(projetos de lei n.os 204/XII/1.ª e 155/XII/1.ª e projetos de resolução n.os 247/XII/1.ª e 266/XII/1.ª)
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Recentemente, foi realizado um concurso nas escolas de uma autarquia na Região Metropolitana de Lisboa em que os estudantes foram convidados a escolher uma frase para integrar o cartão de boas-festas e a frase mais votada por todos os alunos foi «comida para todos». Não foi por acaso que a frase mais escolhida não foi «brinquedos para todos», mas sim
«comida para todos». Isto assim é porque a realidade dramática com que milhares de famílias estão confrontadas é a da fome.
Eu, que nasci depois do 25 de abril, ouvi sempre da parte da minha avó a conversa da fome no tempo do fascismo, e é arrepiante, hoje, no século XXI, em pleno regime democrático, falarmos da agudização da pobreza e dos fenómenos da fome, que é cada vez mais crescente entre as famílias, designadamente entre as crianças e os idosos.
Assim é, desde logo, porque os 400 000 trabalhadores que auferem o salário mínimo nacional vivem abaixo do limiar da pobreza — o limiar da pobreza está hoje nos 434 € e o salário mínimo nacional, depois dos descontos feitos, é de 432 €.
É assim também porque os filhos de um casal que aufira o salário mínimo nacional não têm acesso à ação social escolar e, por isso, não têm apoio para as suas refeições, para o transporte e para os manuais escolares.
O agravamento do desemprego e da precariedade, o encerramento de milhares de empresas, a situação desastrosa e muito grave que vemos aparecer de novo de milhares e milhares de pessoas com salários em atraso, os milhares de pessoas que auferem um salário abaixo do salário mínimo nacional, a realidade cruel dos cortes nas prestações sociais, quando são sobretudo as mulheres e as crianças que auferem estes rendimentos, conduzem à situação dramática de milhares de famílias que não ganham para esticar os rendimentos ate ao fim do mês para conseguirem pagar as suas despesas, incluindo a alimentação.
Portanto, o que temos, hoje, é uma realidade muito grave de agudização da pobreza e de alastramento da fome, designadamente entre as crianças.
É, hoje, mais do que conhecida a situação de muitas crianças que chegam à escola sem terem comido nada e é também conhecido por muitos daqueles que lidam com crianças que a única refeição que as crianças fazem na escola é o almoço, sendo também a única que fazem até chegarem à escola no outro dia de manhã.
São muitos os professores e os pais que denunciam esta situação.
Por isso, entendemos que muitas escolas, num esforço empenhado, tentam, de acordo com as suas possibilidades, dar resposta a este problema. De forma até muito criativa, os professores tentam que o pão que sobra do almoço possa servir para o pequeno-almoço do dia seguinte. Mas é preciso ir mais longe. Por isso, naturalmente, acompanhamos os projetos de lei em discussão no sentido de responsabilizar o Governo por uma resposta imediata para este problema.
Não podemos deixar de reconhecer que aqueles que hoje assinalam o aprofundamento da pobreza e a agudização dos problemas da fome são também os responsáveis pelo corte de mais 800 000 abonos de família. PS, PSD e CDS-PP votaram pelo não aumento do salário mínimo nacional e, por isso, hoje, não podem lamentar a situação quando tiveram possibilidade de a evitar.
Por isso, entendemos que medidas deste tipo podem ser um contributo importante para uma resposta imediata, mas o caminho de erradicação da pobreza não se fará enquanto não se combater o desemprego, enquanto não se combater a precariedade e enquanto não se combaterem os salários de miséria e não tivermos um País que, cumprindo a Constituição, trabalha para uma mais justa distribuição da riqueza.