Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral

Evocação de Manuel Lopes


Saúdo todos os presentes. Saúdo os oradores, o Pedro Lopes, o Padre Constantino Alves, a Maria Emília, o Kalidás Barreto, o Manuel Carvalho da Silva. Saúdo a Voz do Operário, o Arménio Carlos e o Modesto Navarro que aqui a representam.

Nos tempos que correm, evocar o exemplo de militância sindical e de cidadão politicamente empenhado de Manuel Lopes, sempre ao lado dos trabalhadores e dos mais desfavorecidos, é também uma forma de intervenção no presente. E, a melhor forma de homenagearmos o seu multifacetado trajecto de vida e de militante, é empenharmo-nos na intervenção política e social, no quadro em que vivemos, com a combatividade e a persistência com que o Manuel Lopes o fazia, sempre que se encontrava perante as injustiças sociais e o afrontamento dos trabalhadores com o patronato na luta contra a exploração.

Com uma amizade alicerçada nas nossas causas comuns e nos 5 anos de mandato parlamentar, lembro-me de um episódio num tempo em que a chaga social dos salários em atraso grassava em centenas de empresas. Na Assembleia da República houve a informação da detenção de um deputado envolvido numa manifestação de trabalhadores nessa situação junto a S. Bento. Disse de imediato: só pode ser o Manuel Lopes! Quando regressou da polícia perguntei-lhe porque não se identificou como deputado. Tinha-se esquecido. Mas perguntou-me se isso resolvia o problema dos trabalhadores com salários em atraso, preferindo levar até ao fim a sua solidariedade com aqueles trabalhadores. 

A maioria existente na Assembleia da República não só não foi solidária como foi crítica em relação ao facto. Bem pouco se importou o Manuel Lopes. Do seu ponto de vista era mais brutal e ilegal o não pagamento dos salários a quem deles dependia para a sua vida do que a falta de formalização da manifestação. A questão volta a ter grande actualidade.

Ao longo da sua vida foi sempre um homem de grandes causas, destacando-se a profunda convicção com que se empenhou na defesa da liberdade e de uma sociedade mais justa, antes e depois do 25 de Abril, integrado no movimento sindical unitário e em aliança ou convergência com as forças políticas com os mesmos objectivos. Participante em organizações católicas como a JOC, no seu percurso de luta sindical e política, teve sempre um posicionamento e comportamento muito próprio, sem filiação partidária, à excepção de um curto período em que integrou o MES, mas de uma militância política intensa, no quadro do movimento sindical, integrado na CDE antes do 25 de Abril e integrando como independente proposto pelo PCP as listas para a Assembleia da República, onde foi deputado integrando o Grupo Parlamentar do PCP entre 1980 e 1985 e na Assembleia Municipal de Lisboa como deputado municipal da CDU, proposto pelo PCP, entre 1990 e a sua morte.
Subescrevia abaixo-assinados, intervinha em comícios e debates políticos, apoiava e integrava as candidaturas que entendia serem as melhores, mas mantinha esta característica que designava de independente. No entanto nunca confundia independência dos partidos com promiscuidade política, posicionou-se sempre com os trabalhadores, foi um aliado leal, sem abdicar de ser frontal, e colocou-se acima dos preconceitos anti-comunistas, seja no plano institucional, seja no plano da CGTP-IN.

Na CGTP-IN, destacou-se como um dos protagonistas na busca permanente da unidade interna, primeira condição para a unidade geral dos trabalhadores nas suas lutas, na construção de entendimentos entre as diferentes opções políticas e ideológicas e de opinião existentes no seu interior.

Assumia confrontos e a polémica com grande frontalidade e coragem em defesa das suas propostas, convicções e posições, lutava pelo que julgava certo até à exaustão, mas se as suas posições não vingavam, aceitava democraticamente as decisões do colectivo e não hesitava em dar o seu contributo para as pôr em prática. Tinha uma dimensão humana que lhe proporcionava amizades em todos os quadrantes políticos, mas esse facto não alterava as suas convicções fundamentais.

