Intervenção de Bernardino Soares na Assembleia de República

Governo e patronato querem fazer a terraplanagem dos direitos dos trabalhadores

Ver vídeo

''

Declaração política sobre as alterações que o Governo quer introduzir nas relações laborais, nomeadamente, a redução do valor das indemnizações em caso de despedimento
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
O Governo está a cumprir! Cumpre o que lhe foi encomendado pelo grande patronato e pelo capital nacional e transnacional: proceder a uma terraplanagem dos direitos dos trabalhadores.
Cumpre, como zeloso pau mandado do grande patronato, o programa de agressão à vida de quem trabalha: quer aumentar o horário de trabalho; quer eliminar feriados e férias; quer cortar nas horas extra — mais trabalho com menos salário; quer cilindrar a contratação coletiva e alargar as razões para despedir, incluindo um verdadeiro despedimento sem justa causa; quer ainda permitir o despedimento a preço de saldo, para que, verdadeiramente, a indemnização deixe de ser obstáculo ao arbítrio patronal. E, como está bem consciente de que está em acelerada erosão a sua base social de apoio, o Governo acelera a realização do trabalho sujo que lhe encomendaram.
Mal entrou em funções entregou uma proposta de lei para reduzir as indemnizações por despedimento, diminuindo o valor por dia e por mês correspondente a anos de trabalho e introduzindo valores máximos. Está agora em curso a nova e gravosa alteração ao Código do Trabalho e, ainda esta não saiu da Assembleia da República, já o Governo anuncia nova proposta de alteração, visando baixar os dias de referência para a indemnização para entre 6 a 10, quando antes os baixou de 30 para 20.
Mais ainda: quer aumentar para 17 meses o prazo mínimo de contrato para o trabalhador ter direito a indemnização. É o mesmo que dizer aos patrões: se despedirem antes dos 17 meses, nunca pagarão indemnização ao trabalhador.
Para justificar o injustificável, o Governo, com o inefável Ministro Pereira em destaque, alinha um chorrilho de mentiras e falsificações.
Diz o Ministro da Economia, diligente capataz do patronato, que o problema do País é que há dificuldade em despedir e que é preciso um mercado de trabalho mais competitivo, seja lá isso o que for.
Um Ministério de um Governo que nada faz para garantir que haja crédito acessível às empresas, designadamente às pequenas empresas, que apoia os brutais lucros da EDP, da Galp e de outras empresas do sector energético que sangram a economia nacional, que corta no investimento público, alimentando a recessão, elege como objetivo da sua política económica o despedimento fácil e barato. Como se a competitividade da nossa economia se pudesse alguma vez garantir com uma política de salários cada vez mais baixos. Como se, na realidade, o nosso País, com 1,2 milhões desempregados, com outros tantos trabalhadores precários, não fosse já um paraíso para a exploração de quem trabalha. Como se não fossem já precárias 21% das relações laborais — 35% no caso dos jovens. Como se 70% dos novos contratos não fossem, como são, precários no nosso País.
Vem também o Ministério da Economia com um estudo comparativo, uma verdadeira falsificação que não só compara realidades de todo incomparáveis, no plano das regras laborais — por exemplo, ignorando mecanismos como o do aviso prévio ou o da prevalência de regras da contratação coletiva —, como esconde uma questão decisiva. É que os níveis salariais dos trabalhadores portugueses são incomensuravelmente inferiores aos da generalidade dos dos restantes países europeus. Se quer o Governo fazer comparações, comece por comparar os salários, designadamente o salário mínimo nacional.
Depois há essa verdadeira abstrusidade de dizer que despedir com facilidade ajuda a criar emprego. O despedimento livre que o Governo quer oferecer ao grande patronato não cria um único posto de trabalho, visa apenas substituir trabalhadores com direitos por trabalhadores sem direitos, com precariedade máxima e, por isso, com salários mais baixos.
Talvez fosse a altura de se perguntar ao PSD e, especialmente, ao CDS onde é que está o tão falado visto familiar para estas medidas.
Só se for o visto da «família» Sonae ou o visto da família Espírito Santo ou o visto da família Amorim!…
As alterações que o Governo quer aprovar não permitem qualquer hesitação a quem mantenha nem que seja um resto de apego pela matriz constitucional de defesa dos direitos dos trabalhadores.
