Intervenção de António Filipe na Assembleia de República

Financiamento das iniciativas de apoio e reconstrução na Região Autónoma da Madeira

Fixa os meios que asseguram o financiamento das iniciativas de apoio e reconstrução na Região Autónoma da Madeira na sequência da intempérie de Fevereiro de 2010 (proposta de lei n.º 24/XI-1.ª)

Sr. Presidente,
Srs. Deputados,
Srs. Membros do Governo:
Desde as primeiras horas da tragédia que assolou a Madeira no passado dia 20 de Fevereiro que o PCP afirmou o seu empenhamento em que o Estado português assumisse como absoluta prioridade dar todo o apoio necessário a essa região, para socorrer as populações afectadas, para promover prontamente a reconstrução das infraestruturas destruídas ou danificadas e para colmatar os prejuízos sofridos por instituições públicas e privadas, por empresas e por particulares.
Dar todo apoio para que a Região Autónoma da Madeira retome a normalidade da vida é um imperativo nacional de que ninguém se pode eximir. Por isso, o PCP defendeu, na devida altura, a declaração de estado de calamidade pública na região e lamenta que essa decisão não tenha sido tomada pelas autoridades competentes. Também por isso o PCP propôs, aquando da discussão do Orçamento do Estado para 2010, a consagração dos meios legais e financeiros para o apoio à reconstrução da Madeira.
Como situação excepcional, a catástrofe da Madeira exige meios excepcionais de resposta e, por isso, adoptar meios legais excepcionais de apoio financeiro à Região Autónoma da Madeira nas actuais circunstâncias é algo que conta com o nosso apoio de princípio. Porém, a proposta de lei que o Governo agora apresenta suscita dúvidas que não estão esclarecidas e que não podem ser ignoradas neste debate.
Infelizmente, a apresentação tardia da proposta de lei não permitiu esclarecer atempadamente o alcance preciso de alguns aspectos que são propostos.
Desde logo, a proposta de lei assenta num relatório elaborado por uma comissão paritária de
representantes do Governo e do Governo Regional e seria elementar que esta Assembleia tivesse acesso a esse relatório antes de debater a proposta de lei, mas o facto é que não teve.
Por outro lado, esta proposta de lei tem como pressuposto a suspensão da aplicação da lei das finanças regionais de 2010 e a reposição da vigência da lei de 2007 e não se vislumbra a razão de ser desta reposição.
Diz a exposição de motivos que a manutenção em vigor da lei de 2010 perturbaria a integral aplicação da lei de financiamento extraordinário. Perguntamos: então e a reposição da lei de 2007 não perturba essa aplicação?
Mais ainda: a proposta de lei suspende a lei das finanças regionais. Perguntamos: só para a Madeira ou também para os Açores? A proposta não clarifica esse ponto e, se nada se disser, a suspensão opera em ambas as regiões. Ora, nos Açores não se conhecem outros prejuízos que não sejam os que decorrem da má governação.
Quanto ao conteúdo da proposta de lei, importa clarificar ainda outras questões relevantes.
A comparticipação do Governo por via do Orçamento do Estado, em 50 milhões de euros para 2010, acresce ao Orçamento do Estado ou substitui a dotação que aí foi prevista?
O Fundo de Coesão, que é reforçado em 265 milhões de euros através da reprogramação de programas operacionais, não é seguramente o fundo de coesão para as regiões ultraperiféricas a que se refere a lei das finanças regionais. Mas nada se esclarece quanto à aplicação de um ou de outro.
Nada se esclarece quanto ao financiamento através do Banco Europeu de Investimentos, não ficando claro quem assume a responsabilidade pelo empréstimo que venha a ser contraído.
Não há uma estimativa que seja conhecida por esta Assembleia dos efeitos financeiros concretos que resultam da suspensão da lei das finanças regionais. Veja-se, por exemplo, o caso das receitas dos jogos sociais.
O risco que se corre é que, a pretexto do apoio à reconstrução da Madeira, se venham a tornar menos transparentes os mecanismos de financiamento da região, aumentando a discricionariedade governativa nessa matéria, o que é tanto mais grave porquanto a aplicação desses financiamentos passará a ser feita na base de mecanismos de excepção em matéria de ajustes directos e de expropriações.
O financiamento da reconstrução da Madeira deve ser efectivo, deve ser demonstrativo da solidariedade nacional, mas não deve prescindir de mecanismos de transparência e de fiscalização democrática.
Esperemos que a discussão na especialidade permita alcançar estes objectivos que são, para nós,
essenciais.
(…)
Sr. Presidente,
É apenas para dar conta, porque isso tem a ver com os nossos trabalhos, de que iniciámos este debate com a convicção de que a suspensão, proposta, da lei de finanças regionais dizia unicamente respeito à Madeira. Por uma razão simples: só na Madeira é que houve estas intempéries e só a Madeira é que tem de ser construída.
Ficámos, agora, a perceber, dada a confirmação do Governo, que assim não é, o que nos leva a crer que, para quem acordou os termos desta proposta de lei, a governação do Dr. Carlos César está para os Açores como as intempéries estão para a Madeira!

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