Intervenção de

Estatuto do aluno do ensino não superior<br />Intervenção do Deputado Bruno Dias

Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, Senhores Membros do Governo,A exposição de motivos desta Proposta de Lei do Governo demonstra o carácter contraditório, para não usar outra designação, deste diploma. Por um lado apresenta visões, preocupações e conceitos que são hoje consensualmente reconhecidos e preconiza linhas de acção naturalmente meritórias. Por outro lado, não tem qualquer correspondência material, concreta, no articulado que lhe dá substância.O esforço de enquadramento das políticas educativas, o exercício de valores como o respeito, a tolerância e a liberdade, a consideração pelos quadros psicossociais e familiares em presença, tudo isto está lá, nas considerações gerais do preâmbulo. Na prática, não é isto que se avança.Avança-se com o desenvolvimento dos mecanismos coercivos, com a simplificação dos processos disciplinares, com a consagração da autoridade como valor supremo. De tal forma que se podem tornar reais os perigos de se confundir, em alguns casos, autoridade e autoritarismo.O diploma do Governo, ao reformular o quadro legal que estabelece o estatuto dos estudantes no Ensino Básico e Secundário, traz como novidade principal a concretização de uma antiga reivindicação da direita: abordar o problema da Escola que temos pela óptica do regime disciplinar.E ao fazê-lo, incorre no mesmo erro que caracterizou, conforme alertámos, iniciativas anteriores da direita parlamentar sobre esta matéria: o manifesto pressuposto de que o problema fundamental do sistema educativo seja uma insurreição disciplinar nas escolas portuguesas. Mais: todo este diploma está construído como se fosse da exclusiva responsabilidade dos estudantes a existência de problemas de violência e insegurança em escolas portuguesas.Falta claramente uma prática de pedagogia - e de pedagogia democrática. E desde logo isso faz-se sentir no próprio processo de apresentação desta Proposta de Lei. Ninguém até agora foi ouvido. Os parceiros e agentes educativos não foram tidos nem achados. Para o Governo, a Assembleia da República há de tratar disso. Não estamos de acordo.O Governo deve ouvir a comunidade educativa em presença, ao invés de se demitir desse dever e remeter apenas para o Parlamento o espaço de discussão e diálogo que é necessário promover aos vários níveis.Pela nossa parte, cá estamos e estaremos para cumprir e dignificar o papel de promoção do debate político, da participação e diálogo que cabe à Assembleia da República. Mas é politicamente significativo que da parte do Governo essa disponibilidade para ouvir, discutir e acolher opiniões pura e simplesmente não se verifique.E já agora, Senhor Presidente, Senhores Deputados, abro aqui um parêntesis para lembrar que o Governo recorre a esta argumentação para justificar este procedimento, com a mesma facilidade com que recorre ao argumento inverso para proceder de forma inversa, como sucede neste momento em relação à Lei de Bases da Segurança Social.Mais uma vez se demonstra que mesmo o argumento das boas intenções acaba por cair pela base, se não houver uma prática coerente que o venha sustentar.Esta forma de actuação é particularmente grave, quando o que está em causa é um novo quadro legal, uma nova formulação para a legislação nesta área.Estão em apreciação dois outros diplomas, do PEV e do BE, que apontam por outro lado para melhorias e atenções específicas ao enquadramento actual. Bem necessárias e importantes são as melhorias que há a fazer.Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, Senhores Membros do Governo,A essência de uma política educativa de progresso e desenvolvimento tem que passar por muito mais que autoridade. Tem que passar por cidadania. E democracia. E criação de condições para esse objectivo.Há pouco mais de um ano, o Conselho Nacional de Educação abordou esta mesma questão, naquela que foi a sua primeira recomendação do ano de 2001. E aí se sublinhava justamente a necessidade de uma Escola que assuma plenamente a sua dimensão intercultural, de cidadania, de combate à exclusão.Nessa recomendação, aliás, é referido que «a educação para a cidadania, ao centrar-se no