Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
É verdade que o PCP há muito defende que só com a demissão do Governo e a mudança das políticas que têm governado o País poderemos ultrapassar a difícil situação em que os diversos governos têm colocado Portugal e a maioria dos portugueses.
O PCP defendeu e defende essa demissão porque o Governo perdeu a legitimidade política, social e eleitoral, ao governar contra o povo e a Constituição e ao tomar medidas para as quais não tinha mandato eleitoral dos portugueses.
É também verdade que por executar essas políticas e enfrentar a luta dos portugueses o Governo está cada vez mais desacreditado, menos coeso. É o próprio Governo que se desacredita com a sua ação, mas tem sido a contestação e a luta das populações, daqueles que têm sido vítimas múltiplas da ação governativa que o têm desgastado, transformando-o hoje num Governo derrotado. Ou alguém acredita que as sucessivas tentativas do CDS de fugir a pagar a fatura política não se devem ao medo de sair chamuscado desta experiência governativa?
Este Governo merece sair, não só porque não tem legitimidade, mas também porque não defende o interesse nacional, porque é tendencioso e tende sempre para os mais fortes, particularmente para os grandes interesses económicos, em prejuízo do País.
Os infelizes exemplos dos últimos tempos tornaram bem clara a política que tem conduzido à degradação do Governo. Ao caos que se instalou na justiça, ao desastre do ano letivo que está irremediavelmente comprometido, às notícias de hospitais e serviços de saúde sem medicamentos ou sem condições para prestar cuidados aos utentes, somam-se muitos outros exemplos, entre os quais nos setores da pesca e da agricultura.
Um bom exemplo da ação destrutiva do Governo, contrária ao interesse nacional, é a paragem na pesca da sardinha. A gestão do stock de sardinha é conjunta entre Portugal e Espanha. Sabemos que as frotas são substancialmente diferentes entre os dois países, mas não sabemos como é contabilizada a captura nos dois países, nem como é compatibilizada a informação. O que é verdade é que a frota portuguesa deixou de pescar numa área partilhada, mas alguma frota espanhola continuava a pescar, pelo menos até à semana passada.
Acima de tudo, esta dificuldade que agora o Governo diz existir entra em contradição com a apologia que o mesmo Governo faz à instalação da indústria conserveira. Ao estimular a instalação de indústria, ou o Governo tem informação que não partilha e contraria a que utiliza para tomar a decisão de paragem de pesca ou então está a enganar os empresários que terão, na melhor das hipóteses, de importar peixe para prosseguir a sua atividade.
Outro exemplo na área da agricultura é a expulsão de rendeiros do Estado na Herdade dos Machados, em Moura. O Estado português mantém um conjunto de rendeiros desde 1980. A Lei do Arrendamento Rural que se lhe aplica é de 1991, mas agora o Governo resolveu rescindir contratos com os titulares do arrendamento, dando uma interpretação à lei que até aqui não dava e esquecendo que por detrás de cada exploração não está apenas um rendeiro mas uma família que depende da exploração para viver. Estas famílias estruturaram-se em torno de uma exploração que lhes prometeram nunca perder, uma promessa de um governo PSD/CDS/PPM, mas o atual Governo PSD/CDS recusa-se a transmitir os contratos de arrendamento, depois de anteriormente já ter sido feito, como o demonstram a existência de rendeiros que não eram sequer nascidos em 1980.
O Governo está, deste modo, a atacar cerca de 50 rendeiros e as suas famílias, que exploram 2000 ha para entregar as explorações a anteriores proprietários que exploram já 4000 ha.
Quem estiver menos atento pode não perceber porque é que o Governo, que tanto fala na produção nacional e no incentivo aos jovens trabalharem na agricultura, que até criou uma fracassada bolsa de terras para permitir o acesso à terra a quem não a tinha, quer agora tirar a exploração a rendeiros do Estado, entre os quais se encontram jovens. A explicação pode ser muito simples: a água do Alqueva está a chegar à Herdade dos Machados. Essa água pode rentabilizar as explorações e, por isso, o Governo quer tirar os lotes aos pequenos e médios agricultores que as detêm, para os entregar a uma casa agrícola que tem já uma forte relação de parceria com um grupo espanhol. Para o Governo, o regadio de Alqueva só pode estar ao serviço do agronegócio, nunca ao serviço da agricultura familiar. Eis a opção do Governo na defesa do interesse nacional e dos agricultores.
