Intervenção de Agostinho Lopes na Assembleia de República

Fundo de Pensões - Mais uma negociata entre o governo e os banqueiros

«O Conselho de Ministros aprovou um diploma que define as condições de transferência para o âmbito da Segurança Social dos reformados e pensionistas que em 31 de Dezembro de 2011 se encontram no regime de segurança substitutivo do sector bancário, prevendo-se a transmissão para a Segurança Social das responsabilidades pelos encargos com as pensões de reforma e sobrevivência. Para pagamento das responsabilidades assumidas pela Segurança Social, são transmitidos para o Estado activos dos fundos de pensões em causa, de acordo com os prazos e valores definidos no âmbito do processo de audição que envolveu o Governo, a Associação Portuguesa de Bancos e as instituições de crédito.»

Foi assim que o Comunicado do Conselho de Ministros de sexta-feira, 2 de Dezembro, informou de um negócio extraordinário, onde todos ganham, como o ministro das Finanças teve ocasião de afirmar no encerramento do debate do Orçamento do Estado para 2012.

Isto é, andava a Banca sem saber o que fazer a um stock de activos / capital que para lá tinha arrumado a um canto, quando o Governo, que precisava de uns trocados para acertar o défice orçamental de 2011, posto em causa por desvio anormal (BPN? Madeira?), se lembrou do negócio.

De facto, a decisão do governo de integrar nas suas Contas, uma parte (cerca de 6 mil milhões de euros), dos fundos de pensões da banca - a parte referente aos compromissos assumidos com o pagamento das reformas aos actuais reformados -, obedece a uma imposição inscrita no Pacto de Agressão assumido com a UE e o FMI, de redução do défice das contas públicas para 5,9% no final de 2011.Mas converge claramente com os interesses dos banqueiros, que há muito procuram libertar-se dos compromissos assumidos no âmbito dos fundos de pensões, nomeadamente o pagamento das reformas.

Diga-se, é um filme velho e revelho. Desde 2003 que os governos do PS e PSD, com ou sem o CDS, têm vindo a utilizar os fundos de pensões - dos CTT; da CGD; da NAV; da ANA.O ano passado, o Governo PS/Sócrates, o da PT. Um valor global de mais de 7.800 milhões de euros - com o único objectivo de tapar buracos do Orçamento do Estado e reduzir o défice orçamental.

Receitas extraordinárias, que na oposição sempre dizem não irão utilizar. Que depois utilizam, dizendo sempre que é a última vez! Algum dia será…
Bem se pode dizer que uns, os banqueiros, contribuem para abrir os “buracos” no Orçamento e aumentar o défice das contas públicas e ainda são apoiados com os dinheiros públicos. Outros, os trabalhadores e reformados, tapam os buracos e ainda por cima são penalizados através do corte de rendimentos e direitos e do agravamento dos seus impostos. Em síntese, de como os bancários salvam os banqueiros!

Tudo indica que dos cerca de 6 mil milhões de euros, perto de 50% serão contabilizados como receita extraordinária do Estado e o resto servirá para pagar dívida pública aos bancos, pelo que esta verba só não entrará onde deveria entrar, ou seja nas contas da Segurança Social.

Afinal uma parte significativa do dinheiro sai dos fundos de pensões para voltar a entrar nos próprios bancos. Este é de facto mais um grande negócio para os banqueiros, apesar das suas reclamações. E para que não se sintam abandonados, lá estão os 12 mil milhões da recapitalização da Troika para algum conforto.

Os banqueiros, que sempre geriram os activos dos fundos de pensões a seu belo prazer, sem grande fiscalização diga-se, por parte do Instituto de Seguros de Portugal, conseguem agora, numa altura em que os activos que constituem os fundos estão claramente desvalorizados (fala-se numa desvalorização de mais de 30%), passar para o regime geral de Segurança Social os compromissos assumidos com os reformados da banca para mais umas dezenas de anos e simultaneamente, livram-se de uma parte da divida pública que tinham adquirido e sobre a qual tinham especulado.

2. A operação Governo/Banca instala uma bomba relógio na Segurança Social

Desta forma teremos a Segurança Social com a responsabilidade de reformas a partir do próximo dia 1 de Janeiro – em 2010 o valor destas reformas totalizou mais de 500 milhões de euros -, mas nem um só euro dos fundos a transferir entrará nas contas da Segurança Social. Esta é mais uma operação de descapitalização da Segurança Social, cujas consequências não deixarão de ser utilizadas no futuro para justificar mais medidas restritivas nos apoios sociais e alteração á legislação. No valor das pensões, na idade da reforma.

