Intervenção de

Gestão e avaliação do desempenho na Administração Pública - Intervenção de Jorge Machado na AR

Sistema integrado de gestão e avaliação do desempenho na Administração Pública

 

Sr. Presidente,
Sr. Secretário de Estado,

V. Ex.ª e o preâmbulo da presente proposta (n.º 157/X) enumeram um conjunto de virtudes deste diploma. Contudo, fica de fora da sua análise o facto de este diploma estar inserido num conjunto mais vasto de legislação.

Se tivermos em conta o PRACE, o regime de mobilidade e o regime de vínculos, ainda ontem discutido na especialidade, percebemos que o SIADAP é um instrumento fundamental para a concretização da agenda neoliberal deste Governo.

Assim, e da análise conjugada dos diplomas, percebe-se que, ao contrário do que afirma o Sr. Secretário de Estado, o SIADAP visa, em primeira instância, limitar a progressão na carreira dos trabalhadores da Administração Pública, fundamentar o encerramento de serviços, é um instrumento para a aplicação do regime da mobilidade e, em última instância, visa branquear o despedimento sem justa causa.

Uma questão que lhe coloco tem a ver com a complexidade deste regime de avaliação.

O Sr. Deputado António Gameiro, em Fevereiro de 2006, aquando da discussão das propostas de alteração ao regime de avaliação previsto na Lei n.º 10/2004, do governo PSD/CDS-PP, criticava esse modelo, dizendo que foi aprovado «sem ouvir e ter em conta as diversas dúvidas de aplicação do mesmo, pela complexidade e carga burocrática que comporta».

Ora, se o modelo de avaliação proposto pelo PSD era complexo, este, Sr. Secretário de Estado, é mais complexo.

E estão os serviços preparados para a sua aplicação?

Uma outra dúvida que nos levanta este diploma é a sua morosidade.

Na verdade, o processo de avaliação inicia-se com um planeamento que decorre no último trimestre de cada ano civil e termina com a homologação das avaliações, que é feita até 30 de Março, seguindo-se um período de reclamações, que pode ir até meados do mês de Abril. Assim, o processo de avaliação pode demorar cerca de 6 meses. Não parece exagerado que os serviços estejam tanto tempo preocupados com o sistema de avaliação?

Por fim, Sr. Secretário de Estado, uma das novidades do Regimento é a obrigação de o Estado apresentar, juntamente com as propostas de lei, os documentos, os pareceres e os estudos que as fundamentaram. O Governo não o fez na presente proposta de lei, que já segue os termos do actual Regimento.

Por que é que não o fez quanto a uma matéria tão complexa e importante para os trabalhadores da Administração Pública?

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Secretário de Estado da Administração Pública,
Sr.as e Srs. Deputados:

Esta proposta de sistema integrado de gestão e avaliação do desempenho dos trabalhadores da Administração Pública integra-se na dita «reforma» mais ampla, o PRACE. Para concretizar o encerramento de serviços públicos, para desmantelar as funções essenciais do Estado, para promover a entrada do sector privado em novas áreas de negócios, o Governo necessitava de novos instrumentos legais.

Assim, surge o regime da mobilidade, o regime dos vínculos, o SIADAP, que estamos agora a discutir, para, no futuro, o Governo apresentar o novo regime de contrato de trabalho em funções públicas e, posteriormente, as alterações ao regime disciplinar dos trabalhadores da Administração Pública.

O Governo, nos diplomas que já apresentou, ataca um conjunto de direitos dos trabalhadores, nomeadamente o vínculo e a estabilidade no emprego, com o objectivo de desmantelar uns serviços e de entregar outros à «gula» do sector privado. É este o contexto em que é apresentado o SIADAP.

Analisemos algumas das propostas em concreto: o Governo mantém o absurdo sistema de quotas para as classificações mais elevadas, com o objectivo de limitar a progressão na carreira dos trabalhadores. Na verdade, a progressão na carreira, já fortemente condicionada no diploma dos vínculos, depende da obtenção de 10 pontos na avaliação. Ao limitar a classificação mais elevada a 25% dos trabalhadores, mesmo que haja mais trabalhadores a merecerem esta classificação, o Governo arreda a grandessíssima maioria dos trabalhadores da legítima pretensão de progredir na carreira.

Curiosa é a posição do Partido Socialista quanto às quotas. Na oposição, dizia-se contra o sistema de quotas, agora é um acérrimo defensor desse mesmo sistema. O Sr. Secretário de Estado teve mesmo a desfaçatez de dizer que não há qualquer contradição entre o que o PS dizia em 2004 e o que diz hoje. Importa lembrar novamente nesta Assembleia, para que não passe em claro, o que, em 2004, a bancada do Partido Socialista - não era a bancada do PCP, mas a do PS - dizia: «Como vai ser concretizado o efectivo reconhecimento do mérito dos trabalhadores da Administração Pública, com a imposição de quotas que inibem e impossibilitam...» - o PS dizia «impossibilitam», Sr. Secretário de Estado! - «... uma avaliação autêntica?».