Homenagear Manuel Lopes hoje é prosseguir e intensificar a acção em torno de causas essenciais pelas quais lutou e cuja actualidade hoje se salienta.

Vivemos uma situação marcada pela profunda crise do capitalismo e as suas devastadoras consequências económicas e sociais, que mostra as contradições insanáveis e os limites históricos do sistema e comprova que o capitalismo não pode fechar as portas da história, que é necessário e possível um caminho novo e progressista para a humanidade. Vivemos uma situação particular da vida do nosso país em que se cruza o agravamento da crise do capitalismo com a falência de 33 anos de política de direita e as suas profundas consequências no plano económico, social e político.

Prossegue a ofensiva daqueles que, a pretexto da crise, atacam os direitos dos trabalhadores, degradam as condições de vida, limitam as liberdades democráticas, acentuam a exploração, as desigualdades e as injustiças sociais, tão caras a Manuel Lopes como a liberdade sindical e o direito à contratação colectiva.

Existem os efeitos da crise e para além deles a política de classe de aproveitamento da crise por parte do Governo e dos grupos económicos e financeiros. Antes invocaram o défice, agora invocam a crise, amanhã, se tiverem oportunidade, voltam a invocar o défice, sempre para agravar a exploração, as desigualdades e injustiças sociais, num rumo que compromete o futuro e empurra o País para o declínio.

Os responsáveis pelo que se está a passar no mundo e pela situação do País não têm mais nada para propor que não seja a continuação das receitas da exploração e da crise. Por cá ainda não o dizem abertamente porque precisam do voto dos trabalhadores para legitimar eleitoralmente a ofensiva que preparam contra os salários e o emprego com direitos.

Em poucos momentos após o 25 de Abril se chegou a uma situação tão grave. Neste ano em que se assinala o 35.º aniversário da Revolução de Abril, coloca-se como nunca, desde esses tempos de alegria, esperança, conquista, realização e avanço, a necessidade da ruptura com a política de direita das últimas décadas, a valorização das realizações, do projecto e dos valores de Abril que a Constituição da República Portuguesa consagra.

Em poucos momentos destes 35 anos se colocou com tanta força como hoje a necessidade dum rumo novo para o País. O comando da política nacional tem que, como consagra e projecta a Lei Fundamental, estar centrado nos interesses dos trabalhadores, do povo e do País e não nos interesses dos grupos económicos e financeiros e das multinacionais. É necessário um grande movimento de ruptura e de mudança, que assenta no reforço do movimento sindical unitário consubstanciado na CGTP-IN, no desenvolvimento das organizações e movimentos populares, na ampliação da luta de massas, como elementos essenciais para a convergência de todas as forças sociais e políticas que querem a ruptura com esta política e um novo caminho para Portugal. A crítica, o protesto, a luta, deverão estar associados às propostas, ao projecto, à confiança e à esperança, à convicção que «Sim, é possível!», uma vida melhor.

Quando os interesses dos trabalhadores são profundamente atingidos e novas ameaças se colocam no horizonte, quando o povo português sente crescentes dificuldades, quando se condiciona a vida da juventude e se cortam as suas perspectivas de futuro, quando a corrupção, as injustiças e desigualdades sociais grassam é tempo de agir. É tempo de afirmar coerência e convicções, de ultrapassar preconceitos, de desenvolver a convergência e a unidade tendo sempre como referência os interesses dos trabalhadores e do povo e uma sociedade e um mundo mais justos.

Num tempo em que forças poderosas e reposicionamentos políticos negam e renegam o direito do trabalho como elemento de emancipação e avanço civilizacional há que prosseguir e intensificar a luta que nos aproxima e nos une e a que Manuel Lopes consagrou a sua capacidade e energia duma vida curta mas inteira. A sua acção, testemunho e exemplo para os dias de hoje, dá mais força à nossa inabalável vontade de continuarmos a luta contra a exploração e por uma sociedade mais justa e fraterna.