I Encontro Europeu “ A Estratégia de Lisboa e a reestruturação dos sistemas educativos. Frentes de luta e a reposta do movimento comunista e operário”

Contribuição do PCP por Jorge Pires. . Atenas, 8 e 9 de Abril 2006

Camaradas

Quero em nome do PCP, agradecer mais uma vez, o convite que nos foi feito para estarmos presentes neste Encontro e assim podermos deixar os nossos contributos para um debate sobre um tema de capital importância dos nossos dias, não fosse a Educação um pilar fundamental para um modelo de desenvolvimento que se quer mais justo e mais solidário do que aquele que tem sido seguido na generalidade dos países europeus.

No meu País, estamos confrontados com uma crise do sistema educativo, que se tem vindo a prolongar no tempo, com consequências dramáticas ao nível do insucesso escolar e do abandono precoce da escola, mas também da falta de qualidade das aprendizagens realizadas, logo a falta de qualidade do sucesso, com repercussões a médio e longo prazo no desenvolvimento do pais. O ensino e a escola, que deviam constituir um tema de esperança para o nosso Povo, são hoje, pelo contrário, um tema de ansiedade e de preocupações.

A Revolução de Abril de 1974, criou as condições objectivas para que se introduzissem as alterações necessárias no sistema educativo em Portugal, por forma a que este garantisse o acesso de todos os portugueses à educação e a
todos os níveis de ensino, independentemente das suas condições sócio-económicas. Nessa altura Portugal tinha uma taxa de analfabetismo de 49% e mantinha níveis impressionantes de segregação social e escolar como se
podia confirmar com o facto de apenas 5% dos estudantes do ensino superior originários de meios operários e camponeses. A verdade é que passados os primeiros anos em que foi possível avançar de forma significativa na
democratização do acesso ao ensino, apesar da Constituição da Republica Portuguesa consagrar o direito à educação e à igualdade de oportunidades na formação escolar, hoje passados trinta anos, o Pais está na cauda da U.E. a 25, em
praticamente todos os indicadores.

Portugal mantém ainda hoje uma taxa de analfabetismo de 9%, apenas 11% da população tem o ensino secundário, enquanto a percentagem da população portuguesa com formação superior completa é de 6,5%, para uma média europeia de cerca de 20%.

Não estamos perante uma fatalidade. Esta situação tem causas e responsáveis. No recente Encontro Nacional que o PCP realizou em Lisboa, sobre a “Situação da Educação em Portugal”, foi concluído, que a responsabilidade da situação se deve a uma prolongada ofensiva de cariz neoliberal, sustentada numa profunda limitação das funções sociais do Estado, restringindo severamente o seu papel como instrumento para a promoção da igualdade entre os portugueses, em mais um ajuste de contas com as conquistas alcançadas com a Revolução de Abril de 74.

As políticas dos sucessivos governos que desde 1976 governaram Portugal foram inequivocamente marcadas pela crescente desresponsabilização do Estado, o financiamento público do ensino privado e a subalternização de critérios
pedagógicos em prol de critérios economicistas e elitistas. A crescente mercantilização da educação, que não se desliga de uma ofensiva mais global pela mercantilização das funções sociais do Estado, com expressão concreta no
desrespeito pelo preceito constitucional que obriga o Estado a democratizar a educação e a garantir a progressiva gratuitidade do ensino publico, são uma realidade que não podemos dissociar das politicas neoliberais que têm vindo a
ser implementadas por toda a Europa, num quadro mais geral de subordinação do poder politico ao poder económico. Estado não pode limitar-se a reconhecer o direito à educação, ao ensino e à igualdade de oportunidades na formação escolar entendida no sentido material. Deve obrigar-se não só a eliminar obstáculos à sua realização, mas, mais do que isso, a criar as condições que permitam na prática o acesso de todos.

