Senhora Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,
Está em curso no nosso país uma operação de autêntico sequestro financeiro do sector público. Apresenta-se com a chancela dos conselhos de administração das empresas, com a aparente normalidade e recorrendo a designações como «Instrumentos de Gestão do Risco Financeiro», mas a verdade nua e crua é que se assiste ao roubo, e à transferência para o grande capital financeiro, de milhares de milhões de euros.
Neste caso, a arma do crime chama-se “contrato SWAP”.
Os "SWAPS" são "produtos financeiros derivados" e de alto risco, sujeitos a cotação. São frequentemente classificados como contratos de aposta ou contratos de jogo. Está em causa praticamente todo o setor empresarial do Estado – e em particular as empresas públicas de transportes. Desde 2008, todas subscreveram estes instrumentos financeiros altamente especulativos e não obrigatórios para a contratação dos empréstimos.
Os números do último relatório da Direcção-Geral do Tesouro e Finanças apontam para uma perda de mais de 2,645 mil milhões de euros. Isto significa que, no final de cada contrato de financiamento, as empresas terão de endividar-se novamente, só para pagar os encargos decorrentes da perda neste jogo financeiro com a banca.
Por agora, as perdas são maioritariamente “potenciais”, mas tornam-se reais se os bancos decidirem denunciar os contratos, obrigando as empresas a liquidá-los, dir-se-ia “a sangue frio”. De resto, a imprensa indica que várias instituições financeiras têm vindo a exigir essa mesma denúncia dos contratos, provocando assim um colapso financeiro de proporções e consequências sem paralelo.
De qualquer forma, já se está a registar neste momento perdas efetivas com estes instrumentos, por via dos encargos trimestrais com juros. Só para este ano, está previsto um reembolso de mais de 160 milhões de euros relativos a SWAPS.
O Metropolitano de Lisboa tem em mãos uma dívida total de 4,117 mil milhões de euros, de acordo com dados da Direção-Geral do Tesouro e Finanças. Mas assinou contratos SWAP no valor de 5,551 mil milhões de euros. Muito mais do que a totalidade da dívida.
No primeiro semestre de 2012, a empresa gastou 34 milhões em salários e 297 milhões em juros e perdas SWAPS para a banca. Isto significa entregar à banca, só em 2012, mais dinheiro do que o montante pago aos seus trabalhadores em 10 anos. A comunicação social estima uma perda de 1.131,4 milhões no Metro de Lisboa, o que corresponde às receitas de 16 anos, e de 832,4 milhões no Metro do Porto, equivalente a 142 anos de salários!
Perante tudo isto, há um silêncio do Governo e uma falta de transparência que só nos dá mais razões para preocupação.
O PCP apresentou requerimentos e perguntas ao Governo na Assembleia da República, confrontando o Governo com este mesmo problema. Não foi esta semana nem a semana passada. Foi a 29 de Setembro de 2012. Foi a 2 de Novembro de 2012. Foi a 14 de Janeiro de 2013. O Governo nunca respondeu. Nunca!
Suscitámos a questão em debates no Plenário e na Comissão Parlamentar. O Governo fez sempre de conta que não ouvia. Na semana passada, na reunião da Comissão de Economia e Obras Públicas, confrontámos o Secretário de Estado das Obras Públicas, Transportes e Comunicações com esta matéria. E na resposta que tivemos fomos simplesmente remetidos para a Secretaria de Estado do Tesouro, que assumiu a responsabilidade política pela condução deste processo.
Imediatamente o PCP requereu a audição da Secretária de Estado do Tesouro na Comissão Parlamentar. E esta manhã o PSD e o CDS-PP impediram essa audição, votando contra o requerimento do PCP e afirmando que o consideravam «extemporâneo»!
Dizem-nos que «está a decorrer uma auditoria aos financiamentos contratados, nomeadamente no que se refere aos contratos de cobertura de risco». Mas nesse caso, é verdade ou não que essa auditoria foi determinada há dois anos? E sendo assim, como é que só agora se começou a tratar do assunto?
Mais: é ou não verdade que é desde Agosto do ano passado que "a gestão destes contratos está atribuída à Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública/IGCP", por decisão do Ministério das Finanças – aliás, com acordos de representação entre as empresas e o IGCP para esse efeito? Então nesse caso o que é que sucedeu até agora?
Senhora Presidente, Senhoras e Senhores Deputados,
Este resultado negativo para as empresas públicas decorre das opções e orientações concretas dos governantes e administradores – e não do facto das empresas serem públicas. Os causadores deste prejuízo ao erário público têm de ser responsabilizados!
Mas veja-se o caso do ex-Presidente da Carris: no mandato do anterior Governo negociou e assinou estes contratos SWAP. Com o atual Governo, foi reconduzido no cargo, ficando agora com a gestão da Carris, do Metro de Lisboa, da Transtejo e da Soflusa, e vendo o seu salário passar de 82.871,46 euros/ano para 107.587,7 euros/ano, ou seja um aumento de 29,8 por cento!
Desde Dezembro de 2010, por força dos OE de 2011, 2012 e 2013, os trabalhadores estão a ser roubados (congelamento de carreiras e anuidades, «comparticipação solidária» no OE de 2011, roubo dos subsídios de férias e de Natal, em 2012, mais a brutal carga fiscal em 2013, mas também a retirada do direito a transporte dos trabalhadores no ativo e reformados).
Apesar destes cortes, a dívida das empresas continuou a aumentar, em proporções avassaladoras. Enquanto os ministros e os deputados do PSD e do CDS-PP foram atacando de forma inqualificável os trabalhadores, os seus direitos e a sua luta, as empresas foram-se afundando nesta armadilha especulativa de milhares de milhões de euros, caindo à mercê dos gigantes da alta finança.
Por isso há perguntas que têm de ser feitas, quando os papagaios do poder económico aparecem com os seus habituais insultos aos trabalhadores.
Quando ouvirem dizer que “é preciso baixar salários porque não há dinheiro”, perguntem onde se vai buscar este dinheiro que agora se "perdeu".
Quando ouvirem dizer que “os sacrifícios são para todos” perguntem quanto foram já sacrificados os beneficiários destes negócios. Perguntem quais os sacrifícios feitos pela Goldman Sachs, pelo Barclays, Morgan Stanley ou Merrill Lynch.
Quando ouvirem falar em privatizações porque “as empresas públicas funcionam mal e dão prejuízo” perguntem quantos dos que promovem ou autorizam este uso de dinheiro público já foram responsabilizados pelo que fazem.
E é assim que as palavras de José Afonso, desgraçadamente mais atuais que nunca, traduzem como fiel e rigoroso retrato o que se passa no nosso país: «eles comem tudo e não deixam nada».
Disse.