Intervenção de

Idade de inimputabilidade de menores - Intervenção de Odete Santos na AR

Alteração da legislação penal em vigor (Código Penal, regime penal especial para jovens e a Lei Tutelar Educativa), reduzindo a idade de inimputabilidade de menores para 14 anos, baixando os limites mínimo e máximo de idade para efeitos de aplicação das correspondentes normas

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

Convirá saber, mesmo em termos estatísticos, do que estamos, realmente, a falar.

Ora, as estatísticas publicadas pelo Ministério da Justiça, relativas aos anos de 1993 a 2002 e respeitantes aos crimes cometidos por menores de 16 anos, registados pela PSP e pela GNR, indicam uma diminuição nos anos de 1993 a 1996, seguida de uma progressão nos anos de 1997 a 2000, para se voltar a registar um decréscimo no ano de 2001 e um novo decréscimo no ano de 2002, altura em que os factos delituosos registados, cometidos por esta faixa etária, se ficaram num número inferior ao registado em 1998.

É na faixa etária dos suspeitos com mais de 16 anos, e até aos 24 anos, que assistimos a uma acentuada progressão.

O Relatório Anual de Segurança Interna, já aqui falado, relativo a 2005, refere, textualmente, o peso residual da criminalidade juvenil — 1,2% — , uma ligeira diminuição relativamente a 2004, sendo, no entanto, de salientar, como também já se notou, a diminuição da criminalidade registada na área de actuação da
GNR — 10,8% — e o aumento de 6,8% na área de actuação da PSP.

Abrem-se, no entanto, os periódicos — e um deles já hoje foi aqui recordado, e ainda bem que o foi — , muitos dos quais reproduzem o primeiro que se ocupou da questão, e não podemos deixar de pasmar.

Em Março do corrente ano, noticiava-se, em letra de forma, Mais violência e jovens dos 12 aos 16 anos no crime. Quem lesse apenas as «gordas», ficava sem saber que o estudo tinha incidido sobre apenas 71 casos, num total de 166 suspeitos, e claro que os suspeitos eram africanos, caucasianos, ciganos…, dos 15 aos 41 anos, sendo a média etária de 22 anos e meio. Tudo muito conveniente para dar satisfação a correntes xenófobas!…

A forma como vem sendo tratada a delinquência juvenil não pode, aliás, deixar de recordar o episódio impropriamente chamado «arrastão», que noticiado, inicialmente, como envolvendo 500 jovens, foi rectificado, com a perda de um zero, passando para 50 jovens…!

A reacção repressiva de então foi, no entanto, prontamente disparada: maior policiamento, futuro sistema de videovigilância nas praias, controlo social como resposta para problemas sociais…

Afinal, os problemas do gueto!…

Sendo inegável que o meio urbano, em resultado de políticas anti-sociais (desemprego, precarização, baixos salários), favorece o aparecimento de novos fenómenos de violência por parte dos jovens, a verdade é que nada é mais danoso para as políticas de prevenção da criminalidade e de reinserção social do que estereotipar um grupo, convencer a opinião pública de que o estereótipo corresponde à generalidade e partir daí para apelos à «tolerância zero», que tão maus resultados têm dado por outras bandas, onde até, em alguns casos, a imputabilidade se situa nos 6 anos de idade, como sucede em alguns Estados dos Estados Unidos da América. Tal é demonstrado por Loïc Vacquant, no seu livro Prisões da miséria, onde denuncia as tentações europeias de transformar o Estado num Estado-penitência, que criminalize a miséria para jugular as desordens causadas pelo desemprego em massa, pelo salário precário e pelo desinvestimento na protecção social.

Como já muito se falou hoje, aqui, na Europa, convém recordar que a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, na sua Recomendação 1532 (2001), sobre a necessidade de uma política social dinâmica a favor das crianças e adolescentes no meio urbano, registando o comportamento cada vez mais anti-social dos jovens no meio urbano, nos guetos que se vão propagando, afirmou a necessidade de analisar aqueles fenómenos num contexto alargado de mutações sociais e económicas, fontes de pobreza extrema — diz o Conselho da Europa! — para numerosas famílias e suas crianças, mesmo em democracias consideradas estabelecidas.