Para nós é claro que o processo de globalização capitalista, dominado pelo capital económico e sobretudo financeiro, que proclama o fim das ideologias enquanto
elementos capazes de ajudar o Ser humano a encontrar o caminho da sua libertação e que erigiu demagógica e falsamente, o mercado como principal factor de desenvolvimento das sociedades, é neste momento o grande obstáculo ao acesso de milhões de seres humanos ao conhecimento. A questão central é o mercado e o lucro, e mesmo sem os diabolizar, o que importa é saber se estes
estão acima dos humanos e se é legitimo utilizarem os instrumentos que deveriam ser de todos, apenas a seu proveito e sob o seu comando.

Foi neste contexto que avaliámos as decisões da cimeira de Lisboa e que hoje passados seis anos, a vida confirmou que tínhamos razão, quando então afirmámos, que não bastava o apelo à coordenação das políticas sociais ou a insistência pomposa na sociedade do conhecimento ou da informação.
Dissemos que era indispensável abandonar a perspectiva monetarista e anti-social e colocar definitivamente a pessoa humana no centro das prioridades e das politicas.

O objectivo proclamado na cimeira de Lisboa de transformar a União Europeia até 2010 na "economia do conhecimento mais competitiva e dinâmica do mundo", garantindo o pleno emprego e a eliminação da pobreza, tem vindo a traduzir-se
na crescente liberalização e privatização dos sectores básicos e serviços públicos, em mais desregulamentação laboral e em novos avanços no desmantelamento da protecção social e das outras funções sociais do Estado.

O Conselho realizado no passado mês de Março em Bruxelas, cujas conclusões insistem na via da privatização e nas Parcerias Público Privadas, como vias para aumentar o investimento em educação e formação, ignorou por completo o
fracasso da Estratégia de Lisboa e as suas causas, nomeadamente ao não considerarem que as políticas económicas ligadas à manutenção do Pacto de Estabilidade e Crescimento e ao cumprimento dos critérios de convergência
nominal, subordinando as politicas de prometido emprego e coesão económica e social às políticas financeiras da União Europeia, tiveram graves consequências sociais e foram um obstáculo à efectiva igualdade de oportunidades,
nomeadamente no acesso ao conhecimento.

No caso português a obsessão pelo défice das contas públicas e a obediência cega ao Pacto de Estabilidade e Crescimento levou o actual governo do Partido Socialista, inspirado na tese neoliberal de "Menos Estado, melhor Estado" a desencadear aquela que é já considerada a maior ofensiva contra a escola pública, contra os professores e os direitos mais elementares dos alunos como são a igualdade de oportunidades no acesso e sucesso escolares.

Camaradas

É neste contexto político fortemente marcado pelas opções neoliberais que entendemos dever ser caracterizado o chamado "Processo de Bolonha", que se transformou num instrumento da Estratégia de Lisboa, tal como foi reafirmado numa comunicação da Comissão em Abril de 2005. Em Portugal com a alteração da Lei de Bases do Sistema Educativo em Maio de 2005 e mais recentemente a publicação da legislação que redefine os graus académicos e diplomas do ensino superior, deu-se início à implementação do processo de Bolonha que se tem caracterizado pelo desconhecimento de grande parte dos docentes e a maioria dos alunos, feito de forma atabalhoada, e pela promoção da concorrência entre universidades e entre estas e os politécnicos e não da cooperação entre si.

Independentemente da bondade do discurso dos que vêem no Processo de Bolonha, a resposta para as dificuldades que se vive no Ensino Superior em Portugal, hoje está mais claro de que estamos perante um processo que visa uma profunda transformações das universidades da Europa, cujo sentido parece evidente - um melhor ajustamento aos novos interesses do grande capital industrial e financeiro e que, ao contrário dos objectivos enunciados na Estratégia de
Lisboa, o que vamos ter não é certamente mais conhecimento, mais investigação e mais inovação.

Com a opção dominante de um primeiro ciclo, correspondente à licenciatura, com a duração de três anos, à excepção dos cursos de Medicina, Enfermagem e Arquitectura, que serão Mestrados Integrados, o aluno que finalizar este primeiro
ciclo, fica com um nível de formação só formalmente apropriado para ingressar no mercado de trabalho. Isto significa que os que venham a concluir somente o primeiro ciclo, que serão aqueles com menor poder económico, terão acesso apenas aos conhecimentos técnicos básicos, ficando para os outros, os que têm poder económico, o acesso à formação avançada, à cultura e à Ciência.

