Intervenção de

Estatuto do Trabalhador-Estudante - Intervenção de Miguel Tiago na AR

Estatuto do Trabalhador-Estudante

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

Ao discutir o presente projecto de lei (n.º 288/X) importa, antes de mais, fazer a necessária análise dos processos legislativos que conduziram à actual situação.

Se, desde 1997, a lei portuguesa salvaguardava, de forma clara e bem regulamentada, os direitos dos trabalhadores-estudantes, a entrada em vigor do Código do Trabalho, por proposta do anterior governo PSD/CDS-PP - e, agora, tendo ouvido o PSD, nem parecia que aprovou o Código do Trabalho -, veio limitar significativamente os direitos dos trabalhadores-estudantes. Aliás, esse Código do Trabalho veio provocar um retrocesso social que, ainda hoje, faz sentir os seus iniludíveis efeitos sociais.

Perante uma realidade económica e social que, para a generalidade dos cidadãos, principalmente para os trabalhadores, significa uma gradual degeneração das condições de vida, o Partido Socialista, agora no Governo, decide não só empenhadamente aplicar o Código do Trabalho como ir já avançando inaceitáveis alterações para pior.

Estamos, portanto, perante uma situação de agudização das dificuldades e de objectiva diminuição de direitos.

Trabalhar mais, mais horas, por menos férias e menores salários são as máximas da acção dos sucessivos governos, bem ao gosto das vistas curtas dos grandes grupos económicos, que continuam a preconizar o modelo de mão-de-obra barata, disponível e sem direitos para Portugal.

Num outro plano, os governos vão promovendo a desresponsabilização do Estado perante os serviços públicos essenciais, em que se insere o ensino nos seus vários níveis.

O aumento vertiginoso do valor das propinas e os crescentes custos de frequência de qualquer grau de ensino, aliados à inexistência de um verdadeiro esforço nacional e público para garantir a disponibilidade de cursos em regime pós-laboral e nocturno, são apenas alguns exemplos das políticas de destruição do sistema público de ensino.

A conjunção da política levada a cabo nestes dois planos - educação e trabalho - exige um combate cada vez mais forte à progressão destas políticas de direita e o reforço dos direitos dos trabalhadores e dos estudantes, em que, sem nenhuma dúvida, se inserem também os direitos dos trabalhadores-estudantes.

O Bloco de Esquerda propõe que seja criado um estatuto do trabalhador-estudante que repõe um conjunto de direitos que foram alvo de limitação por força do Código do Trabalho e o PCP, por isso mesmo, apresenta um projecto de lei que revoga o Código do Trabalho e no qual estabelece um capítulo sobre trabalhadores-estudantes, também alargando claramente os seus direitos perante o trabalho e o estudo.

Neste projecto de lei do Bloco de Esquerda, que agora discutimos, além de serem avançadas medidas que o PCP propõe, surgem três novas linhas-mestras.

A primeira, que nos coloca algumas reservas, a de que pode ser positiva a generalização do Estatuto do Trabalhador-Estudante, comparando, inclusivamente, Portugal com outros países europeus, induzindo uma orientação política que se pode aproximar perigosamente da ideia de que os estudantes trabalharem para sustentar os estudos é um factor de modernidade, ideia que importa combater.

É que, além de a realidade portuguesa, no plano do emprego, ser significativamente diferente da do Reino Unido, da Holanda e mesmo de França, o PCP não partilha a ideia de que os estudantes devem ser estimulados para trabalhar enquanto estudam, assim legitimando custos inaceitáveis do ensino, que deve ser gratuito, tal como indica a própria Constituição da República Portuguesa, que os governos, sistematicamente, teimam em desprezar.

O PCP defende, sim, que o trabalhador deve ver garantidas todas as condições para poder aceder à educação em qualquer grau, sem nenhum prejuízo que daí possa advir.

A segunda linha-mestra do projecto de lei é a de que o incentivo directo às empresas pode ser uma forma de garantir o cumprimento do estatuto proposto.

O PCP entende, no entanto, que a aplicação de esforços públicos directamente em empresas, meramente por serem cumpridoras da lei, não deve ser de forma alguma uma política habitual do Estado.

Além disso, a beneficiação directa de empresas pelo simples facto de empregarem trabalhadores-estudantes é mais um elemento de fomento a trabalho para estudantes do que a educação para trabalhadores, no quadro actual das características empresariais e económicas do País.

A terceira, com o que o PCP concorda inteiramente, a da necessidade de criação de cursos em regime de horário nocturno.

Na verdade, esta é uma orientação que, embora existente na lei, não tem sido minimamente cumprida no sistema público de ensino.

Sobre esta matéria, o Grupo Parlamentar do PCP questionou inclusivamente o Governo, que se limitou a responder que os cursos em horário nocturno no sistema público de ensino superior nunca eram preenchidos.

Isto revela bem que não têm sido feitos nenhuns esforços, por parte do Governo, no sentido de orientar essa política.

É que basta olhar para o ensino privado, principalmente no plano do ensino superior, para verificar uma ampla frequência de trabalhadores-estudantes em regime nocturno, que procuram no privado aquilo que o sistema público não oferece, por demissão das suas responsabilidades.

Os direitos de dispensa horária e formas especiais de avaliação são em todos os aspectos bastante coincidentes com o projecto de lei do PCP que revoga o Código do Trabalho e, efectivamente, é esse pendor de alargamento e recuperação de direitos que determina o voto do PCP, num inequívoco sinal de que é necessário, e quanto antes, garantir, através da lei e de uma fiscalização ajustada e consistente, os direitos dos trabalhadores-estudantes e mesmo repor os que foram retirados e para os quais o actual Governo não tem dado sinais de tornar a garantir.

A resolução dos problemas dos trabalhadores-estudantes coloca-se a esta Assembleia como um imperativo e é por isso que, pese embora algumas discordâncias, até substanciais, entre a perspectiva do PCP e a que o projecto de lei em discussão traduz, o PCP se disponibiliza desde já para apresentar o seu contributo em sede de discussão na especialidade.

 

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