Se me permitem, Srs. Deputados do Partido Socialista, estas alterações não toleram uma abstenção, como a que lhes deram na votação na generalidade. Esta, sim, esta vossa abstenção é uma abstenção violenta contra os trabalhadores e os seus direitos. Aqui, Srs. Deputados, no debate desta questão, não pode haver meias-tintas.
Com esta ofensiva, o Governo visa baixar drasticamente os salários e a remuneração dos trabalhadores. Fá-lo com a política económica de promoção do desemprego; com o fomento da precariedade; com a degradação das regras do subsídio de desemprego, que daqui a pouco vamos debater, obrigando a uma baixa rápida e brutal dos salários; com a ausência de fiscalização dos atropelos às regras em vigor.
Com esta política, o Governo quer garantir ao patronato, mesmo em recessão, o aumento dos lucros, pela via da diminuição dos salários e das remunerações, numa palavra, pelo aumento da exploração.
Mas quer também tornar mais difícil a defesa dos direitos. Quer dar ao patrão as armas para chantagear aqueles que não desistem de fazer valer os seus direitos e para atacar os dirigentes e ativistas sindicais. Quer a lei da selva nas relações laborais.
Não tenha, contudo, o Governo a menor dúvida de que estas propostas já tiveram, e continuarão a ter, combate e contestação. E, mesmo que venham a ser aprovadas pela atual maioria, com ou sem o PS, terão esse combate, porque são o caminho da desumanização social, da selvajaria económica, da destruição da vida de milhões de trabalhadores e das suas famílias.
O Governo está com pressa por isso mesmo, mas não vai ter caminho fácil e, certamente, não conseguirá os seus objetivos.
(…)
Sr. Presidente,
Sr.ª Deputada Mariana Aiveca,
Começo por agradecer a sua pergunta e dizer-lhe que tem toda a razão. Salientou, aliás, que esta foi uma das primeiras medidas que o Governo apresentou à Assembleia da República, e isto demonstra bem qual a prioridade deste Governo.
Este Governo não fez nada para melhorar a situação económica do País nem para combater o desemprego, mas tomou como prioritário o ataque aos direitos dos trabalhadores. Esta tem sido a linha fundamental da política de um Ministério que se diz da economia e do emprego, mas é da recessão, do desemprego e da diminuição dos direitos.
É evidente que nenhum trabalhador pode ficar descansado com as palavras do Governo. Sempre disseram que eram apenas para uns, que não havia mais medidas, mas, de mês a mês, vemos que tudo o que acontece é sempre para continuar a ser aumentado e no mesmo caminho.
Por isso, não podemos partir do princípio de que aquilo que o Governo diz é verdade, temos é de partir do princípio — e, hoje, a maioria dos portugueses e dos trabalhadores já o sabem — de que aquilo que o Governo garante, normalmente, é mentira, porque, a seguir, vem o desmentido daquilo que está a ser feito.
Sr.ª Deputada Mariana Aiveca, é muito difícil compreender como é que as justificações apresentadas têm algum cabimento. Mais valia dizerem que o que querem é aumentar a margem de lucro do grande patronato. Era mais honesto! Então, se se diminui, por exemplo, para metade o valor das horas extraordinárias pagas no setor público e no setor privado, onde é que isso traz maior produtividade?! Não! Não se produz mais, o que se paga é menos a quem produziu! Esta é que é a solução do Governo para tudo: pagar menos a quem produz a riqueza, que é o trabalhador!
Mais: o que querem com esta lei dos despedimentos selvagens é fazer com que todos possam ser despedidos por tuta e meia em qualquer momento para que os trabalhadores contratados a seguir para fazer o mesmo trabalho o sejam com um salário menor, com menos direitos e assim, progressivamente, na sociedade portuguesa os salários se vão reduzindo, os direitos se vão eliminando.
Este é o objetivo da vossa política, que não pode ser escondido por balelas como aquelas que o Ministro da Economia vem vendendo ao País.
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado Adriano Rafael Moreira,
Em relação ao processo legislativo, apresentámos mais de 60 propostas. Se calhar, ainda não deu por isso, mas tem tempo, repito, tem tempo, de ver o que apresentámos!
Já agora, quando for fazer esse debate, leia os mais de 1000 pareceres que os trabalhadores entregaram, aquando da consulta pública obrigatória.
Leia e tire conclusões, para não vir sempre com essa conversa estafada de que o que o Governo está a fazer está bem e que há aqui umas pessoas, como os Deputados do PCP, que não querem ver a realidade.
