Intervenção de António Filipe na Assembleia de República

Exercício do direito constitucional de queixa ao Provedor de Justiça em matéria de defesa nacional e das Forças Armadas

Garante o exercício do direito constitucional de queixa ao Provedor de Justiça em matéria de defesa nacional e das Forças Armadas (Primeira alteração à Lei Orgânica n.º 1-B/2009, de 7 de
Julho, e revogação da Lei n.º 19/95, de 13 de Julho)
(projecto de lei n.º 159/XI-1.ª)

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Este projecto de lei que o PCP apresenta dá seguimento e acolhimento favorável a uma recomendação do Provedor de Justiça, formulada há muito pouco tempo, precisamente já neste ano de 2010 — a Recomendação n.º 1-B/2010.
Esta Recomendação do Sr. Provedor de Justiça tem a ver com aquilo que ele considera, e bem, que é a manifesta inconstitucionalidade da Lei de Defesa Nacional, na medida em que exige que, para que um cidadão militar possa apresentar uma queixa ao Provedor de Justiça, sejam esgotadas todas as vias hierárquicas de recurso possíveis.
Ora, isto contraria obviamente o disposto no artigo 23.º da Constituição da República Portuguesa, relativo ao Provedor de Justiça, que diz que «A actividade do Provedor de Justiça é independente dos meios graciosos e contenciosos previstos na Constituição e nas leis.» Ora, o que a Lei de Defesa Nacional faz é precisamente o contrário disto: é tornar o direito de queixa ao Provedor de Justiça dependente do esgotamento dos meios graciosos previstos na lei.
Por outro lado, o mesmo artigo 23.º, relativo ao Provedor de Justiça, refere-se aos «cidadãos», a todos os cidadãos, não excluindo qualquer cidadão do seu direito de queixa ao Provedor de Justiça.
Dir-se-á: mas os cidadãos militares têm um regime específico de restrições ao exercício de direitos, previsto no artigo 270.º da Constituição — e é verdade. Mas o que diz o artigo 270.º
da Constituição? Diz que a lei pode estabelecer restrições ao exercício dos direitos de expressão, reunião, manifestação, associação e petição colectiva, «na estrita medida das exigências próprias das respectivas funções» — sublinho, na estrita medida das exigências próprias das respectivas funções.
Ora, não se vislumbra onde é que a estrita medida das exigências próprias das respectivas funções dos militares podem levar a considerar legítimo retirar-lhes, pura e simplesmente, o direito de queixa ao Provedor de Justiça, nos mesmos termos em que os demais cidadãos o podem fazer.
Portanto, esta disposição da Lei de Defesa Nacional que introduz limitações ao direito de queixa dos militares ao Provedor de Justiça é manifestamente inconstitucional.
Concordamos plenamente com a posição do Provedor de Justiça nesta matéria e consideramos que a Assembleia da República faz bem em revogar essa disposição da Lei de Defesa Nacional, que não faz o mínimo sentido em face do Estatuto constitucional do Provedor de Justiça e dos próprios cidadãos militares.
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado José Miguel Medeiros,
Vou fazer uma breve citação do Diário da Assembleia da República sobre esta matéria, numa outra ocasião em que esta questão foi aqui debatida, e vou propor-lhe que tente adivinhar quem é que disse o que vou citar.
É o seguinte: «Não há assim, de acordo com o novo estatuto do Provedor de Justiça e no quadro
constitucional, quaisquer limitações ao exercício da sua acção, a não ser as que decorrem do texto constitucional e da Lei do Provedor de Justiça.
Deste modo, a disposição legal contida na Lei de Defesa Nacional, que restringe ao percurso hierárquico o direito de queixa para o Provedor de Justiça, é, a nosso ver, inconstitucional. (…) Não faz, aliás, sentido que haja qualquer restrição à acção interventora do Provedor, no âmbito militar, porquanto o artigo 270.º da Constituição é taxativamente expresso quanto aos limites de exercício dos direitos dos militares e não consagra este limite do direito de petição individual aos militares.»
E conclui: «Assim, esta lei, ao impor o recurso hierárquico, é condicionadora, mutiladora e castradora do direito de intervenção dos cidadãos e dos poderes de acção do Provedor de Justiça.»
Sabem quem é que disse isto, Srs. Deputados? Não fui eu nem foi ninguém do Bloco de Esquerda. Foi o Deputado Alberto Martins, actual Ministro da Justiça!
Tenham vergonha, Srs. Deputados!
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado José Miguel Medeiros,
Claro que eu não o ofendi, a não ser que o Sr. Deputado se sinta ofendido com uma citação de um camarada seu.
Mas esse é um problema vosso!
A questão é que o Sr. Deputado Alberto Martins, em 1995, falou exactamente sobre esta questão, falou exactamente sobre a disposição da Lei de Defesa Nacional que agora queremos revogar. E não somos só nós! Também é o Sr. Provedor de Justiça. Esta iniciativa não é uma bizarria dos partidos mais à esquerda deste Hemiciclo. Corresponde exactamente a uma recomendação legislativa feita pelo Provedor de Justiça que, obviamente, tem toda a legitimidade que lhe foi conferida por esta Assembleia para o exercício do cargo.
E o quadro constitucional a que se referia o Sr. Deputado Alberto Martins é exactamente o mesmo.
O que mudou aqui? O que mudou foi que o Partido Socialista na altura estava na oposição e agora está no Governo!
O Sr. Deputado pode dizer o que quiser, mas o que mudou foi exactamente isso: o Partido Socialista diz uma coisa quando está na oposição e diz o seu oposto quando está no Governo.
Diz o Sr. Deputado que não sabe por que razão estamos admirados. De facto, é verdade. Os senhores já nos deram vários precedentes destes, pelo que nem devíamos estar admirados. Mas estamos, e os portugueses também estão!
Para que os portugueses possam confiar nos titulares de cargos políticos é preciso que estes maus exemplos não sejam dados e é com a sua banalização, dizer hoje uma coisa e amanhã outra, que se vai descredibilizando a actividade política neste País.
É por isso que digo que os senhores deviam ter vergonha da posição que estão a assumir hoje.
A última questão que o Sr. Deputado colocou diz respeito ao Conselho Superior de Defesa Nacional e trata-se daquilo a que o nosso povo chama «desculpa de mau pagador». O Sr. Deputado sabe perfeitamente que esta questão foi discutida na Comissão de Defesa, que toda a gente concordou que era importante o parecer do Conselho Superior de Defesa Nacional desde que este entenda que o deve dar, porque, se o Conselho Superior de Defesa Nacional não se quiser pronunciar, os processos legislativos não podem parar!
Portanto, o que ficou acordado foi que o processo legislativo não se devia suster pelo facto de já ter sido solicitado o parecer ao Conselho Superior de Defesa Nacional, que isso não impediria a discussão e aprovação na generalidade dos diplomas e que, obviamente, seria dado todo o tempo para que o Conselho Superior de Defesa Nacional se pudesse pronunciar, querendo.
Obviamente, este órgão de soberania não pode ficar paralisado na sua actividade legislativa, caso o Conselho Superior de Defesa Nacional decida não se pronunciar sobre uma qualquer matéria. Ele tem de ter essa possibilidade.
Se os Srs. Deputados quiserem que o Conselho Superior se pronuncie, a única possibilidade que têm é a de aprovar, na generalidade, estes diplomas.
Nesse caso, o Conselho Superior pode pronunciar-se; se os Srs. Deputados rejeitarem estas iniciativas, estão também a recusar o direito de o Conselho Superior de Defesa Nacional se pronunciar sobre elas. Esta é a questão.

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