)

Sr. Presidente,

Faço menção de responder agora à Sr.ª Deputada Mariana Aiveca, começando por agradecer, naturalmente, a questão que colocou, visto que foi ao encontro do retrato fiel da situação que está a ser vivida actualmente.

Esta administração dos CTT está a agir como autor material deste verdadeiro ataque, deste atentado contra os direitos, contra a própria legalidade e os comandos constitucionais em vigor no nosso país, sendo que o autor moral, quem está a patrocinar e a dar o aval a toda esta ofensiva é, evidentemente, quem exerce directamente a tutela política governamental sobre esta empresa: o Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações.

Mas fá-lo com o conhecimento e o acompanhamento oficial dos serviços do Ministério do Trabalho.

Isto é absolutamente lamentável e inaceitável! É uma vergonha para a democracia portuguesa que o Governo esteja a procurar fazer dos CTT um verdadeiro banco de ensaio para os desmandos, as injustiças deste «código da exploração» agora lançado pelo Ministro Vieira da Silva, por esta maioria e por este Governo.

Efectivamente, esta é uma situação de empresa sem lei, em que, por decisão unilateral, emitida a partir da própria administração, por regulamento interno, se aprovam as normas - supostamente - em vigor para as relações laborais da empresa, sem negociação, sem cumprir a lei, sem a mínima das considerações pelo que está em vigor neste país.

As próprias leis que este Governo e esta maioria aprovaram são desrespeitadas e violadas com a maior das displicências e com a maior das arrogâncias por parte desta administração, que não é mais do que uma equipa constituída por homens e mulheres da inteira confiança política e partidária deste Governo e deste Partido Socialista.

É nesse sentido que a resposta muito firme, muito unida e inequívoca dos trabalhadores e das trabalhadoras desta empresa está a ser necessária não só para defender os seus próprios direitos mas também como um exemplo de luta na defesa dos seus direitos que é preciso ter em conta para as lutas que aí vêm e que este país, seguramente, terá de enfrentar no futuro.

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Deputado José Junqueiro,

Agradecemos que se tenha dirigido ao PCP a propósito deste processo decisivo e gravíssimo que se está a verificar nos CTT e também o interesse e a preocupação que manifestou aqui relativamente à forma como o PCP conduz a sua intervenção na Assembleia da República, mas, se me permite um conselho, o Sr. Deputado melhor faria em preocupar-se com a forma como o seu partido e a sua bancada conduzem a sua actuação e a sua intervenção no Parlamento.

E mais preocupante, mais grave e mais escandaloso do que o uso ou não uso que nós fazemos das prerrogativas que o Regimento da Assembleia da República nos confere é o voto contra do Partido Socialista relativamente à nossa proposta de ouvir os responsáveis directos ao nível do Governo.

O senhor, que faz agora o gesto de quem toca música, não tem feito outra coisa em toda a Legislatura.

Sempre que os trabalhadores vieram à Assembleia da República, se dirigiram ao PS, se mobilizaram na rua ou fizeram greves de fome, o Sr. Deputado e o seu partido fizeram o gesto que ainda agora aqui fez, isto é, «tocou música» para nós, para os trabalhadores e para o País.

É essa a atitude que continua a demonstrar.

Aquilo que fazemos não é demagogia e muito menos mentira, porque aquilo que se está a verificar, nomeadamente ao nível desta administração, nomeada pelo seu Governo, com camaradas seus e com homens e mulheres da confiança do seu partido, é a apresentação de comunicados internos a dizer: «Acordo de empresa caducou» - é mentira, Sr. Deputado! - e «Regulamento interno ao Código do Trabalho». ´

Isto foi distribuído na empresa!

O que os seus camaradas estão a fazer nos CTT é a destruir e a atacar direitos.

Sr. Deputado, queremos anunciar aos Srs. Deputados e à Câmara que a grande preocupação que o Sr. Deputado aqui revelou fica, afinal, resolvida, pois o PCP, perante a atitude intransigente e arrogante do PS de rejeitar qualquer debate com o Governo sobre esta matéria, vai utilizar o direito regimental de agendamento potestativo para debater o problema que o PS, pelos vistos, tem medo de discutir no Parlamento.

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Deputado Pedro Mota Soares,

Muito obrigado pela questão que aqui nos trouxe.