aluno/cidadão enquanto pessoa, encontra frequentemente, como primeiras dificuldades, as dificuldades de acesso e a falta de integração». Ou ainda que «as competências para a vivência da cidadania têm de ser desenvolvidas em função das pessoas em causa e não de forma abstracta».As conclusões a que chega o Conselho Nacional de Educação vêm colocar a tónica na vertente que é para nós fundamental - algo que está expresso logo na primeira das recomendações: «seja dada a maior atenção e o necessário apoio às iniciativas que tenham como objectivo promover a escola como factor de inclusão social».Não é este o sentido da política educativa que tem vindo a ser seguida. Em alguns discursos, talvez seja. Mas não pela prática. Porque, na prática, o que surge no diploma do Governo é a ausência de medidas concretas para a criação das tais equipas multidisciplinares anunciadas desde logo no Programa do Governo; a incoerência com o proclamado objectivo de libertar os professores de um conjunto específico de funções cívicas, numa realidade que confronta os professores, de resto, com uma pluralidade de funções que não lhes compete assumir; ou a ausência de condições para melhorar o processo de ensino/aprendizagem, favorecendo a opção por alencar um conjunto de medidas disciplinares e sancionatórias.Afasta-se o carácter preventivo e formativo para se apostar uma vertente correctiva e punitiva.Prevê-se deveres dos estudantes que são sancionados com dois tipos de medidas - umas ditas sancionatórias e outras preventivas. A este propósito basta lembrar que uma das medidas integradoras é a transferência da escola! As sanções, essas, poderão ir até à expulsão.Esta Proposta de Lei fala de vários representantes dos estudantes como os delegados de turma, mas pura e simplesmente omite as Associações de Estudantes. O direito de associação é uma conquista histórica no nosso País, que os estudantes vivem e constroem todos os dias nas escolas portuguesas. Sobre isto, o diploma nada diz.Como também nada diz sobre o Estatuto do Dirigente Associativo, ou o Estatuto do Trabalhador-Estudante. Aspectos fundamentais da realidade - e dos direitos - dos estudantes portugueses, sobre os quais o articulado é absolutamente omisso.De resto, registe-se a necessidade que o Governo sentiu de deixar explicitamente prevista na lei a proibição de punições que sejam ofensivas, fisicamente ou moralmente. Com um tal expediente punitivo, é natural a preocupação de refrear alguns espíritos mais entusiásticos que possam, em excesso de zelo, defender "alguns safanões a tempo".Devem de facto merecer atenção e reflexão as afirmações, já referidas, da Senhora Adjunta da Secretária de Estado, agora demissionária. O recuo de 70 anos a que ela fez referência não é certamente a resposta a dar a quem hoje diz com saudade "no meu tempo é que era bom".Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, Senhores Membros do Governo,A "filosofia da exigência" proclamada pelo Governo regista com este diploma a aplicação perversa que sempre recusámos: a exigência é colocada às comunidades educativas e só a elas; as medidas políticas de fundo que combatam a raiz dos problemas do sistema educativo, essas, não existem.Porque a raiz dos problemas do sistema educativo, voltamos a afirmar, está no abandono escolar, no insucesso na escola, na exclusão de que ela é palco. E enquanto essas razões de fundo não forem combatidas, não há regime draconiano ou disciplina sumária que resolva o actual problema. Pelo contrário: a visão limitada e redutora deste prisma só contribuirá para agravar as já hoje graves e preocupantes situações de exclusão e afastamento dos estudantes que se verifica hoje nas escolas.O diploma agora apresentado pelo Governo faz opções. Escolhe a tomada de medidas que acabarão, por este andar, por fazer da Escola um espaço de segregação e penitência.Pela parte do PCP, há muito que fizemos também a nossa opção. Porque ela é inerente ao projecto de desenvolvimento social que defendemos. E a nossa opção é por uma escola enquanto espaço de pedagogia e socialização, de fruição e desenvolvimento humano. De superação das desigualdades e promoção da solidariedade.

  • Educação e Ciência
  • Assembleia da República
  • Intervenções