Projecto de Lei N.º 259/XII/1.ª

Estabelece o regime jurídico e o estatuto profissional da atividade de guarda-noturno

Estabelece o regime jurídico e o estatuto profissional da atividade de guarda-noturno

Exposição de motivos

Os guardas-noturnos prestam um serviço público de grande importância e valor social. A existência de uma rede adequada de guardas-noturnos pode ser um elemento complementar relevante para melhorar o sentimento de segurança dos cidadãos. Não se pretende que os guardas-noturnos se substituam às forças de segurança, nem no estatuto, nem nas competências, nem nos poderes de autoridade, nem nos meios e capacidade de intervenção. Porém, a vigilância preventiva e o apoio direto aos cidadãos a realizar pelos guardas-noturnos representam, sem dúvida, uma mais-valia que não se deve dispensar, como complemento e em colaboração direta com as forças de segurança.

O Grupo Parlamentar do PCP considera que a atividade de guarda-noturno deve ser dotada de instrumentos jurídicos que clarifiquem os termos em que se exerce e que confira um estatuto legal digno aos profissionais que a exercem.

O presente projeto de lei define a atividade de guarda-noturno como de interesse público, subsidiária e complementar da atividade das forças de segurança, visando a proteção de pessoas e bens. Essa atividade deve ser distinta dos serviços de segurança privada e deve ser exercida a título individual.

A existência de uma rede de serviços de guardas-noturnos não representa qualquer encargo para o Estado ou para as autarquias locais, dado que é unicamente sustentado pela contribuição dos cidadãos e das empresas aderentes ao serviço disponibilizado na respetiva área territorial.

O presente projeto de lei define as atribuições dos guardas-noturnos, os respetivos direitos e deveres e a sua forma de relacionamento com os cidadãos e com as forças de segurança. São também definidos os requisitos de recrutamento para essa função. Na medida em que o guarda-noturno presta um serviço de grande proximidade e em estreita relação com as comunidades locais, deve competir às câmaras municipais definir as áreas de atuação e proceder aos concursos de admissão, de entre os cidadãos que reúnam os requisitos legais para exercer a profissão. Compete entretanto à PSP realizar cursos de formação dirigidos às necessidades específicas desses profissionais, devendo o serviço de guarda-noturno ser realizado em permanente colaboração com as forças de segurança.

Com a presente iniciativa, o Grupo Parlamentar do PCP visa contribuir para melhores condições de segurança e tranquilidade públicas, no respeito pelos direitos dos cidadãos e sem mais encargos para o erário público, e visa ao mesmo tempo a criação de postos de trabalho dignos para centenas de cidadãos disponíveis para prestar um serviço valioso no apoio aos seus concidadãos.

Nestes termos, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do PCP apresenta o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º
Objeto

A presente lei estabelece o regime jurídico da atividade de guarda-noturno e define o estatuto profissional aplicável aos agentes que a exercem.

Artigo 2.º
Definição

1. O guarda-noturno exerce uma atividade de interesse público, subsidiária e complementar da atividade das forças de segurança, visando a proteção de pessoas e bens.

2. A atividade de guarda-noturno é distinta dos serviços de segurança privada e é exercida a título individual, não podendo os guardas-noturnos associar-se com objetivos empresariais.

3. O guarda-noturno subordina a sua atuação ao cumprimento da Constituição e da lei e ao respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.

4. No seu relacionamento com os cidadãos, o guarda-noturno atua no respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé.

Artigo 3.º
Atribuições

1. A atividade de guarda-noturno consiste na realização de operações de caráter preventivo, de ronda e vigia dos arruamentos da área de atuação cuja vigilância lhe tenha sido atribuída pela respetiva câmara municipal nos termos da presente lei, visando a proteção de pessoas e bens, sendo remunerado por contribuições voluntárias de pessoas singulares e coletivas.

