Intervenção de

Graffiti - movimento cultural e artístico<br />Intervenção do Deputado Margarida Botelho

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, O Projecto-lei que o CDS-PP trouxe hoje à Assembleia da República peca por desconhecimento, por uma vontade indisfarçável de controlar e por absurdo. A ignorância sobre o que é o graffiti leva a que o PP ponha no mesmo saco uma coisa que é uma forma de expressão e outra, que é um crime já previsto no Código Penal. O graffiti é uma das componentes de um movimento cultural e artístico que já nos ofereceu grandes novidades, o hip-hop, que é, na sua origem, pacifista e anti-racista. Será uma banalidade recordar que o rap conferiu à palavra um renovado valor musical e, sobretudo, de intervenção social, cultural e política. O graffiti, por seu turno, é uma expressão estética de um entendimento do mundo, da sociedade e de si próprio.Na mesma Nova Iorque que inspirou o PP e onde o Mayor Guiliani gastou 40 milhões de dólares na criação de brigadas anti-graffiti, fazendo conveniente e demagogicamente subir as taxas de detenções, os leilões de peças de graffiters como Jean-Michel Basquiat, desenrolam-se nos melhores salões e atingem verbas fabulosas. O graffiti está nos museus do mundo inteiro e é reconhecido como arte urbana, inclusivamente no nosso país.O hip-hop surge em Portugal já na segunda metade dos anos 80 e tem também como principais manifestações o rap e o graffiti. São já muitos os jovens portugueses que se associam em torno desta que é uma forma de contestação, utilizando-a para passar uma mensagem social e política. Ouçam-se, para isso, as letras de rap que falam de educação, de liberdade, de racismo, de uma forma extraordinariamente correcta. O que o PP confunde, os próprios graffiters distinguem muito claramente, inclusive com outro nome: um graffiti é um mural, tão digno como os do PREC que o PP considera que se deviam preservar, só que feito com latas de spray em vez de pincéis, profundamente criativos e interventivos, no âmbito do direito à liberdade de expressão e de criação culturais; um tag é uma assinatura, que normalmente serve para fazer conhecer o seu autor ou para delimitar um território, os tais que surgem nas 'cabinas telefónicas, nos bancos dos jardins, transportes públicos', etc. Somos sensíveis ao incómodo que estes causam. Concordamos que muitos são puros actos de vandalismo. Mas o PP, na sua vontade populista, esquece-se que, acossados pela ilegalidade reforçada, os jovens não teriam tempo de pintar um graffiti, nem de aprender e desenvolver a sua arte, levando a que num futuro próximo proliferassem os tags em vez dos verdadeiros graffitis. O reforço desta criminalização noutros países, como os Estados Unidos ou o Brasil, não fez diminuir os tags. Pelo contrário. As razões da violência, da delinquência, do vandalismo, radicam no quadro social complexo que temos hoje. Há que mudar as condições sociais para que se alterem estes fenómenos. E por que não proporcionar a estes jovens o desenvolvimento de algo mais artístico? É isso que se faz, por exemplo, no Centro de Hip-hop do Vale da Amoreira, no concelho da Moita. A provar que o PP não tem razão na associação que faz entre graffitis, gangs e violência, aqui a cultura hip-hop, nomeadamente o rap e o graffiti, é usada como forma de prevenção da exclusão e da marginalidade. Os jovens que abandonaram a escola, que tinham comportamentos de risco ou problemas de toxicodependência encontram no Centro Hip-hop, único no país, uma alternativa de vida. Parece-nos que este deve ser o caminho: haver incentivos por parte das escolas, das autarquias, do Instituto Português da Juventude, de forma a fazer com que esta nova forma de arte seja encarada como tal, com concursos, espaços próprios onde pintar, etc. Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, Este projecto-lei propõe medidas de segurança a nosso ver injustificáveis. O lado de vandalismo que as inscrições e os tags possuem já estão previstas no Código Penal, e até com penas maiores do que aquelas que são propostas. Por que motivo é que o PP pretende autonomizar este acto? Porque julga que é menos grave do que os outros danos previstos nos artigos 212º e 213º do Código Penal, que são punidos com penas até 8 anos? Por que motivo é que o PP pressupõe que os proprietários não querem os seus muros pintados? Mais: que mesmo que ofereçam os seus muros, como o caso de muitas autarquias, o processo penal continuará? Onde ficará o direito à propriedade privada que o PP tanto defende? Só há um motivo para que o CDS-PP proponha uma medida despropositada e que terá o efeito contrário ao desejado, como já dissemos. E o motivo é simples: o PP explora sentimentos justificados da população contra actos de vandalismo, de forma profundamente demagógica e repressora. Disse.

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