Mais, o PS questionava: «Como acreditar que se pretende implementar um modelo de excelência na função pública, se essa excelência não pode ser superior a 25%?...».

Afirmava, ainda, o PS (e não o PCP): «Não aceitamos um sistema, como o que acaba de ser aprovado, que impõe quotas com o único objectivo de condicionar a promoção e a progressão nas carreiras dos trabalhadores».

Se isto não é uma contradição com aquilo que o PS defende hoje, então, como dizia a Deputada Heloísa Apolónia, «vou ali e já venho!»

Na verdade, o sistema de quotas não permite uma verdadeira avaliação, porque impõe artificialmente um limite à avaliação e apenas visa condicionar a promoção e progressão na carreira. Só que «palavras levamnas o vento» e as palavras do PS na oposição são leves e bastante aerodinâmicas, pelo que já estão muito longe das propostas do PS enquanto governo.

Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Esta proposta é dificilmente aplicável às autarquias locais. O Governo não teve em conta as especificidades e a autonomia do poder local, pelo que não podemos deixar de registar apreensão quanto às necessárias adaptações que têm de ser feitas.

O artigo 26.º da presente proposta estabelece, no seu n.º 4, que duas ou mais menções de «Desempenho Insuficiente» podem fundamentar a pertinência da existência do serviço. Ora, se tivermos em conta que o diploma sobre o regime dos vínculos cria a figura do despedimento colectivo e o despedimento por extinção do posto de trabalho, facilmente se percebe como os dois diplomas se articulam: um deles propõe o encerramento de um serviço, o outro trata de despedir os trabalhadores.

Um outro aspecto que suscita dúvidas e ao qual o Sr. Secretário de Estado não respondeu tem a ver com o sistema de interligações necessárias entre os diferentes subsistemas. Isto é, na avaliação do trabalhador não são tidos suficientemente em conta outros factores que condicionam o desempenho. Os trabalhadores podem, assim, ser penalizados e avaliados negativamente quando, por exemplo, o que determina o seu mau desempenho é um mau dirigente do serviço, o facto de o serviço não ter os meios materiais e humanos adequados, ou os trabalhadores não terem tido a formação adequada.

Por fim, o sistema de avaliação proposto pelo Governo é demasiado complexo, é um labirinto inaplicável de procedimentos e é demasiado moroso.

As nove fases do processo de avaliação, a sua complexidade e o facto de ser anual deixam sérias dúvidas quanto à exequibilidade da avaliação.

Sr. Presidente,
Sr. Secretário de Estado,
Sr.as e Srs. Deputados:

Este sistema de avaliação do desempenho dos trabalhadores da Administração Pública, proposto pelo Governo, não surge, na nosso opinião, para, de uma forma construtiva, melhorar os serviços e a qualificação dos trabalhadores. O seu verdadeiro objectivo, inserido num conjunto de acções que visam a implementação da política neoliberal do Governo, é, através da avaliação, fundamentar o encerramento de serviços, impedir a progressão na carreira, fundamentar o envio dos trabalhadores para o quadro de supranumerários e facilitar os despedimentos.

Aquando da discussão da primeira alteração ao SIADAP, no dia 23 de Fevereiro de 2006, dissemos: «O Governo deve olhar para esta experiência...» - a experiência, até então, ocorrida - «... e retirar as respectivas lições, deve criar um sistema exequível e que seja devidamente testado num período experimental.»

Mais: afirmámos que «a avaliação do desempenho tem que ser justa e deve ter como objectivo melhorar cada vez mais os serviços que a Administração Pública presta aos portugueses, e não pode nem deve servir para condicionar, dificultar, impedir ou instrumentalizar a promoção e a progressão na carreira dos trabalhadores da Administração Pública.»

Infelizmente, o Governo «fez ouvidos moucos» às nossas propostas e assume uma política, propostas concretas bem diferentes daquelas que anunciava enquanto partido da oposição. Os trabalhadores da Administração Pública saberão dar a resposta adequada - amanhã mesmo, vamos ter um momento importante da avaliação do desempenho do Governo, com a jornada de luta promovida pela CGTP-IN.

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Secretário de Estado,

A título de balanço, registo o facto de o Sr. Secretário de Estado não ter gasto 1 segundo a falar de perspectivas para melhorar o funcionamento da Administração Pública ou para aumentar a qualificação dos trabalhadores da Administração Pública face a uma avaliação negativa.

Fica clara, portanto, a matriz da avaliação. O Governo tem uma postura destrutiva dos serviços, punitiva dos trabalhadores e não tem uma perspectiva de futuro ou de melhoria dos serviços. Fica clara a diferença entre quem quer mais e melhor Administração Pública e quem quer destruir serviços e atacar os direitos dos trabalhadores.

 

 

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