Intervenção de Bruno Dias na Assembleia de República

"O Governo prepara a festa da privatização dos CTT, mas terá a luta dos trabalhadores pela frente"

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No debate em torno de mais uma Proposta de Lei do Governo com vista à privatização dos CTT, Bruno Dias afirmou que aquilo que os partidos das troikas estão a fazer é entregar todas as áreas lucrativas desta empresa aos grandes grupos económicos, perdendo com esta privatização os trabalhadores e o país.

Procede à segunda alteração à Lei n.º 17/2012, de 26 de abril, que estabelece o regime jurídico aplicável à prestação de serviços postais, em plena concorrência, no território nacional, bem como de serviços internacionais com origem ou destino no território nacional
(proposta de lei n.º 179/XII/3.ª)

Sr.ª Presidente, Sr. Secretário de Estado,

Em primeiro lugar, quero dizer, neste debate, que a Assembleia da República não é uma almofada de carimbo do Governo e dos seus planos de privatização dos Correios.

Esta proposta de lei foi agendada para a reunião de hoje quando ainda não existia na Assembleia da República, foi distribuída no final da semana passada e veio a Plenário sem relatório e parecer da comissão respetiva porque surgiu a toque de caixa das agendas do Governo relativamente à privatização, sem nenhum elemento informativo, nem da ANACOM nem de qualquer outra entidade.

Portanto, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados da maioria, é mau sinal que, num processo como este, numa lei com a importância que esta assume, se esteja a fazer um debate a mata-cavalos, desculpem a expressão, sem se cuidar saber o que está a aprovar-se em larga medida. A Assembleia da República não pode assinar de cruz o que está aqui em causa.

Esta proposta de lei, Sr. Secretário de Estado, passa a incluir no dito «fundo de compensação» os pagamentos dos prestadores dos serviços ditos «permutáveis» para financiar o dito «serviço universal». Daí a primeira pergunta: qual é a tradução concreta, pela informação que existe no Governo e até por exemplos ilustrativos, daquilo que estamos a falar quando nos referimos a serviços permutáveis? Faço esta pergunta para que se saiba o que estamos a discutir. Que serviços são estes? Que avaliação e estimativa existem na base desta proposta quanto ao valor de financiamento decorrente desse alargamento? Que consequências decorrem desta medida?

Por outro lado, coloca-se aqui a questão da obrigatoriedade do acesso à rede postal do serviço universal por parte de outras empresas, isto é, de a rede dos CTT ficar ao dispor de outras empresas, se assim for designado, com força obrigatória geral. Daí a minha segunda pergunta, Sr. Secretário de Estado: qual rede? Do que é que estamos a falar? Estamos a falar de quantas estações de correio? Estamos a falar de que bases de dados, inclusivamente de endereços? Estamos a falar de que serviços? De que meios? De que equipamentos? E de que postos de trabalho?

A rede postal, tal como a conhecemos, tem vindo a ser sucessivamente desmantelada ao longo de meses e anos. Pergunto-lhe, então: no momento em que pouco ou nada restar junto das populações num serviço de proximidade — porque as pessoas, já hoje, em largas parcelas do território nacional têm de se deslocar dezenas de quilómetros para ter acesso a serviços postais —, como é que se dá acesso a uma rede que não existe? E qual é a perspetiva do Governo para que uma medida de caráter puramente instrumental de uma política de liberalização e privatização seja apresentada às pessoas e ao País como uma boa medida e uma boa opção estratégica?

(…)

Sr.ª Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados:

O Sr. Secretário de Estado dizia, há pouco, que, com esta proposta de lei, os contribuintes ficam ainda mais distantes de terem de pagar o serviço universal de correios. Então, pergunto quão próximos estão os contribuintes de pagar o serviço de correios hoje, porque, que eu saiba, o que os correios têm estado a dar é dezenas de milhões de euros de lucro ao Estado e não o contrário. Portanto, Sr. Deputado Nuno Serra, não tem havido aqui nenhum esforço do Estado para o investimento na rede dos correios.