2. O guarda-noturno colabora com as forças de segurança, prestando o auxílio que por estas lhes seja solicitado e que se enquadre no âmbito das suas atribuições.
3. O guarda-noturno pode proceder à detenção e entrega imediata, ao órgão de polícia criminal territorialmente competente, de suspeitos de crime punível com pena de prisão, em caso de flagrante delito, nos termos da lei processual penal.

4. O guarda-noturno deve comunicar de imediato ao órgão de polícia criminal territorialmente competente os crimes de que tenha conhecimento no exercício das suas funções ou por causa delas.

5. Em situação de crise ou calamidade pública, os guardas-noturnos devem colaborar com os serviços municipais de proteção civil, se tal lhes for solicitado.

Artigo 4.º
Articulação com as forças de segurança

A atuação do guarda-noturno desenvolve-se em estreita articulação com a força de segurança territorialmente competente, a qual é assegurada pelo respetivo comandante.

Artigo 5.º
Competência territorial

1. A competência territorial do guarda-noturno é limitada pela sua área de atuação.

2. O guarda-noturno só pode atuar fora da sua área em situações de flagrante delito ou de emergência de socorro, em apoio a outros guardas-noturnos territorialmente competentes, em substituição destes, e sempre que autorizado pelas forças de segurança.

Artigo 6.º
Equipamento e armamento

1. O equipamento básico de guarda-noturno inclui cinturão, cassetete, rádio, algemas, apito e armas de defesa pessoal, nos termos da presente lei.

2. A arma de defesa pessoal a usar em serviço pelos guardas-noturnos é da classe B1 e é fornecida pela força de segurança com competência na sua área de atuação.

3. Os guardas-noturnos podem usar em serviço meios de defesa não letais de classe E, nos termos do regime jurídico das armas e suas munições.

4. Os guardas-noturnos podem fazer uso de canídeos adestrados, com observância da legislação aplicável relativamente a este tipo de animais.

5. Os guardas-noturnos só podem fazer uso dos meios de defesa como último recurso, em situações de legítima defesa do próprio ou de terceiros.

6. Fora de serviço, os guardas-noturnos têm direito à aquisição, detenção, uso e porte de arma da classe B1, nos termos do regime jurídico das armas e suas munições.

Artigo 7.º
Uso de viatura

1. Os guardas-noturnos podem usar viatura pessoal em serviço.

2. Os dados da viatura devem ser comunicados à força de segurança territorialmente competente e, quando identificada, considera-se afeta a prestação de socorro e serviço urgente de interesse público.

Artigo 8.º
Regime prisional

Os guardas-noturnos têm direito a um regime prisional idêntico ao do pessoal das forças de segurança com funções policiais.

Artigo 9.º
Deveres dos guardas-noturnos

1. São deveres gerais dos guardas-noturnos:

a) Tratar os cidadãos com respeito e prestar-lhes o auxílio de que careçam;
b) Vigiar a sua área de atuação;
c) Proteger pessoas e bens;
d) Prestar o auxílio que lhes seja solicitado pelas forças de segurança, pelos serviços de proteção civil e pelos seus colegas em caso de necessidade;
e) Frequentar ações de formação e aperfeiçoamento profissional que lhes sejam disponibilizadas;
f) Participar às forças de segurança as ocorrências dignas de registo na sua área de atuação;
g) Comunicar aos órgãos de polícia criminal territorialmente competentes os crimes de que tenham conhecimento no exercício das suas funções ou por causa delas.
h) Usar uniforme e distintivos apropriados.
i) Fornecer a respetiva identificação quando solicitada;
j) Providenciar a respetiva substituição por guarda-noturno de zona contógua sempre que por motivo de força maior não possam comparecer ao serviço.
2. Os guardas-noturnos devem ainda:

a) Apresentar-se nas instalações da entidade policial territorialmente competente no início e no termo do respetivo serviço, onde procedem ao levantamento e à entrega da respetiva arma e onde podem receber e fornecer informações relevantes sobre a situação de segurança na sua área de atuação;
b) Não se ausentar da área onde exerce atividade durante o período de prestação de serviço, salvo por motivos de serviço ou devidamente fundamentados;

Artigo 10.º
Dever de identificação

1. O guarda-noturno é identificado no exercício de funções pelo uso de uniforme e insígnias apropriados.

2. O guarda-noturno deve exibir o respetivo cartão de identificação sempre que tal lhe seja solicitado ou as circunstâncias do serviço o exijam, para certificar a sua qualidade.

