Reforça a tributação sobre os rendimentos distribuídos por entidades localizadas em offshore ou em países ou regiões com regimes fiscais claramente mais favoráveis e elimina a isenção da tributação das mais-valias mobiliárias realizadas por SGPS
(projeto de lei n.º 130/XII/1.ª)
Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
A deslocalização da holding familiar de Alexandre Soares dos Santos, dono do Grupo Jerónimo Martins/Pingo Doce, para a Holanda fez «cair por terra» a imagem pública de um dos homens mais ricos do nosso País.
O contra-ataque, porém, não se fez esperar: comunicados públicos distribuídos pelos funcionários aos clientes do Pingo Doce (não se conhece bem se esta tarefa foi ou não paga em remuneração suplementar, aliás); panfletos colocados nas caixas dos correios; entrevistas atrás de entrevistas; artigos de opinião atrás de artigos de opinião, sempre, é claro, sem qualquer contraditório, tudo mais ou menos concertado para que Soares dos Santos tentasse recuperar a máscara de pretenso paladino dos interesses nacionais que tinha deixado cair com estrondo.
Fique, porém, o dono do Grupo Jerónimo Martins /Pingo Doce tranquilo, pois não está sozinho nesta fuga organizada de grandes grupos económicos e financeiros para offshore e locais com regimes fiscais ainda mais permissivos que Portugal. Está muito bem acompanhado, entre outros, pelos donos de 19 dos 20 grupos cotados na Bolsa de Lisboa, pelos detentores do poder económico em Portugal, por muitos dos que «enchem a boca» com discursos de igualdade e de justiça, mas que aproveitam para fazer tudo o que podem para fugir às suas responsabilidades fiscais com o País.
Não é só o dono do Pingo Doce que o faz; fazem-no muitos outros a coberto e com a total permissividade da legislação fiscal existente em Portugal.
Usam os alçapões e as omissões, ou as interpretações dos despachos dos governos, para montar operações de engenharia fiscal que visam exclusivamente diminuir ao máximo a carga fiscal global que incide sobre as empresas dos grupos e respetivos acionistas, individuais ou coletivos.
Podem todos continuar a dizer que as suas empresas em Portugal continuam a pagar os mesmos impostos pela atividade que aqui fazem. Como Soares dos Santos, Belmiro de Azevedo, Zeinal Bava ou António Mexia bem sabem, não é esta a questão que se coloca com a deslocalização das SGPS, isto é, das empresas através das quais controlam o capital social do Pingo Doce, da SONAE/Continente, da PT ou da EDP.
A evasão fiscal permitida dá-se através destas SGPS, com sede nas ilhas Caimão ou na Holanda, que recebem lucros, pagam aí impostos com taxas mínimas de 2%, 3%, 4% ou 5%, e os reenviam para Portugal, sem que o nosso País tribute esses rendimentos em IRC, nem pela diferença entre as taxas em vigor em Portugal e os valores tantas vezes irrisórios que pagam fora do País!
É este o problema, é esta a base da injustiça fiscal, é este o objetivo do planeamento fiscal que usa a permissividade da legislação portuguesa! E é assim que, quando a holding familiar nacional de Soares dos Santos distribuir pela família os rendimentos que recebeu da sua homónima holandesa, pode receber mais pagando menos, bastante menos! É assim com Soares dos Santos, mas é assim também com todos os outros grupos que seguem este caminho!
Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, numa coisa estou de acordo com o Deputado João Almeida: o boicote ao Pingo Doce, que tão sibilinamente recomendou aqui há dias, tal como o boicote ao Continente, à gasolina da GALP, ou à utilização da ZON, não é a forma de resolver permanente e definitivamente esta situação inaceitável de favorecimento fiscal dos autores e ideólogos destas operações de engenharia fiscal.
Se há — aparentemente — um consenso em classificar estas operações de imorais, não éticas ou socialmente ilegítimas, então, há que fazer com que a lei evolua e impeça estas situações não recomendáveis.
Há que mudar a legislação, impedir que os fiscalistas habilidosos continuem a minar qualquer conceito de equidade fiscal, eliminar as omissões fiscalmente convenientes e tapar os «buracos» fiscais por onde entra a engenharia fiscal dos grupos económicos e financeiros, que, assim, distorcem, de forma absolutamente inaceitável e injusta, a distribuição da carga fiscal em Portugal.
Hoje, em Portugal, com a violência que se abate sobre os trabalhadores e o povo, com a ofensiva da troica e do Governo sobre os mais débeis e os mais fracos, com a recessão endémica e o desemprego galopante, já não bastam palavras bonitas. Temos, por isso, de introduzir um pingo de justiça e de equidade fiscal para que os Soares dos Santos ou os Belmiros de Azevedo paguem impostos compatíveis com riqueza que ostentam. Se não tiverem — os Deputados do CDS e do PSD, mas também os do PS — coragem para o fazer, então, as boas intenções, a retórica, ou as tentativas para reclamarem uma imagem à esquerda, de que tanto usam e abusam, passam a «tresandar» — peço-vos desculpa! — a pura hipocrisia política.
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado Fernando Virgílio Macedo,
É importante evitar que a retórica da sua bancada se abata sobre este debate, tal como é importante evitar que o PSD e o Governo continuem a, sobre este problema, atirar areia aos olhos dos portugueses.
A questão central deste debate não são as empresas, Sr. Deputado! A questão central deste debate não são as pequenas, médias e microempresas — estas estão a ser perseguidas pelos senhores! A questão central deste debate são os grandes grupos económicos e o planeamento fiscal que os senhores continuam a permitir e que reforçam. É isto que está em debate!
É importante que eu diga que as PME não são inimigas do País! Este Governo é que é inimigo das micro e pequenas empresas! Este Governo é inimigo das pequenas empresas, tal como é inimigo do País! Esta é a verdade! É porque se os senhores quisessem falar seriamente sobre competitividade fiscal, então, tinham de explicar porque é que eliminaram a redução da taxa de IRC para as pequenas empresas, porque é que eliminaram a redução da taxa de IRC para as pequenas empresas do interior do País, porque é que não baixam o IVA para as empresas, designadamente para aquelas que estão próximo da fronteira com a Espanha. Fala-se de competitividade — não é, Srs. Deputados? —, então, porque é que os senhores aumentaram a taxa de IVA para todas as pequenas empresas da restauração deste País? Se queremos falar em competitividade, falem disto, por favor!
O que está agora sobre a mesa é uma outra coisa, Sr. Deputado Fernando Virgílio Macedo: é uma SGPS deslocalizar-se para a Holanda ou para as ilhas Caimão, pagar lá 2%, 3%, 4%, 5% ou 6% de IRC sobre as suas atividades, sobre os seus investimentos, sobre os seus lucros, exportar esses lucros para Portugal e quem os recebe aqui não pagar mais nada, enquanto o Sr. Deputado e eu pagamos impostos, enquanto as pequenas empresas pagam 25% de taxa de imposto!!… Esta é a questão em causa neste debate, e é isto que o Sr. Deputado tem de dizer perante esta Câmara e o País: que conceito de competitividade fiscal tem o senhor para o País? O do frete para os grupos económicos ou o da competitividade para o tecido empresarial real em Portugal?