Pelo contrário, tem havido uma contribuição efetiva dos correios para as contas públicas e uma destruição da rede postal a nível nacional (e isto tem acontecido em todos os distritos, inclusive no seu, como o senhor deu aqui nota, há alguns meses, num debate).

Ora, com esta política, com esta estratégia e, inclusivamente, com esta proposta, o que perguntamos é o seguinte: e se o dinheiro não chegar? Que garantias é que temos de que as formas de financiamento sejam asseguradas com a quantificação que hoje não existe à vista de ninguém?

Daí colocarmos também o problema da falta de transparência, Sr. Secretário de Estado. O senhor fala dos serviços de publicidade como um exemplo de serviços permutáveis. E vem dizer-nos que esta proposta de lei não está associada ao processo de privatização dos correios. É caso para dizer, Sr. Secretário de Estado: conte-nos outra que essa não pega! É que o que está a acontecer com esta proposta é, no fundamental, garantir que o grupo económico putativo comprador dos correios tenha mais alguém a ajudar no pagamento da fatura deste serviço.

Ou seja, estamos a tratar de um seguro de vida para o negócio que os senhores estão a preparar. Ou seja, quando nos diz que pode haver, em 2020, outros operadores que queiram apresentar propostas, o problema que se coloca é em que estado estará o País e a rede postal nesse dia em que alguém apareça, como apareceram em vários países que avançaram já com a liberalização e que agora estão a recuar e a tomar medidas. Veja o caso da Argentina, esse belíssimo exemplo da globalização e dos novos tempos que o mundo atravessa, em relação à liberalização que hoje está a ser desfeita pelo caos que o serviço postal naquele país registou. Mas também podemos ver o que se tem passado na Holanda, no Reino Unido e noutros casos.

Quanto ao belíssimo exemplo que o Sr. Secretário de Estado aqui nos trouxe do setor das telecomunicações relacionado com esta questão do serviço público e das dinâmicas de mercado, queria aqui lembrar que, no dia 30 de julho deste ano (portanto, já passou o prazo da resposta), colocámos uma pergunta escrita ao Governo sobre o contrato para o serviço universal de comunicações da rede fixa. E numa altura em que o País ficava a saber do extraordinário negócio da fusão entre a Optimus e a Zon, o Governo anunciava que, no concurso para a rede fixa, atribuiu à Optimus o Norte e o Centro do País e à Zon a Região Sul e Ilhas. Ou seja, a Optimus e a Zon juntam-se e os senhores invocam a concorrência, fazem um concurso e dizem: os concorrentes aqui estão, é a Zon e a Optimus, é metade do País para cada uma. E, depois, como se juntaram, fica uma só. É esta a dinâmica de mercado que os senhores querem? É esta a concorrência que os senhores invocam? Numa altura em que a PT, que já foi pública, agora privatizada, anuncia a sua integração num tal gigante global de telecomunicações e prepara a saída da sua sede para outro país? É esta a dinâmica de mercado que os senhores querem para o desenvolvimento da nossa economia, para a coesão territorial, para a própria soberania do País? É esta a perspetiva estratégica que os senhores colocam para o nosso futuro?

Aquilo que os senhores estão a fazer, Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo, na verdade é aquilo que se faz nos matadouros e nos talhos: é esfolar, cortar e desossar os correios e entregar o bife do lombo a alguém que apareça com a melhor oferta, que nem tem de ser grande coisa.

Aquilo que se está a fazer com o Instituto de Obras Sociais (IOS), com o serviço complementar de saúde dos trabalhadores dos correios, com a rede postal e até com o financiamento do serviço universal é a preparar uma extraordinária oferta, uma oferta irrecusável para os apetites dos grupos económicos que se perfilam para a festa da privatização que os senhores anunciam para dezembro.

Continuaremos a lutar contra essa estratégia porque ela é uma parte gravíssima desta política de destruição do País que este Governo está a levar a cabo e que, por isso, tem de ser derrotado!

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