Intervenção de

Fiscalização das obras públicas - Intervenção de José Soeiros na AR

Declaração
política sobre a necessidade de o Estado fiscalizar com eficácia,
técnica e financeiramente, as obras públicas, sobretudo as que são da
responsabilidade de empresas por ele tutelados
 

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados: Foi
sobre obras públicas que o Grupo Parlamentar do PCP decidiu falar neste
período de antes da ordem do dia, obras públicas que, umas vezes por
boas, outras vezes por más razões, abrem com frequência os telejornais,
os noticiários radiofónicosou são notícia de primeira página da imprensa escrita. Boas
razões quando se trata de anunciar ao País que esta ou aquela
infra-estrutura, este ou aquele equipamento, vai finalmente iniciar-se
ou ficou finalmente concluído e colocado ao serviço da comunidade,
contribuindo assim para a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos e
para o tão desejado desenvolvimento.Porque
esta é a razão de ser deste importantíssimo sector de actividade, que
absorve vultosas verbas do erário público, sustenta um importante
sector empresarial nacional e contribui para a sustentação de um muito
elevado número de empregos, estou certo de que todos aplaudimos e nos
congratulamos quando são estas as razões pelas quais as obras públicas
são notícia. Más
razões quando se trata de informar o País de que a auditoria do
Tribunal de Contas a este ou àquele empreendimento, a esta ou àquela
obra, dá conta de mais uma derrapagem financeira mal justificada, de
que o prazo para a sua conclusão nos lembra, irremediável e
tristemente, as famosas «obras de Santa Engrácia», ou que as
irregularidades mais diversas se repetem, mais uma vez, sem que se
verifique a intervenção indispensável para lhes pôr cobro. Pior
ainda quando o motivo da notícia é o de confrontar o País com este ou
aquele acidente, do qual resultam avultados prejuízos materiais, quando
não a perda de vidas humanas. Acidentes resultantes de incúria, de
incumprimento, adulteração ou má execução dos projectos, da má
qualidade da obra realizada ou dos maus materiais utilizados, da falta
ou da deficiente fiscalização ou da não intervenção dos decisores,
sejam eles administradores ou responsáveis políticos, que, alertados
atempadamente para as situações, «assobiam para o ar» e prosseguem
alegremente indiferentes até ao momento do desastre, mais preocupados
em encontrar explicações e cobertura para o que possa estar errado do
que em averiguar eventuais erros, apurar responsabilidades pelos mesmos
e tomar as medidas preventivas que evitem o pior. A
juntar a isto, temos ainda as notícias que, porque demasiado frequentes
e, infelizmente, demasiadas vezes com fundamento, levantam situações
que acabam por gerar na opinião pública o sentimento de que tudo o que
é obra pública é,  inevitavelmente, campo de satisfação para clientelas ou palco de favores políticos,de
falta de transparência ou de irregularidades pelas quais nunca há
responsáveis ou, quando os há, tudo morre na mais tranquila das
impunidades. Estou
convicto de que também estareis de acordo sobre a necessidade de todos
contribuirmos para que sejam cada vez menos estas as notícias sobre
obras públicas que animam a nossa comunicação social. Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:  É
porque não nos conformamos com este estado de coisas que o Grupo
Parlamentar do PCP irá solicitar um conjunto de reuniões com entidades
que têm intervenção no sector
das obras públicas, de que destaco o Tribunal de Contas, o Laboratório
Nacional de Engenharia Civil, o Gabinete de Gestão de Obras de Arte,
por forma a aprofundar o conhecimento que já temos sobre a matéria e,
na sequência desse trabalho, podermos trazer à Assembleia da República
as propostas que consideremos
mais adequadas para que, desde os decisores políticos às administrações
e gestores, passando pelas empresas que as projectam, constroem e
fiscalizam, até a todos aqueles que nelas trabalham, todos assumam as
suas responsabilidades e possam contribuir para elevar a qualidade, a
eficácia e a transparência
do investimento público, por forma a dar às obras públicas a sua
verdadeira e positiva dimensão ao serviço da melhoria da qualidade de
vida do povo e do desenvolvimento e progresso do País. A
Assembleia da República não pode ficar indiferente a situações como as
três de que vou falar e que chegaram ultimamente ao nosso conhecimento. A
primeira tem a ver com a velha ponte que liga Constância Sul à Praia do
Ribatejo e que constitui um bom exemplo quanto à forma como continuam a
ser geridas as pontes e outras obras de arte em Portugal. O
relatório feito pelo Instituto de Estradas de Portugal deu como maus
todos os indicadores a que foi sujeita a avaliação desta ponte e os
municípios servidos pela mesma afirmaram, desde logo, não ter condições
para assegurar as reparações apontadas. Há
muito que se aguarda uma nova ponte mas, neste momento, o que está a
passar-se não pode deixar de merecer inquietação, porque o que se
pretende é aumentar ainda mais a carga do tráfego, fazendo passar pela
velha ponte os resíduos públicos destinados aos CIRVER existentes no
concelho da Chamusca. Pensamos
que a nova inspecção (que deveria ter tido lugar em Março de 2006, mas
que ainda não se verificou) deve ser feita com urgência e, ainda, que é
importante chamar a atenção do Governo para a necessidade de dotar as
instituições vocacionadas para a inspecção e gestão das cerca de 6000
obras de arte de que o País dispõe dos meios técnicos e financeiros de
que carecem para dar cumprimento cabal às tarefas que os decisores
políticos lhes atribuem. A não ser que fiquemos a aguardar por uma nova
tragédia, como a verificada em Entre-os-Rios e cujo julgamento está a
decorrer, para então voltarmos a falar deste problema e a apontar
medidas que deviam estar a ser implementadas, e que não estão. O
segundo exemplo tem a ver com as obras do bloco de rega 12 do
Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva e a resposta que o Governo
nos deu, em virtude do requerimento que lhe dirigimos, que fala por si:
uma obra que deveria ter custado qualquer coisa como 25 milhões de
euros, passou a custar mais 18 milhões. Uma
«derrapagenzinha» superior, em muito, a 70% em obras a mais, em verbas
pagas ao empreiteiro e — mais grave — em reparações, porque, segundo a
inspecção do LNEC, a obra foi mal executada e os materiais não
correspondem aos que estava previsto serem aplicados. Essas reparações
custaram mais 600 000 contos — e foi o Estado que as pagou! Como se não
bastasse, a conduta de água sob pressão rebenta por todos os lados,
tendo sido decidido mudá-la, até Fevereiro de 2006. Hoje, continuamos a
aguardar que seja mudado o primeiro metro daquela conduta. Estas são verbas do Estado e não podem ser geridas desta forma! 


