Intervenção de João Oliveira na Assembleia de República

Estatutos dos Magistrados Judiciais e do Ministério Público

Altera os Estatutos dos Magistrados Judiciais e do Ministério Público em matéria de aposentação, reforma e jubilação, define as condições de atribuição do suplemento de fixação e do novo suplemento que substitui o subsídio de compensação e altera os respectivos regimes de
substituição e acumulação
(proposta de lei n.º 45/XI/2ª)

Sr. Presidente,
Sr. Ministro da Justiça,
De facto, o Sr. Ministro tem de clarificar aquilo que, da tribuna, afirmou, ou seja, se aquilo que temos em discussão são exclusivamente propostas que se destinam a confirmar, em relação aos magistrados, os cortes salariais que o Governo pretendeu impor à generalidade dos trabalhadores da Administração Pública ou se estas propostas vão além disso. Isto porque estamos preocupados em relação a esta confusão que o Governo, deliberadamente, procura instigar na cabeça dos portugueses. É porque o Governo, por detrás desta propaganda que repete incessantemente, esconde uma verdadeira estratégia de utilizar o estatuto remuneratório dos magistrados para garantir o controlo político sobre o poder judicial.
Sr. Ministro da Justiça, se a intenção do Governo é concretizar, em relação aos magistrados, os cortes salariais que determinou no Orçamento do Estado para a generalidade dos trabalhadores da Administração Pública, então, não se compreende como é que há normas definitivas, permanentes, de alteração ao Estatuto dos Magistrados e normas transitórias que se referem à execução do Orçamento do Estado para 2011! Se o objectivo destas propostas é, de facto, garantir, em 2011, os cortes salariais aos magistrados, todas as normas deveriam ter carácter transitório de aplicação exclusiva no ano de 2011. Mas não é isto que o Governo faz. O que o Governo faz é, à boleia dessas alterações e desses cortes, introduzir cortes adicionais, cortes acrescidos para os magistrados colocando, inclusivamente, nas mãos do Ministro da Justiça e também do Ministro das Finanças a possibilidade de definir, em concreto, a incidência desses cortes, garantindo, assim, obviamente, um ascendente do poder que o Governo tem em relação à vida concreta dos magistrados.
Sr. Ministro da Justiça, digo-lhe, com toda a clareza e com toda a frontalidade, que o PCP faz este debate com a consciência completamente tranquila. E sabe porquê? Porque a posição que assumimos no Orçamento do Estado, contra os cortes que os senhores impuseram a todos os trabalhadores da Administração Pública, é exactamente a mesma que assumimos nesta discussão.
Porém, não aceitamos é que, com uma propaganda que cria ideias erradas, que cria um contexto errado, para a discussão destas propostas, o Governo assuma aquele que é o verdadeiro projecto político de controlo do poder judicial por parte do poder político.
(…)
Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
Antes de mais, quero dirigir uma palavra ao Sr. Deputado Ricardo Rodrigues e ao Sr. Ministro da Justiça. Se a intenção do Governo era, de facto, taxar suplementos e complementos remuneratórios, tal como se fez no Orçamento do Estado, era isso que deveria ter escrito na proposta de lei, mas os senhores vão muito para além disso na proposta de lei que aqui apresentam.
Sr. Ministro da Justiça, a defesa da independência do sistema judicial não se faz com retórica, faz-se com decisões e opções políticas.
E o Sr. Ministro, enquanto líder parlamentar do Partido Socialista, votou, nesta Assembleia da República, na Legislatura passada, uma alteração ao Conselho Permanente do Conselho
Superior da Magistratura que pôs em maioria os membros eleitos pelo poder político, em comparação com os membros eleitos pelos magistrados. Isto é aumentar o controlo político do sistema judicial!
Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
O debate que agora fazemos está, há muito, inquinado pela propaganda governamental que tem intoxicado os portugueses com falsidades e manipulações, procurando criar uma ideia errada em relação às propostas que agora estão em discussão.
O que essa propaganda do Governo procura esconder é a verdadeira estratégia de limitação da
independência dos juízes e de controlo político do sistema judicial, que este e o anterior Governo têm procurado concretizar, utilizando para isso todos os meios ao seu alcance, desde as alterações aos códigos processuais até à alteração da composição dos órgãos dos conselhos superiores ou ao próprio mapa judiciário.