Ao ouvi-lo, veio-me inevitavelmente à memória aquela situação, no anterior governo, no qual o partido de V. Ex.ª assumiu particulares responsabilidades, em que tivemos ocasião de realizar um debate político sobre divergências de fundo e sobre aquilo que considerámos - de facto, foi - um ataque ao serviço postal, que foi o desmantelamento de mais de uma centena de estações e postos de correio.

Nessa altura, na Comissão de Obras Públicas e Comunicações, denunciando a ofensiva do então governo aos CTT e ao serviço postal, lá estava ao nosso lado o Partido Socialista e o seu grupo parlamentar, aliando-se a esse combate necessário que travámos em defesa do serviço postal e da empresa CTT.

É triste verificarmos que, poucos anos depois, aí está a transmutação inacreditável que o PS demonstra viver, em que a resposta e a prática fazem da incoerência e da contradição uma verdadeira prova de esforço.

A resposta do Ministério do Trabalho que o Sr. Deputado citou dá-nos vontade de dizer - passe a expressão popular: aí está o Governo a «fazer-se ao piso», para prosseguir a estratégia, que claramente está a ser seguida, com vista a fazer caducar o acordo da empresa, a contratação colectiva e os direitos que estão em vigor para estes trabalhadores.

Mas a resposta do Ministério das Obras Públicas e Comunicações nunca chegou e, provavelmente, nunca chegará, tal como nunca chegaram as respostas do mesmo ministério a n requerimentos, perguntas e interpelações que o PCP, os próprios trabalhadores e as suas organizações lhe dirigiram.

Portanto, aquela imagem que tantas vezes faz parte do anedotário tradicional neste país, dos três macacos, em que um nada diz, outro nada ouve e o outro nada vê, é claramente o ícone e o símbolo da prática deste Governo.

Mas não se trata, como aqui afirmámos, de um problema de passividade ou de um partido que funciona como espectador indiferente, estamos perante uma estratégia concertada e levada a cabo ao mais alto nível por responsáveis políticos de um Governo e de um partido que está, claramente, contra os trabalhadores e contra o País.

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Deputado Arménio Santos,

Agradeço as questões que colocou.

Aquilo que nos parece mais escandaloso e mais inaceitável nesta atitude da maioria parlamentar do PS em inviabilizar e rejeitar sistematicamente todas as iniciativas conducentes ao esclarecimento e ao debate desta situação gravíssima que se atravessa nos CTT tem que ver com uma das vertentes centrais desta ofensiva, que está a ser movida pela administração dos CTT e pelo Governo contra os trabalhadores.

Ora, consideramos que uma das vertentes fundamentais é o ataque aos direitos e às liberdades fundamentais dos cidadãos enquanto trabalhadores.

E os ataques à liberdade sindical são, no fundo e antes de mais, ataques à própria democracia.

É isso que está em causa com esta actuação da administração, é isso que está em causa com a sua atitude arrogante, ilegal e inconstitucional, com a cobertura clara do Governo do PS.

Mas, ao fim e ao cabo, não podemos também deixar de parte um aspecto de que ainda não falámos neste debate.

Tem que ver com o facto de toda esta ofensiva, esta autêntica cruzada da administração dos CTT e do Governo contra a contratação colectiva, ter uma razão de fundo e um objectivo no horizonte: a privatização dos CTT e a transformação deste serviço público num negócio milionário para grupos económicos.

Conhecemos, há vários anos, as movimentações que, por toda a Europa e pelo mundo, se verificam ao nível dos gigantes das comunicações e das telecomunicações relativamente ao domínio desse sector estratégico que é o serviço postal.

Sabemos que os governos do PSD e do CDS-PP, no passado, portanto, os sucessivos governos, foram trilhando este caminho de abrir as portas à liberalização dos serviços postais, à privatização dos serviços, à entrega de sectores fundamentais desta actividade a empresas privadas. Já hoje os CTT entregam determinantes serviços ao sector privado.

Esta força combativa, estes direitos consagrados, esta contratação colectiva, conquistada por gerações de trabalhadores dos CTT, não podem ficar presos na garganta de um comprador qualquer que queira ficar com este negócio.

E dai se vê e se entende esta fobia do Governo do PS e da administração relativamente a direitos consagrados há muitos anos e que foram o resultado de uma luta, também de sangue, suor e lágrimas, de gerações de trabalhadores nesta empresa.

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