Como é referido na comunicação de Abril de 2005 da Comissão Europeia, as universidades que preconizam um aumento das propinas sugerem que deste modo se obterá uma melhoria da qualidade do ensino. O exemplo português é bem elucidativo do aprofundamento da estratificação a que vai conduzir o processo, quando é sabido que da parte do governo prevalece a tese de que os custos com o ensino superior são um investimento no aluno e não no país, querendo fazer
prevalecer a tese de que devem ser cada vez mais as famílias a suportarem os custos com a formação, porque mais à frente serão ressarcidas desse investimento.

São exactamente os mesmos que sistematicamente aludem ao baixo nível de conhecimentos e de formação dos portugueses, uma das principais razões para a baixa taxa de produtividade dos trabalhadores, para justificar a baixa competitividade da nossa economia. A desonestidade do discurso da sociedade do conhecimento, do progresso económico e da coesão social, encontramo-la bem patente na situação chocante de milhares de jovens doutorados, cuja
formação foi apoiada por fundos comunitários ao longo da última década e meia, que na sua larga maioria estão agora a trabalhar em condições precárias a ponto de a OCDE reconhecer a fuga de cérebros para o estrangeiro.

Quando todos os estudos indicam que as principais causas do abandono e do insucesso escolares radicam nas dificuldades económicas das famílias e na falta de preparação dos pais para acompanharem os filhos em idade escolar. Com a
obrigatoriedade de pagar propinas, cujo valor máximo se situa em cerca de 800 euros por ano (o salário mínimo em Portugal é de cerca de 380 euros), receita que para os estabelecimentos de ensino serve no essencial para cobrir despesas básicas de funcionamento e não para a melhoria do ensino. Com uma taxa de abandono e insucesso que se mantém nos 50%, o processo de Bolonha tal como está concebido e a ser implementado, terá como uma das consequências mais graves que a maioria dos jovens portugueses continuem a não ter acesso a níveis elevados do conhecimento e de mobilidade, ao contrário dos objectivos que estabelece.

Desta forma o que temos não é harmonização dos vários sistemas de ensino superior, mas a sua desregulamentação a caminho de uma uniformização formal, e a polarização, no plano quer de cada país quer Europeu, entre algumas poucas universidades com recursos para a investigação científica, oferecendo pós-graduações para as elites, e um multiplicidade de estabelecimentos confinados É formação curta, generalista ou profissionalizante. Certamente que a
excelência de que tanto fala a Comissão, como um dos objectivos a atingir, só estará ao alcance dos sistemas universitários dos países mais ricos. Para os outros, como é o caso de Portugal restará um lugar periférico no chamado espaço europeu de ensino superior, como fornecedor de mão-de-obra qualificada e barata.

O que o PCP defende é que se devia deixar aos Estados Nacionais a capacidade de desenvolverem os seus sistemas de acordo com as suas prioridades, níveis de desenvolvimento, de cultura, de possibilidades. O que defendemos para o nosso País é uma reconfiguração do ensino público que habilite os estudantes a serem os criadores de um país avançado, consciente, democrático.

Camaradas

É neste quadro de profundas mutações no nosso sistema educativo, em todos os níveis de ensino, que se tem vindo a desenvolver a luta de estudantes, professores e pais. São muitas as contradições geradas no interior do sistema dominante com a ofensiva contra o ensino público.

Estas contradições têm permitido alargar a consciência política para as causas e consequências das políticas que têm sido adoptadas, o que tem permitido alargar a participação na luta de sectores normalmente mais recuados, e também têm permitido ao Partido intervir em regiões do país e com sectores da população onde normalmente tem menos influência política e eleitoral.

A burguesia procura, como sempre o fez manter o ensino como um aparelho de reprodução do capitalismo. A nossa luta é para que em todos os ciclos de ensino os jovens não sejam apenas preparados para a vida activa, mas também para uma intervenção consciente na sociedade.

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