Sr. Deputado, já agora, acabe com essa história de que despedir os trabalhadores com direitos dá emprego aos jovens trabalhadores. Como? Sr. Deputado, quando se despede não se cria mais emprego! Se uma empresa despedir um trabalhador com direitos e contratar um trabalhador precário, que é o que o Governo quer que se faça, não cria nenhum posto de trabalho; simplesmente, deixa de ter um trabalhador a quem pagava um determinado salário e contrata um trabalhador a quem paga metade desse salário! É isso que os senhores querem para os jovens!
O que os senhores querem para os jovens não é que eles tenham emprego mas que eles tenham baixos salários para serem mais explorados; que a «regra» da precariedade, que hoje abrange 35% dos jovens trabalhadores, passe a abranger 100% no futuro, que todos sejam trabalhadores precários. Esse é o vosso objetivo, não é qualquer criação de emprego.
Perguntou quais são as medidas para criar emprego, Sr. Deputado?! Olhe, é fomentar a economia, mas apoiando as micro e pequenas empresas; é não permitir que a Galp e a EDP suguem a riqueza nacional cobrando preços sobre a energias e os combustíveis que são incomportáveis para a nossa economia para os seus acionistas poderem levar para casa milhões e milhões de euros de lucro — isso é que é ajudar a economia! —, é investir nos salários e nas pensões para permitir que o mercado interno progrida e que as pequenas empresas, o comércio, tenham capacidade para resistir à crise que estão a enfrentar. Isso é que cria emprego, Sr. Deputado. Roubar salários e diminuir direitos não cria emprego, só aumenta o desemprego. Mas essa é a vossa política, uma política de total insensibilidade social!
E isso, Sr. Deputado, pode ter a certeza que vai ser derrotado, porque, agora, a situação é difícil, mas sabemos que é possível invertê-la com uma política diferente, com uma política que conjugue o investimento no progresso económico e, ao mesmo tempo, uma melhor distribuição da riqueza, uma melhor garantia dos direitos dos trabalhadores.
Esse é o futuro do nosso País, esse é o futuro que vamos conseguir conquistar um dia destes, se calhar mais cedo do que o senhor pensa.
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado Miguel Laranjeiro,
Agradeço a sua pergunta.
Sr. Deputado, quem o ouviu não ficou muito tranquilo em relação à posição do PS. O Sr. Deputado exprimiu aqui uma série de preocupações que até são justas, mas, depois, e daí? O que tira o Sr. Deputado daí? Porque o que vemos é que o PS continua a «navegar em águas turvas» à volta desta matéria.
Continua, aqui, sem definir claramente se está ou não de acordo com a diminuição das indemnizações por despedimento.
Falou do fundo empresarial. Sr. Deputado, esse fundo seria constituído pelas contribuições de quem? Já sei que o Sr. Deputado responderia que os patrões é que iriam descontar. Pois é, mas os patrões iriam descontar retirando aos salários dos seus trabalhadores, como é evidente.
Portanto, o que teríamos com o que o Partido Socialista propunha seria uma redução das indemnizações por despedimento, financiada com os salários dos próprios trabalhadores.
O Sr. Deputado sabe que é assim, sabe que a dinâmica das relações laborais leva a que, se se impõe um desconto, o patronato reflita o desconto nos salários dos seus trabalhadores.
Por isso, o que os senhores propõem, afinal, é uma redução das indemnizações financiada pelo próprio trabalhador, e isso não é aceitável, Sr. Deputado.
É verdade que o estudo que foi apresentado não tem qualquer credibilidade. Mas há uma questão de fundo que, independentemente dos estudos, tem que ser colocada: há alguma comparação que se possa fazer com os outros países da União Europeia que não comece por pôr como termo de comparação os miseráveis salários que ganham os trabalhadores portugueses, em comparação com os outros trabalhadores da União Europeia?
É aceitável qualquer comparação com regimes de indemnização por despedimento de outros países, quando a base desses regimes de indemnização está no salário e os salários dos portugueses são baixíssimos? O salário mínimo é muitíssimo mais baixo do que nos outros países da União Europeia!
Não é possível fazer essa comparação, porque está a comparar-se o incomparável. Não é possível aceitar que seja esse o termo de base deste debate.
