Intervenção de Agostinho Lopes na Assembleia de República

Estabelece o regime jurídico a que fica sujeita a atividade de comércio a retalho não sedentária exercida por feirantes e vendedores ambulantes, bem como o regime aplicável às feiras e aos recintos onde as mesmas se realizam

(proposta de lei n.º 85/XII/1.ª)
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
As feiras e os feirantes são um assunto sério.
Infelizmente, para muitos portugueses, desempregados pela política de direita de sucessivos governos PSD, CDS e PS, ser feirante transformou-se, muitas vezes, na porta estreita e única de uma estratégia de sobrevivência.
Mas, qualquer que seja a razão — e há dinastias familiares de feirantes —, o exercício da atividade de feirante é merecedor de toda a dignidade e respeito a que o trabalho humano, passo o pleonasmo, tem direito, particularmente por ser realizado, tantas vezes, em condições bem penosas e bem duras, nos limites da sobrevivência.
Não é assim de aceitar qualquer achincalhamento desta atividade, como sucedeu da parte do CDS, no debate de urgência sobre a renegociação da dívida requerido pelo PCP, a 1 de maio, e relativamente ao qual não tive, na altura, oportunidade de dar resposta.
Os profissionais das feiras não devem ter direito a sorrisos e a palmadinhas nas costas apenas nas campanhas eleitorais.
A proposta de lei n.º 85/XII merece o nosso apoio, na generalidade. E, lamentando que «traga à boleia» a diretiva Bolkestein, esperamos que, na especialidade, haja oportunidade para considerar algumas questões, como, por exemplo, a avaliação das propostas das estruturas associativas de feirantes e da Associação Nacional de Municípios Portugueses.
Em todo o caso, queria fazer três anotações, Sr. Secretário de Estado.
A primeira, para manifestar estranheza por, tendo esta regulamentação merecido, e bem, o estatuto de uma abordagem pela Assembleia da República, através de uma proposta de lei, o mesmo não tenha sucedido relativamente à atividade de comércio por grosso exercida de forma não sedentária — não diria que são as mesmas, mas são atividades muito próximas.
A segunda, para anotar o tratamento de segunda categoria que é dado à presença dos pequenos e médios agricultores, produtores diretos, nas feiras. É, no mínimo, infeliz a abordagem dada ao pequeno produtor agrícola no artigo 20.º, limitando o exercício desta atividade a razões de subsistência. É a exclusão, o tratamento discriminatório dos que estão na base histórica da criação das feiras: os agricultores que as fundaram há séculos. As feiras que estão no centro do desenvolvimento de muitas das nossas mais antigas cidades e vilas.
Srs. Deputados, quem conhece as feiras de Barcelos ou de Ponte de Lima (e muitas mais poderíamos referir), sabe que não estamos a falar apenas de um evento económico. Mesmo se hoje estão descoloridas pela ausência das feiras de gado, elas são um valioso acontecimento cultural e social e cada vez mais um importante produto turístico, lugares de encontro e convívio e, até crescentemente, espaços cívicos e políticos. E muita da sua beleza, vivacidade e força comercial é-lhes dada pela presença dos produtores agrícolas como feirantes da sua produção e não apenas no lugar de clientes.
Para o PCP, não é aceitável que este importante grupo de operadores de parte significativa das nossas feiras não esteja no corpo da regulamentação com um estatuto idêntico ao dos outros feirantes.
A terceira anotação, para apelar ao Governo que, no pleno respeito pela autonomia das juntas e dos municípios na organização e no desenvolvimento das feiras, no quadro da regulamentação nacional, tome as medidas necessárias, inclusive proporcionando os meios financeiros necessários, para ajudar a melhorar as infraestruturas e criar boas condições para o exercício da atividade de feirante, porque essa é também uma forma de dignificar e respeitar essa atividade.

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