outra questão que não posso de deixar de trazer a esta Assembleia e que
tem a ver com um problema que ainda hoje foi motivo de uma audição da
Comissão de Obras Públicas, Transportes e Comunicações: o Metro de
Lisboa e as linhas da Baixa.

 Srs. Deputados, tenho aqui, em meu poder, aquilo a que têm chamado betão poroso.  (Neste momento, o Orador exibe um frasco contendo a amostra que referiu.) Srs.
Deputados, desafio qualquer um dos presentes nesta Casa a vir aqui ver
esta amostra colhida no Metropolitano de Lisboa, na Baixa, e dizer se
encontra um grama, ou melhor, um miligrama de cimento. O que está aqui
é brita, vulgarmente chamada cascalho. É isto que está aqui, neste
frasco. Ora,
é isto que dizem estar aplicado em todas as linhas construídas com a
tuneladora de Lisboa, ou seja, Baixa/Chiado-Cais do Sodré e Terreiro do
Paço-Santa Apolónia. O que estava previsto no projecto era betão tipo
B-15, mas, segundo as telas finais, foi aplicado betão poroso. No
entanto, o que lá está é isto que tenho aqui, neste frasco. Qualquer
pedreiro, qualquer ajudante de pedreiro, chamemos aqui cem, duzentas, um milhão de pessoas, todos dirão o mesmo! O que aqui está é brita, é cascalho, sem cimento!! Ora,
se as questões de segurança, que são as fundamentais, estão
asseguradas, segundo diz o LNEC, não está, entretanto assegurado o
apuramento das responsabilidades sobre o que terá sido pago por aquilo
que deveria ter sido colocado em vez deste cascalho. É que o cascalho tem um preço e o betão poroso tem outro! Por
isso, não podemos deixar de chamar a atenção para alguns aspectos que
consideramos graves neste processo e que exigem do Governo uma
intervenção rápida para credibilizar a sua própria acção no mesmo. Quando
a Sr.ª Secretária de Estado dos Transportes recebeu o documento
entregue pelo Sr. Eng.º Carvalho dos Santos ao Governo e enviada à
Comissão de Obras Públicas, Transportes e Comunicações determinou,
segundo ela própria nos disse, que, a partir de Janeiro, o Metro
deveria recorrer ao LNEC para averiguar da veracidade, da autenticidade
daquilo que referia o Eng.º Carvalho dos Santos noseu
relatório. A verdade é que o LNEC não foi solicitado, conforme nos foi
dito ontem na Comissão de Obras Públicas, Transportes e Comunicações,
para fazer a análise à composição deste material nem para verificar se
as caixas de drenagem, que podem originar uma situação que é preciso
evitar, estão, ou não, furadas. Ora, isto foi determinado pela Sr.ª
Secretária de Estado e não foi cumprido pela Administração do Metro de Lisboa. O
Governo vai ficar de «braços cruzados» ou vai investigar esta situação
e decidir imediatamente que o LNEC vá ao Metro averiguar o que lá está
para que esta Casa possa informar o País do que efectivamente foi feito
naquela obra?  (…)  Sr. Presidente, gostaria de agradecer aos Srs. Deputados Luís Rodriguese
Miguel Coelho as perguntas que me colocaram e que me dão a oportunidade
de dizer algo mais, porque o tempo é sempre limitado nestas matérias. Em primeiro lugar, gostaria que me dissessem se isto que aqui está é cascalho ou betão poroso…   (Neste momento, o Orador exibe de novo um frasco contendo a amostra que referiu.) Ora, ainda nada ouvi sobre esta matéria. Penso que deviam ouvir com atenção o que eu disse. Em
segundo lugar, a Sr.ª Secretária de Estado deu instruções — para não
dizer que determinou, porque é o que lá está escrito — à Administração