Lamentavelmente, tudo isto se passa no Ano Internacional da Agricultura Familiar.
Este é um mau Governo, que tenta esconder as consequências da sua política e as suas debilidades, mantendo-se numa atitude de negar a evidência da degradação política e institucional a que está a conduzir o País. E tenta, sem sucesso, diga-se, fazer das fraquezas forças.
Ainda recentemente, a demissão do Secretário de Estado das Florestas e do Desenvolvimento Rural ficou sem explicação aceitável. Não sabemos se por as florestas não terem no Governo o peso político inerente às potencialidades do setor ou se por ter já cumprido a sua tarefa, nomeadamente nas alterações legislativas, de onde se destaca a defesa da lei da eucaliptização do País ou a aprovação da lei de ataque aos baldios. Perante esta adversidade de, de um momento para o outro, o Governo ter ficado sem um Secretário de Estado, a Ministra, do CDS, Assunção Cristas, resolveu menorizar as florestas e o desenvolvimento rural, menorizando, inclusivamente, o anterior Secretário de Estado, recusando agora ao setor um responsável político direto e colocando-o sob a sua responsabilidade, que o mesmo é dizer sem responsável algum.
Depois da demissão do Secretário de Estado das Florestas, veio a demissão do Secretário de Estado do Ensino Básico e Secundário, e soubemos, entretanto, que o próprio Ministro Nuno Crato colocou o seu lugar à disposição.
Tudo a confirmar que nem com a fuga de ministros do Governo, nem com a sua demissão à peça, muito menos com a sua manutenção no Governo, o País pode sair da grave situação em que se encontra. O Governo é, cada vez mais, um grupo de gente que permanece no poder porque o Primeiro-Ministro se recusa a desistir da política que executa e dos seus protagonistas, incluindo o irrevogavelmente demissionário Vice-Primeiro-Ministro e o mais recentemente putativo demissionário Ministro da Educação. Estes, que se saiba, e outros, talvez, também. Este é, cada vez mais, um Governo «atado com arames».
Sr. Presidente, Srs. Deputados, está em derrocada a histórica aspiração da direita de ter um presidente, um governo e uma maioria, e essa derrocada não está desligada do facto de terem continuado e levado ainda mais longe a política de direita de sucessivos governos com o mesmo resultado que tiveram os anteriores: a sua derrota. O que isto comprova é que não basta mudar de protagonistas que insistam na mesma política. Quem esteja verdadeiramente interessado em resolver os problemas do País e do povo tem de assumir o compromisso com uma rutura com a política de direita e com uma verdadeira política alternativa, ao serviço do povo e do País.
Esse é o compromisso que o PCP assume.
(…)
Sr. Presidente,
Sr.ª Deputada Helena Pinto,
Agradeço a questão que me colocou e, se não se importa, eu também começava por fazer uma referência ao silêncio da maioria, lamentando que não tenham vindo a debate quando colocamos questões muito concretas e que são problemas que diversos setores vivem com muita dificuldade, nomeadamente, no que respeita à agricultura e ao mar. Assim, falei das questões da sardinha e da paragem da pesca à sardinha — e nem o PSD nem o CDS disseram uma palavra sobre isto. Falei da utilização do Alqueva e da forma como se está a desenvolver — na declaração política anterior, houve tanta proclamação sobre o Alqueva, mas, agora, sobre uma questão concreta do Alqueva, nem uma palavra. E sobre a questão das florestas, que dizem ser tão importante, uma matéria que está na ordem do dia, a maioria também não disse uma palavra.
Mas o que me deixa alguma esperança, Sr.ª Deputada, é que o silêncio da maioria signifique um arrependimento com esta medida e com esta decisão que tomaram relativamente à Herdade dos Machados e aos seus rendeiros. Se esse silêncio significar um arrependimento e um recuo já é positivo.