3. Os modelos de uniforme, insígnias e cartão de identificação dos guardas-noturnos são aprovados por portaria do Ministro da Administração Interna.

Artigo 11.º
Requisitos de recrutamento

1. São requisitos para o exercício da atividade de guarda-noturno:

a) Ter mais de 21 anos e menos de 65 anos de idade;
b) Possuir a escolaridade obrigatória;
c) Possuir plena capacidade civil;
d) Não ter sido condenado pela prática de crime doloso com pena de prisão superior a 5 anos;
e) Não exercer a atividade de fabricante ou comerciante de armas, munições, engenhos ou substâncias explosivas;
f) Não se encontrar na situação de efetividade de serviço, pré-aposentação ou reserva das Forças Armadas ou de qualquer força ou serviço de segurança.
g) Não ser titular de licença ou alvará destinados à prestação de serviços de segurança privada, nem ser funcionário de segurança privada.
h) Possuir robustez física e perfil psicológico para o exercício das funções.
2. O disposto na alínea f) do n.º anterior não prejudica o acesso à atividade de guarda-noturno por parte de cidadãos que tenham prestado serviço nas Forças Armadas em regime de contrato, desde que não tenham sido afastados por motivos disciplinares.

Artigo 12.º
Delimitação de áreas de atuação

1. A delimitação das áreas de atuação dos guardas-noturnos é efetuada pelas câmaras municipais, ouvidas as juntas de freguesia, os conselhos municipais de segurança se os houver e as forças de segurança territorialmente competentes.

2. A delimitação efetuada pelas câmaras municipais é comunicada ao Ministério da Administração Interna, que promove a respetiva publicação em Diário da República.

3. As câmaras municipais publicitam a delimitação das áreas dos guardas-noturnos do respetivo município da forma que considerem mais adequada.

4. O disposto no presente artigo é aplicável à alteração das áreas de atuação.

5. As juntas de freguesia, as associações de moradores e os guardas-noturnos podem requerer à câmara municipal a criação do serviço de guarda-noturno em determinada zona, bem como a alteração das áreas de atuação existentes.

Artigo 13.º
Concurso de licenciamento

1. A licença para exercer a atividade de guarda-noturno em cada área delimitada é atribuída pela Câmara Municipal nos termos da presente lei.

2. Havendo vagas de guarda-noturno de acordo com as áreas delimitadas, a câmara municipal procede à abertura e à publicitação dos respetivos concursos.

3. Podem apresentar-se a concurso todos os cidadãos que reúnam os requisitos referidos no artigo 11.º.
4. O licenciamento da atividade de guarda-noturno em cada município é feito num único concurso, correspondendo uma vaga por cada área delimitada a preencher.
5. O regulamento e os termos de cada concurso são definidos e publicitados por cada câmara municipal.

Artigo 14.º
Licenciamento

1. O licenciamento para o exercício da atividade de guarda-noturno em cada área de atuação delimitada efetua-se por despacho do presidente da câmara municipal, de acordo com os resultados do concurso referido no artigo anterior.

2. A licença de guarda-noturno é pessoal e intransmissível.

3. Após o licenciamento é permitida a permuta entre áreas de atuação desde que tal seja requerido à câmara municipal por ambos os guardas-noturnos.

4. É igualmente permitida a transferência de um guarda-noturno para uma área de atuação que tenha sido delimitada mas não se encontre preenchida, por decisão da câmara municipal, a requerimento do próprio, ouvidas as forças de segurança territorialmente competentes.

