Intervenção de

Farmácias hospitalares do SNS - Intervenção de Bernardino Soares na AR

Regime de dispensa de medicamentos ao público pelas farmácias hospitalares do SNS

 

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:

Discutimos hoje, mais uma vez, o tema das farmácias hospitalares, não sendo de menos salientar a importância destas farmácias no bom desempenho do nosso Serviço Nacional de Saúde, bem como a necessidade de elas se modernizarem - como, nos últimos anos, aconteceu com muitas nos nossos hospitais, aproveitando até fundos europeus - para poderem melhor organizar a área dos medicamentos nos hospitais, com evidentes ganhos a nível da boa gestão dos medicamentos e também a nível dos custos que estes têm na despesa dos hospitais. É evidente que esta matéria não pode estar desligada das questões relativas aos direitos dos utentes e ao seu tratamento.

Este projecto de lei do Bloco de Esquerda é positivo e vem no sentido do que temos vindo a defender - quero, desde já, salientar isto e penso que não é surpresa. Aliás, em vários momentos, incluindo em discussões de orçamentos do Estado, apresentámos uma proposta um pouco diferente, que tinha a ver não só com a existência de farmácias públicas, com atendimento ao público, tal qual como propõe o Bloco de Esquerda, mas também com a possibilidade de essas farmácias poderem dispensar os medicamentos a um preço mais barato do que o preço comercial. Porquê? Porque num hospital a compra dos medicamentos é feita por concurso público, e este Governo tem até agregado alguns hospitais de forma a obter economias de escala nos concursos públicos lançados e, portanto, preços mais baratos para o conjunto dos medicamentos. Ora, isto significa que, para muitos medicamentos, o preço obtido no âmbito de um concurso público é até inferior ao preço que o Estado paga de comparticipação numa farmácia privada.

Por exemplo, um medicamento que seja comparticipado em 70% - agora já não é essa a percentagem, porque o Governo baixou as comparticipações; agora julgo que é de 69% - pode ser mais barato na compra por concurso público, porque, obviamente, os preços aí são mais reduzidos, uma vez que as empresas, pela concorrência que existe, optam por apresentar preços muito mais baixos do que os preços de venda ao público.

Isto quer dizer que se o hospital, em vez de dar a um utente que vá à sua urgência ou à sua consulta externa uma receita para ir comprar a uma farmácia privada, lhe der uma receita para ir comprar o medicamento à farmácia pública hospitalar, na maior parte dos casos este preço será mais baixo para o utente. E o Estado também poupará, porque, pagando apenas o preço do concurso público na compra de cada embalagem do medicamento, paga menos do que a comparticipação que tem de suportar ao nível da farmácia privada.

Alguns perguntarão: mas se esta proposta é boa para os utentes, é boa para o Serviço Nacional de Saúde e até é boa para o controlo do défice, porque é que os governos não a aceitam? Porque esta proposta é má para os interesses privados do sector do medicamento!

E, quando toca a afectar os interesses privados do sector do medicamento, os governos e as respectivas maiorias, que vão mudando de posição conforme estão na maioria ou na oposição, já não admitem qualquer abertura.

E o que acontece, neste caso, com a política do Governo é exactamente isto. O compromisso de o Governo aceitar que as farmácias dos hospitais sejam privatizadas - é disto que se trata - é uma moeda de troca, evidentemente, para acalmar a Associação Nacional de Farmácias em matéria de liberalização da propriedade das farmácias, tal como é também uma moeda de troca a possibilidade aberta por este Governo de os medicamentos que hoje são distribuídos em meio hospitalar - medicamentos para doenças como a SIDA e outras doenças crónicas e graves que, pela sua complexidade e pela complexidade dos seus tratamentos, devem ser apenas dispensados em farmácia hospitalar - serem introduzidos no circuito comercial, para já pagando uma taxa pelo acto farmacêutico da sua dispensa e ainda não um copagamento por parte do utente.

Aliás, o Governo ainda não explicou quanto é que é essa taxa que o Estado vai pagar às farmácias privadas para dispensarem esses medicamentos de complexidade acrescida. Esta é, portanto, outra moeda de troca para a questão da liberalização da propriedade das farmácias.

A política do Governo é esta: o Governo, a Sr.ª Deputada Maria Antónia Almeida Santos e a bancada do Partido Socialista dizem que há um preconceito dos que se opõem às farmácias privadas nos hospitais e que há uma grande dificuldade - a Sr.ª Deputada disse-o - em pedir agora às farmácias dos hospitais para deixarem de apenas fornecer o circuito interno e poderem também assegurar o fornecimento aos utentes que se dirijam ao Serviço Nacional de Saúde. Isto causa ao Partido Socialista uma grande confusão, mas já não lhe causa qualquer confusão introduzir num hospital público, de novo e sem qualquer antecedente, toda uma estrutura privada, que ali vai ser implantada com o beneplácito e por proposta do Governo!

Para o Partido Socialista não é complexo introduzir uma farmácia privada dentro de um hospital público para servir os utentes que vão aos serviços do hospital público e que, depois, se dirigem à farmácia privada que está dentro do hospital público; só tem complexidade melhorar e aprofundar a capacidade da farmácia hospitalar, que já está dentro do hospital, que é gerida pela direcção do hospital e que tem todas as condições para poder ser melhorada e cumprir uma função mais importante ainda do que aquela que hoje cumpre.

Trata-se, portanto, de uma aberração esta política do Governo, que consiste em entregar um negócio chorudo ao sector das farmácias. É por isto, e só por isto, que o Partido Socialista se opõe a qualquer desenvolvimento da função da farmácia hospitalar, como o Bloco de Esquerda hoje propõe com este projecto de lei e que o PCP também tem vindo a propor ao longo dos anos.

 

 

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