Salienta a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa que o desemprego, a pobreza, a fractura das famílias, a violência dos adultos, o enfraquecimento dos sistemas de protecção social e de outras infraestruturas públicas se repercutem sobre a vivência e o comportamento dos jovens no meio urbano. E, em vez de considerar os jovens adolescentes como criminosos, como se pretende com este projecto de lei, a Assembleia Parlamentar considerou-os, antes, vítimas — está «preto no branco» na Recomendação! — , vítimas do mal-estar, da intolerância, do medo e da violência dos adultos.

Na generalidade, os jovens adolescentes, quando utilizam a violência, fazem-no como um meio de contestação e de afirmação, e de formas diferentes. Por vezes, a violência é até dirigida contra eles próprios, como sucede nos casos dos suicídios e do uso de drogas, outras vezes, agem em grupos, nomeadamente nos guetos, outras vezes ainda, os actos de violência dirigem-se contra a sociedade em geral e são produto — e esta é a maior condenação dos adultos — do ódio nascido da revolta contra a injustiça da exclusão de que são vítimas!

Em vez de recomendar medidas repressivas, filosofia subjacente à iniciativa legislativa que discutimos, a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa manifestou-se preocupada com o reforço de políticas de repressão contrárias à Convenção dos Direitos da Criança existente na Europa. E sustentou a necessidade de reorientar a vontade política, respondendo à violência juvenil não com a sanção ou a repressão mas com a prevenção relativamente aos jovens desfavorecidos ou em perigo.

Da Recomendação resulta, para os Estados-membros do Conselho da Europa, a necessidade de adoptar importantes medidas na área social, como, por exemplo: dar prioridade a uma política social visando as crianças e os adolescentes em meio urbano; pôr em prática medidas de apoio aos pais e às famílias, para desempenho do seu papel educativo; preparar as crianças para a vida adulta, lutando contra as desigualdades resultantes da pobreza; apetrechar os adolescentes em transição entre a escola e o emprego, dotando-os com as aptidões necessárias para a entrada no mercado de trabalho. É claro que dificilmente encontramos rasto na Europa de hoje, e também entre nós, de uma política semelhante, que responda à constatação de que, como se diz, aliás, na Recomendação, as crianças, adolescentes e jovens se encontram, sim, sobrerepresentados entre as vítimas e não entre os que cometem factos delituosos.

Recordemos, aliás, um estudo da UNICEF, que contém um quadro sobre a imputabilidade penal — e convoco os Srs. Deputados do PP a relê-lo — , para ver que há países, como o Brasil, em que a idade se situa nos 18 anos. Este estudo, que já por mais de uma vez aqui citámos, revela que, em Portugal, existe uma alta taxa de pobreza infantil — mais de 16% — , taxa que não conhece compensação em transferências sociais.

Só nos faltava agora que a resposta à situação criada pelas políticas anti-sociais fosse a repressão, a criminalização da pobreza!!…

A UNICEF, recordando, aliás, os princípios directores para a prevenção da criminalidade juvenil, aprovados, em 1990, em Riyadh, pelas Nações Unidas, sublinha que o nosso objectivo deve ser o de reparar o que correu mal e preparar as crianças para terem sucesso mais tarde, e não o de, simplesmente, puni-las.

A idade de imputabilidade penal que nos é proposta não tem em conta os factores anti-sociais que determinam falta de maturidade emocional,…
Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Manuel Alegre.

Como estava a dizer, a idade de imputabilidade penal que nos é proposta não tem em conta os factores anti-sociais que determinam falta de maturidade emocional, mental e intelectual e impõem que não se responsabilizem os adolescentes por essa falta de maturidade para a qual em nada contribuíram.
O princípio, tantas vezes recordado, de que mais vale prevenir um crime do que puni-lo adquire uma importância maior no que toca à criminalidade juvenil.

A delinquência juvenil é, as mais das vezes, um apelo desesperado à ajuda, por parte de um jovem perturbado.

Recusamos o tratamento deste apelo com a repressão e o encarceramento.

 

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