Projecto de Lei N.º 387/XIV/1.ª

Estabelece um regime excepcional no arrendamento habitacional e não habitacional no caso de comprovada diminuição de rendimento

Exposição de motivos

A Constituição da República e a Lei de Bases da Habitação são claras no que se refere à incumbência do Estado em garantir “habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar”.

A posição do PCP é clara: o direito constitucional à habitação é para cumprir e defender. E particularmente nesta altura, em que o País se confronta com a pandemia COVID-19 e com as implicações graves que dela decorrem para a vida dos portugueses, assume uma importância ainda maior a adoção das medidas que sejam necessárias para defender as populações.

No âmbito da legislação específica, neste contexto, entrou em vigor a Lei n.º 4-C/2020, de 6 de abril, que, na sequência da proposta do Governo, estabeleceu regime excecional para as situações de mora no pagamento da renda devida em contratos de arrendamento urbano. A Portaria 91/2020, de 14 de abril, e um regulamento do IHRU definem os termos de acesso ao referido regime.

Através desta legislação foi estabelecida a concessão de um empréstimo sem juros, a prestar pelo IHRU, com um período de carência máximo até ao final de 2020. O valor do empréstimo, a prestar quando os rendimentos do arrendatário sofram uma quebra superior a 20%, corresponde à diferença entre o valor da renda mensal devida e o valor resultante da aplicação ao rendimento do agregado familiar de uma taxa de esforço máxima de 35 %. O reembolso será feito em 12 prestações mensais, pagas juntamente com a renda de cada mês.

O processo burocrático, definido em regulamento do IHRU, evidenciou problemas burocráticos e dificuldades várias, exigindo um conjunto de documentos, de via eletrónica, que muitos inquilinos e senhorios de menores recursos terão dificuldade em obter. Mas para além da regulamentação demasiado burocrática, importa referir que a Lei nº 4-C/2020 se limita a empurrar para um destino incerto o futuro de milhares de inquilinos que, se agora têm dificuldade em pagar a renda, muito possivelmente não terão, daqui a uns meses, maior facilidade para pagar a renda acrescida da dívida correspondente ao empréstimo.

Recorde-se que, aquando da discussão da proposta de lei do governo que está na origem da Lei nº 4-C/2020, o PCP apresentou um vasto conjunto de propostas de alteração. Dessas constava, para os arrendatários, a redução dos valores de renda em igual percentagem da redução dos seus rendimentos. O diferencial seria subsidiado pelo Estado diretamente ao senhorio. Para evitar subsidiar valores especulativos de renda, o subsídio era concedido apenas nos casos em que a renda anual fosse igual ou inferior a 1/15 avos do valor patrimonial tributário atual ou até esse valor nas rendas superiores a 1/15 avos.

As propostas do PCP foram rejeitadas pelos votos contra do PS, PSD, CDS-PP e PAN e a abstenção do IL e CH. Ora, sendo uma evidência que a Lei 4-C/2020 apenas adiou uma grande vaga de despejos, impõe-se a necessidade de retomar e alargar o âmbito das propostas do PCP neste sentido.

Assim, quanto às rendas, ao seu valor e ao seu pagamento, importa sublinhar que as situações de perda de rendimentos por parte do inquilino devem ser respondidas não com a acumulação de dívida para o inquilino pagar mais tarde, mas sim com a redução proporcional do valor da renda.

Ou seja, se o inquilino perde rendimento, deve pagar menos renda – e o senhorio deve ser compensado pelo Estado no valor correspondente. É esta a solução mais justa, e é a proposta do PCP. Estabelecendo o limite dos montantes da renda em função do valor do imóvel, evita-se que o Estado possa subsidiar rendas especulativas.

Quando se trate de habitações do IHRU, propomos que os moradores possam desencadear a reavaliação do valor das rendas em caso de perda de rendimentos ou situação de desemprego. Para além dessa forma de reduzir os encargos, propomos ainda o alargamento do prazo de pagamento das rendas em geral; e a possibilidade de suspensão do pagamento no caso do IHRU, que nessas situações desenvolve um plano de pagamentos no limite de 36 meses.

Trata-se de propostas concretas e construtivas do PCP, que visam contribuir para a defesa das populações, principalmente das mais vulneráveis face ao impacto da pandemia no plano social, nesta questão central para a vida das pessoas que é o direito à habitação.

Assim, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República Portuguesa e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo-assinados, do Grupo Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei estabelece um regime excecional no pagamento de renda devida nos termos de contratos de arrendamento urbano habitacional e não habitacional, atendendo à situação posterior decorrente da declaração do estado de emergência e desde que seja comprovada a diminuição de rendimento.

Artigo 2.º

Âmbito territorial

A presente lei é aplicável em todo o território nacional.

Artigo 3.º

Universo de aplicação

  1. No caso de arrendamentos habitacionais, a presente lei é aplicável:
    1. Nos casos abrangidos pelo regime excecional para as situações de mora no pagamento da renda devida nos termos de contratos de arrendamento urbano habitacional previsto na Lei n.º 4-C/2020, de 6 de abril;
    2. Nos casos em que seja comprovada situação de desemprego, despedimento ou quebra de rendimento superior a 20% do rendimento do agregado familiar do arrendatário face aos rendimentos do mês fevereiro do corrente ano ou do período homólogo ao ano anterior, atendendo à situação epidemiológica provocada pela doença COVID-19 e cuja demonstração é efetuada nos termos de portaria a aprovar pelo membro do Governo responsável pela área da habitação.
  2. No caso de arrendamentos não habitacionais, a presente lei é aplicável:
    1. Às micro e pequenas empresas e empresários em nome individual que se encontrem em situação de crise empresarial, definida como tal nos termos legalmente previstos, atendendo à situação epidemiológica provocada pela doença COVID-19;
    2. Aos contratos titulados por associações desportivas, culturais, sociais ou recreativas que se encontrem em situação de crise e impedimento de desenvolver as atividades que lhes são atribuídas no respetivo estatuto.

