Intervenção de

A Europa e o Conselho Europeu - Intervenção de Agostinho Lopes na AR

Debate temático sobre a Europa e o Conselho Europeu e discussão e análise do Relatório de Acompanhamento do Programa Legislativo e de Trabalho da Comissão Europeia para 2008

 

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

A terceira Presidência portuguesa da União Europeia está marcada, muito negativamente, pela assinatura de um Tratado, gravoso para o País e para a Europa.

Um Tratado que consolida o federalismo sob o domínio e comando das grandes potências, o neoliberalismo nas orientações económicas e sociais e o militarismo atrelado à NATO e ao imperialismo norteamericano.

Um Tratado que impõe novas mutilações da soberania nacional, como sucede com o registo da «conservação dos recursos biológicos do mar, no âmbito da Política Comum de Pescas como competência exclusiva da União» (alínea d) do artigo 3.º do Título I do Tratado).

Um Tratado que significa uma perda acrescida de capacidade institucional nos órgãos da União Europeia - perda de dois Deputados, de um Comissário permanente, de peso nas votações no Conselho Europeu.

Um Tratado que o estardalhaço mediático das «cimeiras», para desviar atenções de problemas internos e tentar passar a imagem de êxitos externos e reconhecimento internacional, não esconde a inaceitável cedência, por parte do Governo PS/Sócrates, aos interesses das grandes potências e grupos económicos.

Assim se ofendeu gravemente o n.º 1 do artigo 7.º da Constituição da República Portuguesa, que afirma que Portugal se rege, nas relações internacionais, pelos «princípios de independência nacional» e da «igualdade entre os Estados».

Mas é notável que sendo o Tratado, para os seus autores e defensores, uma obra-prima cheia de virtualidades para a felicidade dos povos europeus, estes não possam agora participar em consulta referendária prévia à sua ratificação porque... podem dizer «não»! Notável deveras!

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
É um Tratado tão bom, tão bom, que os portugueses e outros cidadãos europeus nem o podem compreender, nem pronunciar-se sobre ele! Notável!

Notável também a convergência e confluência das posições do grande capital nacional (Belmiro, Carrapatoso e outros) e europeu, através da sua Confederação, por uma rápida ratificação do Tratado, à margem dos povos. Como notável é, também, o seu apoio à aprovação, pelo Conselho Europeu de 14 de Dezembro, da flexigurança.

Afirma o Negócios Europeus que a flexigurança restaurará uma «relação positiva entre competitividade e protecção social». Nesta época natalícia é, sem dúvida, um lindo eufemismo para usar em vez de «despedimento sem justa causa e precariedade».

Para o Governo português da Presidência, o facto de tais princípios de flexigurança violarem o artigo 53.º (segurança no emprego) da Constituição da República Portuguesa, aliás bloqueado na sua revisão pelo artigo 288.º (limites materiais da revisão), não importa.

Até faz jeito para enquadrar a nova vaga de ataque aos direitos dos trabalhadores que o Governo José Sócrates tem em curso, com as suas propostas de alteração ao Código do Trabalho. Assim, o PS sempre pode dizer que essas alterações são para cumprir uma imposição da União Europeia!

Mas o Governo português queria prolongar e explorar, tanto quanto fosse possível, os êxitos do grande capital e das grandes potências, na sua liderança da União. E, ontem, tivemos a «cereja no bolo»: a reforma da OCM (Organização Comum de Mercado) do Vinho.

Outro grande êxito da Presidência: mais 6 milhões de euros para liquidar a pequena e a média vitivinicultura portuguesa.

Se ainda houvesse qualquer dúvida sobre quem manda na União Europeia, esta reforma do sector vitivinícola esclarece em definitivo.

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

A competitividade no centro da reforma - expliquem-nos como vai o País competir com quem faz duas vindimas por ano.

Arrancam a vinha agora - expulsando os pequenos vitivinicultores e as regiões ditas não competitivas - para, amanhã, 2015/2018, liberalizar completamente o plantio.

Com as consequências que se adivinham: deslocalização das produções previamente liquidadas e espoliação dos mesmos de sempre, os pequenos produtores, do valor económico acumulado dos direitos de plantação. Provavelmente, pagar agora para arrancar a vinha cuja plantação, há um ano ou dois, foi subsidiada;

Alargar o campo de manobra legal para o grande «martelanço» de massas hidro-alcoólicas, europeias e de países-terceiros, a que vão permitir chamar legalmente «vinho» e, acrescente-se, engarrafar com direito a indicação de casta e ano de vindima;

A passagem, do Conselho Europeu para a Comissão da competência de aprovação de novas práticas enológicas. E, cúmulo dos cúmulos, neste exercício comunitário de coerência enológica, a ajuda à utilização de mostos na correcção do álcool vai acabar em quatro anos; a correcção até quatro graus, por recurso ao açúcar de beterraba, eterniza-se. Mas podia lá acabar uma prática que a França e a Alemanha defendem!...

Não admira, assim, que, com esta política, com este Ministro da Agricultura e com este Governo, os agricultores portugueses tenham visto, em 2006, cair o rendimento real por activo de 5,8%. Queda que é a terceira maior de uma União Europeia onde, em 20 países, o rendimento agrícola subiu, onde a média foi uma alta de 4,7% (certamente um dos resultados económicos de que o Governo se gaba).

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

O PCP, reafirmando a sua frontal oposição ao Tratado, pronuncia-se pela realização de um referendo que dê a oportunidade ao povo português de se pronunciar antes da sua ratificação e após um largo e aprofundado debate nacional.

O PCP apela aos portugueses para que intervenham e se manifestem sobre um processo em que se joga o seu futuro colectivo como País soberano e independente.

Apelamos para que tornem uma exigência nacional a luta por uma Europa de cooperação entre Estados soberanos e iguais em direitos, de progresso social e de paz.

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