Por isso, Sr. Deputado, o PS tem de definir-se. Tem de dizer aos portugueses se ainda vos resta alguma preocupação com a matriz constitucional da defesa dos direitos dos trabalhadores ou se isso já desapareceu do vosso código genético. É isso que temos que ver, com ações concretas, com votações e não apenas com preocupações, como as que o Sr. Deputado aqui exprimiu!
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado José Luís Ferreira,
Agradeço a pergunta que me colocou.
De facto, o que está em causa é uma ofensiva contra os direitos laborais. Repare-se que, desde o início do mandato deste Governo, desde julho do ano passado, o Governo já passou os dias contabilizáveis para a indemnização por despedimento de 30 para 20 e, agora, quer 10.
O que significa diminuir, só aqui, em um terço o termo de referência. Isto para já não falar que o valor por dia também diminuiu; para já não falar nos 12 meses de salário, máximos, de indemnização; para já não falar que deixou de haver limite mínimo de indemnização; para já não falar que, agora, querem até que só haja indemnização por despedimento a partir de 15 ou 17 meses! Isto é o mesmo que dizer a todos os jovens que estão com contrato precário, a recibo verde, a trabalho temporário ou com contrato a prazo que nunca vão ter indemnização por despedimento, que vão ser despedidos de ano e meio em ano e meio, ou menos, e com isso nunca terão um posto de trabalho efetivo!
É isto que a direita quer oferecer aos jovens portugueses!
Não é emprego, é precariedade. É baixo salário, são dificuldades acrescidas na constituição da sua vida, da sua família. É isso que querem oferecer aos jovens portugueses!
E diz bem o Sr. Deputado: esta legislação, se avançar, é um verdadeiro convite para despedir, é uma espécie de totoloto para o grande patronato. «É fácil, é barato e dá milhões».
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado Nuno Magalhães,
Agressiva é a vossa política, essa é que é agressiva! É agressiva contra a vida das pessoas, e isso está à vista todos os dias!
Sr. Deputado, pensei que nos ia explicar qual tinha sido o visto familiar para esta proposta das indemnizações, mas, convenientemente, o Sr. Deputado falou de outras coisas…
Portanto, para esta proposta, presumo que não há visto familiar, ao contrário do que o Programa do Governo estabelece: «Todas as medidas passarão pelo visto familiar». Não se está a ver como é que uma proposta que permite despedir mais facilmente e com menor indemnização há de ter um visto familiar!?
Dá a impressão de que o visto familiar é mais uma coisa da oposição, porque, quando se chega ao Governo, é melhor meter no bolso o visto familiar, junto com uma série de outras coisas!
O Sr. Deputado deu o exemplo, entre outros, da Sonae. Sabe quem é que cria a riqueza na Sonae? São os trabalhadores desse Grupo!
E quem é que investiu o capital para haver postos de trabalho?
Esses trabalhadores, que são dezenas de milhares, têm uma fortíssima incidência de horas extraordinárias na composição do seu salário. Com as medidas que os senhores querem aprovar, o valor dessas horas extraordinárias vai diminuir para metade. Quer dizer que estes trabalhadores, se trabalharem as mesmas horas que trabalhavam — 10 ou 12 por dia — vão ganhar muito menos do que ganhavam até agora.
Isto significa que o Grupo Sonae e outros grupos — não quero aqui particularizar — vão poder ter a mesma produção com menos custos!
Quem paga? Os trabalhadores, de cujo bolso vai sair o pagamento desse acréscimo de lucro para esse Grupo. E é isso que entendemos que não é possível, porque não podem ser sempre os mesmos a pagar.
Sr. Deputado, há uma coisa que é chave: nas relações laborais, não há um equilíbrio entre as partes; a parte patronal tem mais armas e mais poder do que a parte do trabalhador.
E a obrigação da legislação é a de defender a parte mais fraca porque o equilíbrio só se encontra quando as regras promovem a proteção da parte mais fraca. Se as regras introduzem uma igualdade de tratamento pela lei, então a parte mais forte ganha sempre. E é isso que está a acontecer, agora.
O Deputado Nuno Magalhães perguntou onde é que estávamos. Há uma coisa que lhe posso garantir: estaremos sempre, aqui e lá fora, do lado dos trabalhadores e sabemos que os trabalhadores hão de construir uma rutura com esta política e hão de conseguir que lhes sejam devolvidos os direitos que são seus direitos de uma vida digna, uma vida com uma dignidade que, agora, esta legislação lhes quer tirar.

  • Trabalhadores
  • Assembleia da República
  • Intervenções