Artigo 4.º

Moratória no pagamento das rendas habitacionais e não habitacionais

  1. É prolongado até ao dia 30 de cada mês o período de pagamento das rendas habitacionais ou não habitacionais.
  2. Nos casos de redução comprovada de rendimentos dos inquilinos habitacionais nos termos do artigo anterior, é aplicada, a pedido do inquilino, uma redução de igual percentagem nas respetivas rendas, sendo o diferencial subsidiado pelo Estado diretamente ao senhorio.
  3. O subsídio previsto no número anterior apenas é concedido aos senhorios cujas rendas sejam iguais ou inferiores a 1/15 do Valor Patrimonial Tributário atual do locado ou até esse valor nas rendas superiores a 1/15.
  4. No caso de redução ou paralisia das atividades económicas, sociais ou culturais, aplicam-se, com as necessárias adaptações, as regras estipuladas nos n. ºs 2 e 3 para o arrendamento habitacional.
  5. A demonstração da quebra de rendimentos é efetuada nos termos de portaria a aprovar pelo membro do Governo responsável pela área da habitação.

Artigo 5.º

Apoio

  1. Os arrendatários habitacionais, bem como, no caso dos estudantes que não aufiram rendimentos do trabalho, os respetivos fiadores, que tenham, comprovadamente quebra de rendimento nos termos previstos na presente lei para os arrendatários, e se vejam incapacitados de pagar a renda das habitações que constituem a sua residência permanente, podem solicitar ao Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, I.P. (IHRU, I.P.) a moratória referida no artigo 4.º.
  2. Os senhorios habitacionais que tenham, comprovadamente, quebra de rendimentos nos termos previstos na portaria referida no n.º 5 do artigo 4.º, cujos arrendatários não recorram ao IHRU, I.P., nos termos da presente lei, podem solicitar ao IHRU, I.P., a concessão de um empréstimo sem juros para compensar o valor da renda mensal, devida e não paga, sempre que o rendimento disponível restante do agregado desça, por tal razão, abaixo do IAS.
  3. As moratórias e os empréstimos a que se referem os n.ºs 3 e 4 do artigo 4.º e os n.ºs 1 e 2 do presente artigo, são concedidos pelo IHRU,I.P., ao abrigo das suas atribuições, em particular da competência prevista na alínea k) do n.º 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 175/212, de 2 de agosto, na sua redação atual, e têm , como primeiras fontes de financiamento, as verbas inscritas no seu orçamento para 2020 provenientes da consignação de receita de impostos sobre o rendimento e, se necessário, das verbas a transferir para o IHRU,I.P., pela Direção-Geral do Tesouro e Finanças no âmbito de politicas de promoção de habitação, financiadas por receitas de impostos inscritas no capítulo 60, ambas nos termos previstos na lei que aprova o Orçamento do Estado para 2020, bem como nos saldos transitados do Programa SOLARH, criado pelo Decreto-lei n.º 39/2001, de 9 de fevereiro, na sua redação atual.
  4. O Regulamento a ser elaborado pelo IHRU,I.P., com as condições de concessão da moratória, atendendo à urgência e ao seu especial fim, produz todos os seus efeitos a contar da data da sua divulgação no Portal da habitação, na sequencia de aprovação pelo conselho diretivo do IHRU,I.P, sujeita a homologação do membro do Governo responsável pela área da habitação.

Artigo 6.º

Deveres de informação

Os arrendatários que se vejam impossibilitados do pagamento da renda têm o dever de informar o senhorio, por escrito, até cinco dias antes do vencimento da primeira renda em que pretendem beneficiar do regime previsto, juntando a documentação comprovativa da situação, nos termos da portaria a que se refere o n.º 5 do artigo 4.º.

Artigo 7.º

Pagamento das rendas dos fogos do IHRU, I.P.

  1. Os arrendatários que preencham os requisitos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 2.º, podem requerer a suspensão do pagamento das rendas dos fogos do IHRU- Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, I,P..
  2. O IHRU, I.P. apresenta a cada arrendatário um plano de pagamento por 36 meses das rendas devidas no período da suspensão, bem como dos pagamentos decorrentes de dívidas passadas, sendo que o inquilino não pode ser onerado por quaisquer juros ou penalização.
  3. Sem prejuízo do número anterior, os arrendatários podem a todo o momento solicitar a reavaliação do valor da renda por motivo fundamentado, designadamente devido a quebra de rendimento ou situação de desemprego.

Artigo 8.º

Regime extraordinário de proteção dos arrendatários

Até à cessação da situação dos arrendatários abrangidos na presente lei, fica suspensa:

  1. A produção de efeitos das denúncias de contratos de arrendamento habitacional e não habitacional efetuadas pelo senhorio;
  2. A caducidade dos contratos de arrendamento habitacional e não habitacional, salvo se o arrendatário não se opuser à cessação;
  3. A produção de efeitos da revogação, da oposição á renovação de contratos de arrendamento habitacional e não habitacional efetuadas pelo senhorio;
  4. O prazo indicado no artigo 1053.º do Código Civil, se o término desse prazo ocorrer durante o período de tempo em que a situação do arrendatário se mantiver;
  5. A execução da hipoteca sobre imóvel que constitua habitação própria e permanente do executado.

Artigo 9.º

Aplicação da lei no tempo

A presente lei é aplicável às rendas vencidas a partir do dia 1 de abril de 2020.

Artigo 10.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

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