Situação que se irá agravar pela possível insuficiência dos activos transferidos. Pela transferência de activos a valores nominais e não de mercado. Por cálculos acturiais realizados na base de pressupostos – tábua de mortalidade e taxa de desconto – favoráveis às pretensões da banca. Pela dificuldade do Estado, no quadro da crise económica que tudo indica que vai ser prolongada, em repor nos fundos da segurança Social, activos agora canalizados para outros destinos.

Estamos perante o previsível efeito de uma bomba relógio que é introduzida no regime geral de Segurança Social, que pode deixar um rasto de problemas com sérias consequências na sua sustentabilidade financeira, afectando assim todos os reformados: sejam os actuais e futuros da banca, sejam todos os outros trabalhadores que já estão ou venham a integrar o regime geral.

3.Uma operação de altíssimo risco para os trabalhadores bancários, reformados e no activo
Acresce que, como é sabido, uma parte das responsabilidades irá permanecer nos fundos de pensões. Desconhece-se como será garantido no futuro (na componente que continua na posse da banca) o pagamento das prestações sociais a todos os bancários, incluindo alguns compromissos com reformados e familiares que não passam para a Segurança Social.

Nomeadamente, quem paga a diferença entre o valor da reforma atribuida pela Segurança Social e o valor que resulta dos aumentos decididos no âmbito da contratação colectiva dos bancários.

As dúvidas crescem, quando se sabe que nos activos que ficam nos fundos de pensões nos Bancos, há muito lixo tóxico e nenhuma garantia de que os bancos os actualizem de acordo com os compromissos assumidos.

Por outro lado, é absolutamente inaceitável, que o Governo tenha consolidado o negócio com a Banca, em diploma oficial, sem o envolvimento e acordo dos trabalhadores e sindicatos.

Banca e Governo tratam dos Fundos de Pensão como se tratasse de dinheiro seu, e não fossem os fundos constituídos com descontos dos trabalhadores. Não houve que se saiba uma só reunião de trabalhadores bancários para debater o problema. As estruturas sindicais negam a existência de qualquer acordo tripartido, ou mesmo, que tenham, até ontem, um documento do Governo a informá-las de pressupostos e condições do negócio.

Na actual situação, em que o poder político está submetido aos interesses do poder económico, a única certeza que os trabalhadores e reformados da banca podem ter, é a de que a transferência dos fundos será sempre realizada sem nenhuma garantia de manutenção dos direitos adquiridos e à custa da fragilização da sustentabilidade financeira da Segurança Social e quem sairá beneficiado do negócio será o elo mais forte, os banqueiros.

4.A necessidade do integral esclarecimento do negócio

Os fundos de pensões da banca constituem um património autónomo, exclusivamente afecto à realização de um ou mais planos de pensões. A constituição desses fundos resultaram de um processo negocial entre bancos e sindicatos, com os regulamentos desses fundos a serem incluídos nos vários instrumentos de contratação colectiva existentes, pelo que qualquer decisão que não respeite a vontade dos trabalhadores que têm muito dinheiro seu nos fundos de pensões, é ilegal.

A falta de transparência em todo o processo de negociações é sintomático de uma postura de quem não está de consciência tranquila em relação ao que está a fazer ao país e aos trabalhadores.

O PCP tudo fará para que o governo esclarece todos os pormenores do negócio. O governo tem de dar conhecimento de quais os valores envolvidos, como foram actualizados os fundos de acordo com os compromissos assumidos com os reformados da banca, bem como dos modelos actuariais, nomeadamente a tabela de mortalidade e da taxa de desconto. O governo deve informar dos impactos negativos e a dimensão dos riscos para o sistema público da Segurança Social. Ou seja das consequências do negócio para a sua sustentabilidade futura.

Estas são razões mais que suficientes para que o PCP se oponha a mais esta negociata entre o governo e os banqueiros. E não deixará de a combater por todo os meios ao seu alcance, Exigirá o seu escrutínio nesta Assembleia da República com a presença dos necessários membros do governo e a possível chamada do decreto-lei a apreciação parlamentar.

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