Intervenção de

O Estado da Nação - Intervenção de Jerónimo de Sousa na AR

 
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Debate sobre O Estado da Nação

 

Senhor Presidente,
Senhores Deputados:

O traço mais marcante da nossa vida colectiva é o da continuação de uma preocupante e persistente crise económica e social que se continuou a agravar neste quase dois anos e meio de governo do PS.

Na verdade o país é hoje mais desigual e mais injusto do que o era em 2005 quando este governo tomou posse.

No que era importante e decisivo avançar, o país e os portugueses continuaram a marcar passo e nalguns casos a andar para trás, batendo novos recordes de regressão social.

Novo recorde de desemprego com a elevadíssima taxa de 8,4%.

Há muitos anos que o desemprego não atingia tal valor.

Novo recorde no desemprego de longa duração que não pára de crescer e que atinge hoje mais de 50% dos desempregados, enquanto os jovens com menos de 25 anos são já quase 100 mil os que não conseguem um emprego.

A emigração é agora novamente a saída para milhares de portugueses. Só não é feito a "salto" como antes de Abril, mas muitos fazem-nos e trabalham em condições deploráveis.

Novo recorde de aumento da precariedade das relações de trabalho.

No último ano mais de 12,6% dos trabalhadores ficaram nesta situação e já são mais de um milhão e duzentos mil trabalhadores que têm vínculos precários.

Com o actual governo, Portugal consolida-se no pódio dos países da União Europeia com mais precariedade.

Novo recorde no ataque aos salários e aos rendimentos do trabalho.

Portugal que já era o país da União Europeia com a maior desigualdade na distribuição do rendimento, com o actual governo consolidou essa triste liderança com a redução dos salários reais, em 2006.

Novo recorde no endividamento das famílias, enquanto se degrada o poder de compra da generalidade da população em resultado da acção conjugada do agravamento dos impostos dos bens de consumo popular e do aumento inaceitável dos bens e serviços essenciais.

Endividamento que conhecerá novo agravamento à medida que se impõe o sistemático aumento das taxas de juro que o actual governo não só aplaude, como inexplicavelmente se assume como defensor do fundamentalismo monetarista do Banco Central Europeu.

Tudo isto apesar de Portugal pagar uma das mais altas taxas de juro da zona euro e apresentar as maiores dificuldades de retoma da sua economia.

Ninguém foi tão longe, como o foi o governo português, no ataque às reformas e às pensões com a sua contra-reforma da Segurança Social.

Os trabalhadores vão ter que trabalhar mais tempo e receber uma reforma mais pequena.

A prazo menos 20% segundo o Banco de Portugal, menos 30% segundo a OCDE.

Ninguém foi tão longe no ataque às funções sociais do Estado, nomeadamente aos direitos à saúde e à educação.

Os portugueses têm hoje mais dificuldades na acessibilidade aos serviços de saúde com a política de encerramentos e de aumento dos custos para as famílias.

Custos que já hoje atingem mais de 30%, enquanto se subalterniza o SNS para abrir espaço ao negócio da saúde sob o comando dos grandes grupos económicos.

Na educação vivemos um tempo marcado pela mais vasta ofensiva contra a Escola Pública, pelo mais forte ataque aos direitos dos professores e estudantes e mais recentemente atinge também o Ensino Superior e a sua autonomia.

São estes os resultados de uma governação que vai já a mais de meio do seu mandato e não tarda chega ao fim deixando o país pior que o encontrou, com agravados problemas de injustiça social, mais assimétrico no plano regional, menos solidário e sem ter resolvido nenhum dos grandes problemas estruturais do país. 

É esta a verdadeira natureza de uma esquerda que se diz moderna, mas que põe a andar para trás a roda da história dos direitos civilizacionais.

Esquerda que se apresenta como paladina da modernidade, mas que inevitavelmente alimenta o sonho da direita dos negócios que aspira ao regresso ao originário capitalismo do poder absoluto do dinheiro e de um mundo do trabalho sem direitos sociais e laborais cujo o exemplo acabado é a proposta ultramontana das Confederações Patronais que já propõe que se rasgue a Constituição Laboral.

É este governo que rivaliza, (diz agora, sem complexos), na conquista do título de campeão dos campeões da política de direita em Portugal ao perspectivar também um dos mais graves ataques de sempre aos direitos laborais dos trabalhadores com a chamada flexigurança. Iniqua medalha esta para o PS!

Aqui ouvimos o senhor Primeiro Ministro a falar de diálogo e concertação mas o que se propõe é a guerra aberta a direitos fundamentais dos trabalhadores.

Propostas que visam facilitar os despedimentos, liberalizar os horários de trabalho, permitir a redução dos salários, atacar o direito às férias, fragilizar a contratação colectiva, os sindicatos e a organização dos trabalhadores em geral com o claro objectivo de desregulamentar e precarizar ainda mais as relações de trabalho.

São estas as soluções de uma política que estende o tapete vermelho das facilidades aos grandes interesses económicos e financeiros.

O tapete vermelho por onde passam os seus escandalosos lucros e os impostos pagos a taxas reduzidas, enquanto o país que trabalha vive pior e se lhes reserva uma vida de crescentes sacrifícios.

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

Mas se a situação social é grave em resultado das opções políticas deste governo, a situação económica do país continua na senda da apatia e do marasmo. Seria demolidor fazer o levantamento dos planos, programas anunciados aqui desta tribuna e não cumpridos.

