Intervenção

Fusões transfronteiriças

 

Alteração do Código das Sociedades Comerciais e do Código do Registo Comercial, transpondo para a ordem jurídica interna a Directiva 2005/56/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Outubro de 2005, relativa às fusões transfronteiriças das sociedades de responsabilidade limitada, a Directiva 2007/63/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Novembro de 2007, que altera as Directivas 78/855/CEE e 82/891/CEE do Conselho, no que respeita à exigência de um relatório de peritos independentes aquando da fusão ou da cisão de sociedades anónimas e estabelece o regime aplicável à participação dos trabalhadores na sociedade resultante da fusão

Sr. Presidente,
Srs. Deputados,
Srs. Membros do Governo:

A proposta de lei (proposta de lei n.º 236/X)  é mais uma peça para o desenvolvimento do «mercado interno comunitário», incentivando/facilitando a fusão transfronteiriça de sociedades.

Mas nem as directivas nem a proposta de lei que as transpõe esclarecem e acautelam todas as possíveis consequências dessas fusões.

As fusões transfronteiriças, um mecanismo de concentração e centralização de capital no seio do «mercado único comunitário», terão como argumento central o conhecido «uso mais eficiente dos recursos», como, aliás, seria da natureza dos mercados.

Só que, no quadro de uma União Europeia profundamente assimétrica nos níveis de desenvolvimento económico e de poder político dos Estados-membros, as fusões (como, aliás, as aquisições) acentuarão os desequilíbrios e as desigualdades entre países e regiões, já por demais profundos, através de uma forçada «reestruturação» e «reorganização» dos tecidos económicos e empresariais.

Ao contrário do que são objectivos proclamados da União Europeia - «coesão social» e «convergência real das economias» -, uns países e regiões tenderão a ficar, cada vez mais, com as cadeias produtivas e serviços de elevado valor acrescentado e aos outros caberá o fornecimento de mão-de-obra barata, em casa ou fora de portas, actividades pouco intensivas em tecnologia e inovação, em geral associadas à fragilização dos sectores produtivos.

Tenderá a acentuar-se uma divisão europeia do trabalho que, como no argumentário que sustentava a criação da moeda única, o euro, destinará aos trabalhadores de uns países o papel de «Picassos» e, aos de outros, o papel de pintores da construção civil!

Mais uma vez, não são necessárias palavras para dizer quem vão ser os pintores da construção civil!

Srs. Deputados,

As consequências também são fáceis de identificar.

Para lá do estabelecimento formal da garantia de respeito pelos direitos dos trabalhadores, as fusões podem pôr em causa um primeiro e fundamental direito: o direito ao trabalho no seu país! Porque, contrariamente ao que se diz no preâmbulo, as fusões não conviverão «em harmonia com os propósitos de crescimento do emprego».

Não! O resultado líquido será, em geral, destruição de emprego, produção de desemprego! As fusões poderão, igualmente, dar cobertura a deslocalizações de unidades produtivas ou a transferência dos centros de decisão para o estrangeiro, como podem agravar a, já hoje presente, concorrência desleal entre empresas localizadas em países da União Europeia com vantagens competitivas muito diferenciadas em matéria fiscal, de energia ou de benefícios estatais.

Ora, a proposta de lei não estabelece salvaguardas nem mecanismos preventivos relativamente a possíveis consequências negativas para os países com economias mais débeis.

Consequências que podem ser mais graves para zonas fronteiriças, acelerando processos em curso de desertificação económica e humana, como pode suceder - está a suceder e vai agravar-se - na raia transmontana, beirã ou alentejana!

Igualmente nada se estabelece relativamente à possibilidade de um Estado querer impedir ou opor-se, com base em fundamentação adequada, à fusão de unidades empresariais que considere de relevante interesse nacional, por pertencerem a sectores estratégicos ou serem vectores de defesa da soberania nacional, caso da energia, da água ou do equipamento militar, entre outros.

Todas estas possíveis consequências podem assumir particular gravidade no quadro de uma crise económica como a que vivemos e para um país como Portugal, com os elevados níveis de endividamento das suas empresas e com os elevados níveis do seu próprio endividamento externo.

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