Declaração de Miguel Tiago, Deputado, Conferência de Imprensa

"A estabilidade do sistema financeiro é um bem público, do qual dependem a estabilidade da própria economia e as políticas de crédito"

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Da Comissão de Inquérito sobre a gestão do BES e do GES, o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português retirou as suas próprias conclusões, sem as limitações do Relatório aprovado com os votos favoráveis do PSD, PS, CDS e abstenção do BE. Essas conclusões, que no plano político ultrapassam em muito as conclusões apontadas nesse documento, vão também muito além da reflexão dos restantes partidos no que toca às soluções que se podem apresentar como resultado dos trabalhos da Comissão.

O Parlamento já acompanhou, além do colapso do BES, e em alguns dos casos também com Comissões de Inquérito, o caso BPN, BPP, BCP, Banif e em todos esses casos, os grupos parlamentares de PS, PSD e CDS não hesitaram em afirmar que problemas como os que se passaram não poderão repetir-se. Contudo, mais não fazem senão repetir esse compromisso, colapso após colapso. O PCP assume desde há muito que só o controlo público da banca pode constituir o primeiro passo para pôr fim à instabilidade do Sistema Financeiro que o país tem vindo a sentir e pela qual tanto tem vindo a pagar, com os injustos e ilegítimos sacrifícios impostos aos portugueses pelos sucessivos Governos.

No seguimento da Comissão de Inquérito, ou de forma interligada entre os trabalhos da Comissão e outras iniciativas parlamentares, o Grupo Parlamentar do PCP apresentou já várias iniciativas legislativas, de que podemos destacar o projecto apresentado para a nacionalização do Grupo Espírito Santo Saúde, o projecto de resolução para a constituição de uma unidade técnica para apuramento dos beneficiários finais dos fluxos financeiros que lesaram o BES; dois projectos de lei que visam pôr fim, proibindo ou limitando as transferências e relações comerciais e profissionais com paraísos fiscais e jurisdições não cooperantes.

O projecto para apuramento dos beneficiários foi rejeitado pelo PSD e CDS e abstenção do PS.

As duas últimas iniciativas, de resto, baixaram à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, onde aguardam discussão conjunta com as iniciativas resultantes do debate que se realizará a 29 de Maio.

Além destas quatro iniciativas apresentadas anteriormente, o PCP levará a debate no dia 29 três outras iniciativas legislativas:

i. Um projecto de resolução que determina a imobilização de todos os activos dos grandes accionistas do GES e do BES, bem como dos membros do Conselho Superior a par da reversão dos processos de alienação de activos que compunham o Grupo, tal como a ES Saúde, a Tranquilidade e o impedimento das previstas vendas.

ii. Um projecto de lei que fixa novas regras para o trabalho das auditoras externas, impedindo que funcionem simultaneamente como consultoras e auditoras, que funcionem como reservatório e instituto de formação de quadros para a banca e ao mesmo tempo que determina a constituição de um corpo próprio de auditores do BdP para a realização de auditorias de supervisão e forenses em alternativa à contratação externa, impedindo mesmo a contratação externa no caso das auditorias forenses.

iii. Um Projecto de Resolução que fixe como objectivo o controlo público da Banca comercial, a concretizar pelos meios que venham a revelar-se mais adequados, garantindo que a banca comercial cumpre os rácios de capital necessários para satisfação dos seus compromissos, e igualmente assegurando a segregação de activos tóxicos ou sobreavaliados, créditos sem garantia ou concedidos sem avaliação de risco, e outros activos que podem constituir na verdade perdas da banca.

Qualquer ideia de que é possível disciplinar a banca privada e a avidez dos grandes grupos económicos não responderá às necessidades e não terminará a farsa que é o sistema de supervisão.

Tal como até aqui o PCP vem afirmando, e como a Comissão de Inquérito ao BES e GES demonstra com particular clareza, a estabilidade do sistema financeiro é um bem público, do qual dependem a estabilidade da própria economia e as políticas de crédito. Essa estabilidade é demasiado importante para o povo e o país para que possa ser confiada às mãos e ao carácter de um ou outro indivíduo. O prejuízo público assumido com resgates, resoluções, recapitalizações ou outras ajudas a bancos não é compensado com nenhum benefício que resulte da propriedade privada da banca. Ao mesmo tempo, a sucessiva tentativa de limitar as práticas da banca, adicionando camadas e camadas de uma falsa supervisão mais não faz senão tornar a banca-sombra um mundo paralelo cada vez mais significativo.

Concretizar o controlo público para pôr fim aos desmandos e aventuras da banca privada, acabar com a predação que o capital bancário tem feito sobre o trabalho e a produção, são passos fundamentais para pôr fim aos custos públicos que temos vindo a assumir. Mas mais do que isso, a realidade demonstra também que só será possível construir uma política alternativa, ao serviço do povo e do país, se, a par de outros instrumentos, o crédito e o dinheiro forem geridos de acordo com o interesse colectivo. Só com esse instrumento, aliado a uma renegociação dos prazos, montantes e juros da dívida; a uma política fiscal que tribute com mais justiça o grande capital e alivie os trabalhadores e o povo; a um controlo público de outras alavancas da economia e à assumpção de uma verdadeira política de defesa e afirmação da soberania nacional enquanto manifestação concreta da democracia; se poderá criar as condições para aumentar a produção nacional, valorizar salários e pensões, garantir serviços públicos gratuitos e de qualidade acessíveis a todos em todo o território nacional.

O controlo público da banca é um passo fundamental, não apenas por ser necessário para travar as aventuras privadas e a socialização dos seus prejuízos, mas também porque a urgência de uma ruptura política assim exige.

Disse.

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