Intervenção de Paulo Sá na Assembleia de República

Há fronteiras que o Governo não quer transpor: a protecção do grande capital

Sr.ª Presidente, Srs. Deputados,

O Governo anunciou recentemente, pela voz do Primeiro-Ministro, mais um duríssimo pacote de medidas de austeridade, visando reduzir, de forma permanente, as despesas do Estado em mais de 4.000 milhões de euros. A cada anúncio de um novo pacote de austeridade, vão-se revelando os reais objetivos do Memorando da Troica, negociado e assinado, há dois anos, pelo PS, PSD e CDS: espoliar os portugueses dos seus direitos e rendimentos, intensificar a exploração dos trabalhadores e atacar as funções sociais do Estado, numa espiral de devastação social e de aprofundamento das desigualdades na distribuição de riqueza. Com a política de direita, agravada agora pela aplicação pelo Pacto de Agressão da Troica, a esmagadora maioria dos portugueses empobrece de forma acelerada, enquanto os grandes grupos económicos e financeiros abocanham parcelas crescentes da riqueza nacional.

O anúncio de mais um pacote de medidas de austeridade foi acompanhado por um deplorável espetáculo de desinformação protagonizado por membros do Governo, deputados e dirigentes dos partidos da maioria parlamentar e outros mestres da arte da dissimulação. O CDS, pela voz do seu dirigente máximo, veio a público tentar sacudir a água do capote, como se não fosse, de mão dada com o PSD, o autor e o executante das políticas praticadas nos últimos dois anos. Num dia, Paulo Portas traça fronteiras que não podem ser transpostas relativamente às pensões e reformas, para no dia seguinte dar o seu aval a políticas que infernizam a vida dos pensionistas e reformados. Lembremos a contribuição extraordinária de solidariedade, o confisco dos subsídios de férias e de Natal, a redução do complemento solidário para idosos, as miseráveis atualizações de algumas reformas mínimas, o congelamento das outras reformas ou ainda a desumana lei dos despejos. O CDS é tão responsável quanto o PSD pela atual política de desastre nacional. Não há malabarismo do seu líder ou dos seus dirigentes que iluda esta realidade.

Também o Presidente da República não resistiu a dar o seu contributo para o deplorável espetáculo montado pelo Governo e pelos partidos que o sustentam. As piedosas declarações do Presidente da República sobre os limites da dignidade que não podem ser ultrapassados não conseguem disfarçar a sua cumplicidade com o Governo, nem o ilibam das profundas responsabilidade pelo agravamento das condições de vida da esmagadora maioria dos portugueses e, em particular, dos cidadãos mais idosos.

As medidas de austeridade anunciadas pelo Governo traduzem-se em mais sacrifícios e injustiças para o povo português. Tal como nos anteriores anúncios, quer no âmbito do Memorando da Troica, quer no âmbito dos PECs, estas medidas representariam, alegadamente, o derradeiro esforço que todos teriam que fazer para que Portugal pudesse enveredar pelo caminho do desenvolvimento económico e social. Mas já ninguém acredita nisso, nem sequer os mentores e executantes desta política! Todos sabemos que estas medidas são apenas uma etapa – mais uma – no processo de liquidação dos direitos e conquistas sociais, de transferência de riqueza do trabalho para o capital e de extorsão dos recursos nacionais em benefício daqueles que especularam com a dívida pública portuguesa. Todos sabemos que estas medidas não resolverão os problemas do défice orçamental nem contribuirão para reduzir a dívida pública externa. Isso mesmo é atestado pelos mais recentes dados divulgados pelo Banco de Portugal.

Em 2012, a dívida pública cresceu 15 pontos percentuais, passando de 108,3% do PIB para 123,6%. Este é o maior crescimento anual da dívida registado nos últimos anos. Tal aumento não se deve ao facto de os portugueses viveram acima das suas possibilidades, nem a gastos excessivos com as funções sociais do Estado e os serviços públicos. Deve-se essencialmente, como afirma o Banco de Portugal no seu relatório, à recessão económica e ao aumento da fatura com os juros da própria dívida, bem como às operações de recapitalização da banca privada, levada a cabo em 2012. Também o défice orçamental teima em não se adaptar aos desejos do Governo, apesar das sucessivas revisões e adiamentos dos valores e prazos inscritos na versão inicial do Memorando da Troica.

A política da troica e do Governo não resolveu os problemas nacionais; pelo contrário, agravou-os a todos. O desemprego disparou, atingindo quase um milhão e meio de trabalhadores. Nos últimos 21 meses, foram destruídos em Portugal 460.000 postos de trabalho e a taxa de desemprego passou de 12,1% para 17,7%.

Aprofundou-se o ciclo vicioso “austeridade – recessão”, que subordina o nosso país, cada vez mais, às exigências do grande capital transnacional e do diretório das grandes potências europeias, com a Alemanha à cabeça. A estimativa apresentada ontem pelo Instituto Nacional de Estatística sobre a recessão no primeiro trimestre – 3.9% – espelha bem o impacto destrutivo da política da troica e do Governo no tecido produtivo nacional e no poder de compra das famílias portuguesas.

As medidas de austeridade apresentadas pelo Governo visam reduzir a despesa do Estado. Mas as vítimas são sempre as mesmas! Por que motivo o Governo, em vez de cortar salários e pensões, em vez de destruir as funções sociais do Estado e desarticular importantes serviços públicos, e, por essa via, condicionar o acesso a direitos fundamentais para a maioria da população, por que motivo – dizia – não corta nas gorduras do Estado? Nas rendas ilegítimas do setor energético, nas escandalosas taxas de rendibilidade das parcerias público-privadas, nos ruinosos contratos swap contraídos pelas empresas públicas em benefício do setor bancário, nos inúmeros benefícios fiscais para o grande capital, nos altos cargos da administração e empresas públicas que só servem para garantir tachos para a rapaziada dos partidos do chamado arco da governabilidade. Por que motivo o Governo não corta a despesa do Estado com o pagamento de 7.200 milhões de euros de juros da dívida pública? Esta é a maior despesa do Estado, superior à despesa com a saúde, a educação ou a segurança social. Esta é a despesa que mais tem aumentado nos últimos anos, passando de 2,8% do PIB, em 2010, para 4,4% em 2012.

A renegociação da dívida nos prazos, juros e montantes, como o PCP vem há muito propondo, permitiria reduzir a despesa do Estado com o serviço da dívida pública, libertando verbas significativas para o imprescindível investimento público na recuperação da produção nacional. Mas o Governo nem sequer quer ouvir falar destes cortes na despesa do Estado. Há fronteiras que o Governo não quer transpor: aquelas que protegem os senhores do grande capital, os banqueiros, os especuladores financeiros e os acionistas dos grandes grupos económicos e financeiros. Para estes, na melhor das hipóteses, o Governo limita-se a aparar as patilhas. A tosquia, essa está reservada para os trabalhadores e o povo.

É urgente demitir o Governo, rejeitar o Pacto de Agressão da Troica e derrotar a política de direita! É urgente romper com o atual rumo de desastre nacional!

Disse!

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