Intervenção de Honório Novo na Assembleia de República

A Europa e o Conselho Europeu

Debate temático sobre a Europa e o Conselho Europeu e discussão e análise do Relatório de Acompanhamento do Programa Legislativo e de Trabalho da Comissão Europeia para 2008

Sr. Presidente, Sr. Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros,

O que entendo é que devemos começar a falar claro sobre esta questão do processo de ratificação do Tratado.

Bem se sabe, Sr. Ministro, que, em Espanha, o Governo vai dizer o seguinte: «Este Tratado é igual ao anterior. Já ratificámos o Tratado Constitucional e não temos necessidade de ratificar este».

Também já sabemos que, em França ou na Holanda, os Governos vão dizer exactamente o contrário dos seus confrades espanhóis. Vão, certamente, dizer: «Este Tratado é muito diferente do anterior, não tem nada a ver com o Tratado Constitucional, esse foi rejeitado em referendo, mas, como este é minimalista, podemos ratificá-lo no Parlamento».

Sr. Ministro, estes três Governos (França e Holanda, de um lado, e Espanha, do outro) dirão exactamente o contrário uns dos outros para concluírem exactamente a mesma coisa, isto é, para fugirem à ratificação por referendo, para se furtarem a ouvir a opinião dos cidadãos em nome dos quais o Tratado foi pretensamente construído.

Sr. Ministro, quero chamar a sua atenção para o facto de que este tipo de cinismo político vai, um dia, condenar a União Europeia, esta construção europeia, pode ficar tranquilo e certo disto. Mas este tipo de cinismo e de discurso cínico não é aceitável em Portugal, não é aceitável que seja usado da mesma forma pelo Governo, em Portugal.

Sr. Ministro, em Julho, o Primeiro-Ministro disse, nesta Casa, que não falava sobre o processo de ratificação, porque na altura não existia nenhum tratado! Pois, agora, há Tratado, Sr. Ministro! Há Tratado aprovado desde Outubro, há Tratado assinado desde o dia 13 de Dezembro e, portanto, é chegado o momento de o Governo cumprir e honrar também este compromisso! Já não é apenas o compromisso eleitoral, já não é só o compromisso do Programa do Governo, é também este compromisso assumido aqui!

Não é aceitável que o Sr. Ministro venha, em representação do Governo, dizer aqui, em nome de uma pretensa estratégia partidária ou governamental, em nome de uma pretensa estratégia mediática da agenda de propaganda - desculpe-me o termo - do Primeiro-Ministro, que só anuncia o processo de ratificação em Janeiro, depois das festas de fim de ano!

Gostaríamos de ouvir uma resposta objectiva agora, na Casa onde ela deve ser dada!

(...)

Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros:

Sr. Ministro, depois da sua não-resposta sobre a questão do referendo, quase apetecia fazermos aqui... Sabe o quê? Desejarmos a todos um bom Natal e um bom Ano Novo, irmos todos para casa e voltarmos em Janeiro, para ouvirmos finalmente a sua resposta. Não pode ser. Enfim, é a vida... De maneira que vamos, mesmo assim, intervir no período de encerramento deste debate.

Sr. Presidente, quem, durante estes seis meses, ouviu o discurso oficial, ou certo discurso oficioso - vindo de um bloco central que nem sequer ensaia qualquer sinal de desavença -, quase seria tentado a concluir que discordar das estratégias da Presidência portuguesa ou apontar a dedo as soluções por ela propostas constituiria uma espécie de crime de traição à Pátria, com o qual se estaria a denegrir este País.

Esta atitude pacóvia e provinciana reflecte muito bem uma posição subserviente - quando não servil -, que muito deste discurso esconde por trás da auto-satisfação, da arrogância e de uma falsa defesa dos interesses de Portugal e dos portugueses.

Vem tudo isto a propósito do balanço da Presidência Portuguesa da União Europeia - a última, caso o tão elogiado Tratado Reformador venha a ser ratificado - e em jeito de remate deste debate.

Para o PCP, Portugal pouco ou nada tem, de facto, a festejar com esta Presidência. Nada tem a festejar com o Tratado Reformador, já aprovado e assinado, mas cuja ratificação por via referendária, ouvindo os cidadãos em nome dos quais é anunciado, se impõe por imperativos políticos e éticos.

Um Tratado que reforça o poder do directório dos países mais ricos e remete à (quase) insignificância política o papel e a influência de Portugal e de outros Estados médios e pequenos. Um Tratado através do qual se diminui o número de Deputados portugueses, que elimina a presença permanente de um português na Comissão Europeia e que cria a figura (quase) sinistra do Presidente do Conselho Europeu - em boa verdade, do Presidente do Conselho de Administração dos interesses dos Estados dominantes.

Por que raio haveríamos nós de festejar um Tratado cada vez mais federalista, cada vez mais apostado na criação de um bloco de dominação estratégica - e mesmo militar - do mundo, para que arrasta o nosso país, mesmo que ao arrepio da Constituição da República?

Mas não é só o Tratado que nos afasta deste balanço oficial tão «cor-de-rosa»! Portugal não pode festejar que a sua Presidência tenha acolhido os princípios da flexigurança, a liberalização dos despedimentos, o reforço institucional para a desregulamentação das relações de trabalho, no fundo, a criação de melhores condições para cortar direitos tão duramente conquistadas pelos trabalhadores e pelos povos, ao longo de muitas dezenas de anos.

Como pode Portugal festejar as decisões ontem apadrinhadas pela Presidência portuguesa sobre as alterações no sector vitivinícola? Como podemos aceitar que nos acenem com mais milhões para «comprar» o nosso silêncio e nos queiram impor, hoje, o arranque da vinha cuja plantação pretendem liberalizar daqui a alguns anos?

Como podemos festejar que um país de marinheiros e pescadores, com a maior zona económica exclusiva (ZEE) da União Europeia, aceite, ainda por cima sob a Presidência portuguesa, alienar os instrumentos que lhe permitiam gerir não só os recursos piscícolas mas igualmente os recursos marinhos?

Por fim, e para abordar todos os temas que José Sócrates tem usado como «troféus de caça» (passe a expressão), importa referir as cimeiras. A utilidade das cimeiras não se pode resumir ao anúncio de boas

ideias contra bloqueamentos interessados ou interesseiros. A utilidade das cimeiras é medida, sobretudo pelo seu conteúdo e pelos seus resultados. Quando concluímos que não houve qualquer anulação da dívida externa dos países pobres e que o famoso objectivo de 0,7% do PIB na ajuda pública ao desenvolvimento continuam a ser figuras de retórica, percebemos melhor o que significam as novas parcerias económicas para manter e reforçar uma reiterada vontade de ingerência neo-colonial.

Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados:

Uma última palavra. Durante estes seis meses, lemos e ouvimos milhares de páginas de textos produzidos pela Presidência portuguesa sobre os mais diversos temas.

Não nos recordamos de ter lido ou ouvido qualquer referência à coesão social e à convergência económica.

A verdade é, assim, incontornável: a coesão económica e social, a progressiva aproximação aos níveis mais elevados de vida foram completamente varridos do discurso europeu, também por via da Presidência Portuguesa da União Europeia.

É triste e lamentável! Mas bem significativo e revelador dos interesses que a chamada «esquerda modernaça» continua a servir!

  • União Europeia
  • Assembleia da República
  • Intervenções