Com ou sem o apoio do PSD, com ou sem pactos para a justiça, o Governo e o PS tudo têm feito para que tenhamos um sistema judicial «amordaçado» e controlado a partir do Ministério da Justiça ou do próprio gabinete do Primeiro-Ministro.
Neste processo concreto de alteração dos Estatutos dos Magistrados, a propaganda governamental tem sido particularmente enganosa e importa que se contrarie parte das falsidades que têm sido repetidas.
Em primeiro lugar, não estamos perante propostas que apenas concretizam os cortes salariais impostos pelo Orçamento do Estado, estamos, sim, perante propostas que impõem novas e acrescidas reduções remuneratórias aos magistrados, de forma permanente e definitiva, assumindo o Governo particular poder na sua definição em concreto e garantindo, por essa via, uma posição de maior controlo sobre os magistrados e o sistema judicial.
Em segundo lugar, ao contrário do que a propaganda do Governo procura afirmar, o estatuto remuneratório dos magistrados portugueses não resulta de um «assalto» que os magistrados tenham feito aos Orçamentos do Estado, ao longo dos anos. Os Estatutos dos Magistrados portugueses resultam de propostas apresentadas por governos do PS e do PSD, que foram aprovadas, em leis, nesta Assembleia da República.
Se, hoje, o Governo do PS critica o estatuto remuneratório dos magistrados, então, tem de começar por assumir a sua própria responsabilidade nas regras que estão em vigor.
Por último, importa ainda contrariar a propaganda governamental, relembrando que os estudos europeus comparados sobre os vencimentos dos magistrados indicam que os magistrados portugueses se encontram na metade inferior das tabelas, quer na comparação com os vencimentos dos magistrados noutros países europeus, quer na comparação com os salários médios em cada país.
Para lá desta propaganda e das energias que a mesma consome no debate público, ficam as propostas concretas.
As propostas que o Governo traz, hoje, à discussão não têm em conta que as especificidades do exercício de funções dos magistrados e as limitações que lhes são impostas têm de ter correspondência no respectivo estatuto legal e também remuneratório.
Não se pode exigir exclusividade no exercício de funções sem que a mesma seja compensada.
Não se pode impor uma obrigação de domicílio necessário e, ao mesmo tempo, não compensar os magistrados pelos custos dessa imposição.
Não se pode impor um dever de reserva e a proibição do exercício de outras funções remuneradas, mesmo depois da aposentação ou da jubilação, sem se prever a devida compensação.
Mas esta proposta do Governo não tem em devida conta que o estatuto legal e remuneratório dos magistrados não deve ser um benefício dos próprios mas, sim, uma garantia aos cidadãos de que podem ter uma justiça independente e livre de qualquer tipo de controlo que não seja aquele que é imposto pela aplicação da lei.
Esta proposta do Governo, mesmo antes de ser aprovada, já começou a produzir consequências.
Os efeitos destas medidas do Governo já provocaram uma «sangria» entre os magistrados,…
Como estava a dizer, os efeitos destas medidas do Governo já provocaram uma «sangria» entre os magistrados, particularmente entre aqueles com mais experiência e capacidade, que preferiram abandonar antecipadamente as suas funções do que verem reduzidas, de forma agravada, as suas remunerações ou as suas condições de aposentação ou jubilação.
Ao abandonar as suas funções como secretário de Estado, o Dr. João Correia denunciou a existência de uma «cultura que se instalou contra a justiça em certos sectores do Partido Socialista». Esta proposta parece ter a sua origem nesses sectores do PS, que agora decidiram fazer também do estatuto remuneratório dos magistrados uma forma de garantir o controlo do poder judicial pelo poder político e, nas palavras da Comissão Permanente do Tribunal de Contas, apoucar e aviltar o estatuto e a condição dos magistrados. Para isso, não conta o Governo com o PCP.
Tal como fizemos em relação aos cortes salariais impostos aos trabalhadores da Administração Pública, também em relação aos cortes que, agora, o Governo pretende impor aos magistrados o PCP votará contra.

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