Mas não quero deixar de lhe dizer, Sr.ª Deputada, que, concordando consigo, esta não é a primeira vez que a direita tenta retirar aqueles rendeiros da Herdade dos Machados. Tentou-o nos Governos de Cavaco Silva, tentou-o nos Governos de Durão Barroso e Paulo Portas e, felizmente, os tribunais sempre deram razão àqueles rendeiros e eles conseguiram manter-se.
E agora os rendeiros continuam na sua luta, nas suas diversas vertentes. Já estiveram aqui, na Assembleia da República, na Comissão de Agricultura e Mar, onde todos os grupos parlamentares reconheceram a importância do seu problema — aliás, nessa Comissão, até decidimos avançar com uma pergunta conjunta ao Governo sobre estas matérias.
Mas não quero deixar de dizer que este exemplo é muito claro quanto àquilo que são as intenções do Governo e clarifica muito de que lado está este Governo. É que, perante a chegada da água do Alqueva a um determinado sítio que tem terras de boa qualidade, o Governo decide retirar os rendeiros e entregar a terra a anteriores proprietários que têm uma parceria clara com um grupo espanhol.
Por isso, este Governo está sempre disponível para colocar o Alqueva e o investimento de Alqueva ao serviço do agronegócio. Para isso o Alqueva já serve, mas para os pequenos agricultores o Alqueva não serve. Isto é contestável, e é lamentável que assim aconteça.
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado Miguel Freitas,
Muito obrigado pelas questões que colocou. Quanto aos rendeiros da Herdade dos Machados, efetivamente, há um conjunto deles que são reformados. Mas a questão não é só essa: eles são rendeiros, eles têm a titularidade do contrato de arrendamento, mas há toda uma família que vive daquelas explorações. E, como muitos deles dizem, os seus filhos não foram estudar, não seguiram outra profissão, porque, tendo ali aquela exploração, se dedicaram à agricultura.
Por isso, ao retirar-se a parcela àqueles rendeiros, é toda uma família que se está a colocar fora. E dos cerca de 50 rendeiros que existem naquela Herdade, 44 vivem exclusivamente da exploração agrícola e da atividade agrícola, pelo que, ao saírem de lá, ficarão sem meio de subsistência.
O PCP já apresentou um projeto de resolução que deu entrada esta semana na Assembleia da República. O que pretendemos é que não sejam aplicados os critérios de reforma para a rescisão dos contratos, que seja possível a passagem dos contratos de pais para filhos, para os descendentes, como, aliás, já aconteceu com a mesma lei, e que se suspenda imediatamente este processo.
Relativamente aos baldios, também referidos pelo Sr. Deputado, é verdade que eles sofreram um ataque, nomeadamente possibilitando a sua entrada no comércio jurídico, e também alterando a definição de compartes que cria muitos problemas na gestão dos baldios. Isto tudo como forma de ataque àquela que também foi uma conquista do 25 de Abril, porque foi com o 25 de Abril que os povos recuperaram a gestão dos seus baldios.
Mas vamos aguardar e vamos acompanhar este assunto. O Governo prepara-se para mais um ataque. Neste momento, os baldios significam 90 000 ha de apoios à agricultura, que podem ser utilizados por muitos pequenos agricultores para receberem apoios, e o Governo também se prepara para retirá-los substancialmente nestas áreas, com mais um ataque aos pequenos agricultores.
Por último, quanto à pesca à sardinha, referi na minha intervenção o que considerava relativamente às preocupações nesta matéria. Um dos problemas que temos é com a investigação e com a utilização dos dados científicos nesta matéria.
Mas, no próximo mês, teremos oportunidade de ouvir, nesta Sala, pelo terceiro ano consecutivo, o Governo anunciar-nos que comprará o navio Noruega para a investigação científica — é o terceiro ano consecutivo que o Governo virá dizer-nos isto.
Ora, este facto, associado à forma como tem tratado os investigadores, diz muito sobre a perspetiva deste Governo relativamente à investigação. E, nesta matéria da sardinha, precisávamos de ter investigação científica séria para tomar decisões.