do Metro que recorresse ao Laboratório Nacional de Engenharia Civil
para indagar das questões levantadas no memorando do Sr. Eng.º Carvalho
dos Santos. A verdade é que o LNEC só faz o que lhe pedem e não lhe foi pedido aquilo que a Sr.ª Secretária de Estado determinou. Isso é que é grave!! O que pretende a Administração do Metro ao fugir àquilo que a Sr.ª Secretária de Estado determinou? Este é o problema de fundo! O
LNEC disse ontem, perante a Comissão de Obras Públicas, que fez o que
lhe pediram e que o que lhe pediram foi que determinasse a qualidade
mecânica do chamado betão poroso, como consta do projecto. Recomendo-lhes
a leitura dos relatórios do LNEC, visto que neles não encontrarão, por
uma única vez, a afirmação de que foi feita uma análise efectiva para
determinar as condições daquela matéria-prima que foi lá aplicada e
que, repito, está dada como cascalho! Façam-se, porém, as análises que
foram solicitadas e, então, discutiremos este assunto nesta Câmara,
verificando quem tinha razão e pedindo contas a quem tivermos de pedir. Penso que este é que é o caminho a seguir e não o de procurar «embrulhar» questões distintas! Reparem
que não foram agora colocadas questões de segurança. A única questão
levantada diz respeito à aplicabilidade de um material que custa 5
contos/m3 e que, sendo verdade o que consta da folha das obras, foi
pago, pelo menos, a 20 contos/m3!! Há aqui uma diferença que é preciso explicar, porque este é dinheiro do povo e do País. Ora,
não podemos ficar indiferentes a esta questão, escondendo tudo isto em
nome de uma hipotética segurança, sobretudo quando, como foi aqui
sublinhado, o LNEC e o Governo assumem a responsabilidade. Todavia,
para dar cumprimento ao que a Sr.ª Secretária de Estado determinou
junto do Conselho de Administração do Metro tem de ser verificado de
imediato se as caixas de drenagem estão ou não furadas, porque, de
acordo com o projecto, deviam estar, se bem que um engenheiro diga que
não estão. Faça-se isso, que não custa muito! Basta ver em que condição
elas estão! ão diga isso! O LNEC não o disse nem o confirmou! Aquilo
que o LNEC disse em Comissão foi que não tinha sido solicitada qualquer
averiguação a essas caixas!! É isto que está gravado e que qualquer Sr.
Deputado pode consultar para confirmar! O
LNEC não mentiu! O que o LNEC disse foi que não lhe pediram para ir ver
se as caixas estavam ou não furadas, o que é grave! Com isto é que o
Sr. Deputado Miguel Coelho devia estar preocupado, porque as instruções
do Governo não são cumpridas por uma administração que está sob a sua
tutela. Ainda
por cima quando a situação, como todos reconhecemos, é grave e exigiu —
e bem! — que a Comissão de Obras Públicas se disponibilizasse para lá
ir e que o Governo interviesse de imediato. O que pedimos, portanto, é que o Governo assuma uma posição e faça cumprir aquilo que a Sr.ª Secretária de
Estado determinou, porque, se não o fizer, a dúvida permanecerá e nós
não queremos que isso aconteça. Na verdade, também defendemos o bom
nome das empresas que trabalham neste país com honestidade e seriedade
e que, naturalmente, não podem ser todas «metidas no mesmo saco», como
se se tratasse
de um «bando» de foragidos! Não pode ser!! Deste modo, quando há
responsabilidades, apuramse, porque a coisa pública tem de ser gerida
com transparência! Se estamos todos de acordo, vamos, então, fazer as averiguações que a situação exige!

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