Não são apenas os trabalhadores que são vítimas de uma política que teima em reproduzir, no essencial, as soluções da ortodoxia neoliberal e monetarista, erigida obstinadamente em orientação inquestionável e única, é o país no seu conjunto.

Política que se mostra cada vez mais incapaz de inverter a inquietante evolução económica destes últimos anos e defender os sectores produtivos nacionais - a nossa agricultura, as nossas pescas, a nossa industria.

Primeiro porque o saneamento financeiro das contas públicas realizado de uma maneira cega e segundo as absurdas regras do Pacto de Estabilidade continuam a travar a economia, acentuando as dificuldades para milhares de micro, pequenas e médias empresas.

Em segundo lugar porque a sua política deixou em roda livre e em posição privilegiada de domínio monopolista os sectores vitais que são essenciais para assegurar a competitividade da economia do país.

Os exemplos dos esbulhos são inúmeros e o mais recente é o dos combustíveis e da energia.

O preço do barril de petróleo desce e a gasolina e do gasóleo sobem.

Os custos da energia eléctrica e do gás continuam a arruinar as empresas portuguesas e o bolso dos consumidores.

É assim que se favorece a centralização e a concentração da riqueza à custa do país.

Marcamos passo no crescimento económico e no investimento.

As perspectivas de crescimento para o presente ano, segundo o Banco de Portugal, vão ficar-se por um modesto 1,8% do PIB.

O panorama que se apresenta é a continuação do caminho da divergência em relação à média da União Europeia.

O governo promete agora a convergência para 2009, mas é sempre, sempre lá mais para a frente!

O investimento que era decisivo para relançar a economia continua sem inverter a tendência recessiva que se prolonga há demasiado tempo, sempre à espera dos grandes investimentos prometidos e copiosamente anunciados, como instrumentos de propaganda.

A dívida externa continua a crescer a olhos vistos e atinge já 80% do PIB.

Esta é a verdadeira expressão de uma política que condena à ruína que os seus sectores produtivos, promove a crescente substituição da produção nacional pela estrangeira e inflaciona o sector financeiro.

O país em vez de ter uma política económica e monetária ao serviço do crescimento e do emprego, continua a trilhar o caminho da ampliação dos factores recessivos, nomeadamente com os brutais cortes no investimento público, a contracção do mercado interno e o aumento dos impostos, sempre em nome do sacrossanto desígnio do combate ao défice. 

Podemos, por este andar e de tanto cortar no investimento e nos direitos sociais ter, em 2010, um défice zero nas contas públicas, mas também uma economia arruinada e cada vez mais destroçada e subalterna. 

O governo português face às crescentes dificuldades do país em vez de pugnar por uma revisão do Pacto de Estabilidade e dos Estatutos e objectivos do Banco Central Europeu visando a criação de condições para relançar a economia, promover o crescimento e o emprego e mudar o rumo às actuais políticas, como o temos defendido e na prática a França o faz hoje, arvora-se em guardião do templo, bramindo ameaças ridículas e fazendo costas com os mais empedernidos defensores das cegas e absurdas regras e orientações de tais instrumentos.

Posição incompreensível vinda de um país altamente prejudicado e crescentemente manietado no seu desenvolvimento. Mais do que nunca se tornou necessário abrir este debate com urgência.

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

O país tem vindo a assistir com mais visibilidade nos últimos tempos ao acentuar dos comportamentos antidemocráticos a partir do poder governamental e das suas ramificações.

Esta é uma ofensiva que, a par da restrição acentuada dos direitos sociais mais elementares, se traduz num cada vez mais ostensivo e frequente exercício dos poderes públicos de forma partidarizada e arbitrária.

O Governo quer avançar na limitação dos direitos de actividade sindical, tenta condicionar o exercício do direito à greve, como ainda recentemente na Greve Geral convocada pela CGTP, dá orientações de tal forma restritivas que conduzem às chocantes e aberrantes decisões de juntas médicas na aposentação extraordinária e nem se coíbe de mandar identificar manifestantes que protestam contra o Primeiro-ministro ou vigiar de forma ilegal e que continua a não estar esclarecida os dirigentes das associações militares.

Mas este é também o Governo que, ao mesmo tempo e tal como os anteriores, coloniza a administração pública a partir do seu aparelho partidário, mantendo a nomeação como regra e o concurso como excepção.

É por ter uma política de direita, anti-social, que o Governo lança mão de inaceitáveis meios e instrumentos para condicionar quem se opõe, quem protesta e quem luta contra as suas medidas. Atacada a democracia social, económica e cultural fácil e perigosamente se passa ao ataque da democracia política.

Senhor Primeiro Ministro

Parafraseando o cantor, hoje é o primeiro dia do resto do seu mandato.

Sabemos que este debate resultará muito daquilo que o Governo quer que resulte; hoje e amanhã veremos e leremos o que o Governo quer que se oiça e leia desfocando a realidade e os verdadeiros problemas nacionais.

Enquanto nega a esperança e mina a confiança, delas falará em nome de um amanhã que continuará adiado e comprometido se persistir nesta errada e injusta política.

Temos hoje um País mais injusto, menos seguro e menos democrático!

E ao contrário do que pensa inquieta-nos que seja um Governo do PS a fazê-lo!

Porque não há-de ser sempre assim, nós temos uma outra esperança e confiança.

A que não fica à espera, a que reside na aspiração e na luta por uma vida melhor para o país e para os portugueses!

Lá estaremos sempre!

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