5. As licenças de guarda-noturno são válidas por cinco anos, renováveis.

6. A renovação é requerida à câmara municipal pelo guarda-noturno em funções com pelo menos 30 dias de antecedência em relação ao termo do respetivo prazo de validade.

7. A renovação é indeferida caso se verifique o incumprimento de algum dos requisitos que fundamentaram a atribuição da licença, tendo o interessado o direito de ser ouvido em audiência prévia.

8. Os guardas-noturnos que cessem a atividade devem informar a Câmara Municipal até 30 dias antes dessa ocorrência, salvo se a cessação coincidir com o termo do prazo de validade da licença.

Artigo 15.º
Formação

1. Os comandos distritais, regionais e metropolitanos da PSP organizam, com periodicidade anual, cursos de formação que podem ser frequentados por cidadãos que tenham obtido licenças municipais para o exercício da atividade de guarda-noturno.

2. Os cursos de formação para o exercício da atividade de guarda-noturno são regulamentados por Portaria do Ministério da Administração Interna e devem conter módulos de formação cívica e de formação profissional adequada às exigências da função.

Artigo 16.º
Regime de prestação de serviço

1. A atividade de guarda-noturno é exercida a título individual, em regime de prestação de serviços aos moradores da respetiva área de atuação.

2. A atividade de guarda-noturno é remunerada pelas contribuições voluntárias da respetiva área de atuação.

3. O guarda-noturno passa recibos contra o pagamento e mantém um registo atualizado dos seus clientes.

4. A tributação da atividade de guarda-noturno em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado efetua-se pela taxa mais reduzida.

Artigo 17.º
Tempo de serviço

1. O horário de referência da prestação do serviço de guarda-noturno corresponde a seis horas diárias, a cumprir entre as 22h00 e as 07h00.

2. Após cinco noites de trabalho consecutivo, o guarda-noturno descansa uma noite, tendo direito a mais duas noites de descanso em cada mês, sem prejuízo do direito a férias.

3. O guarda-noturno informa a câmara municipal e a força de segurança territorialmente competente:
a) Do horário efetivo que tenciona cumprir;
b) até ao início da cada mês, das noites em que tenciona descansar;
c) até 31 de março de cada ano, dos dias em que tenciona usar o direito a férias.
4. Sempre que por motivo de força maior o guarda-noturno não possa comparecer ao serviço, deve informar a força de segurança territorialmente competente logo que seja possível.

5. Nas noites de descanso, de férias ou em caso de falta ao serviço, o guarda-noturno é substituído por um guarda-noturno de área contígua, em acumulação.
6. A articulação de serviço entre guardas-noturnos para efeitos de substituição nos termos dos números anteriores é assegurada pelos próprios, em colaboração com a força de segurança territorialmente competente.

Artigo 18.º
Fiscalização da atividade

1. A fiscalização da atividade de guarda-noturno compete às câmaras municipais.

2. As forças de segurança colaboram na fiscalização da atividade de guarda-noturno, devendo comunicar às câmaras municipais as infrações à presente lei cometidas por guardas-noturnos, de que tenham conhecimento.

3. O incumprimento reiterado das obrigações assumidas ou a prática de infração grave no exercício de funções pode implicar a revogação da licença por parte da câmara municipal, após audiência do interessado, sem prejuízo da responsabilidade civil ou criminal que possa ter lugar.

Artigo 19.º
Guardas-noturnos em atividade

1. A entrada em vigor da presente lei não prejudica os serviços de guarda-noturno já existentes desde que se encontrem preenchidos os requisitos legalmente previstos.

2. O guardas-noturnos em atividade mantém as suas áreas de atuação, que não são submetidas a concurso, passando porém a reger-se pelo disposto na presente lei a partir da sua entrada em vigor.

3. Os guardas-noturnos que tiverem 65 ou mais anos de idade deixam de exercer a atividade um ano após a entrada em vigor da presente lei.

Artigo 20.º
Regulamentação

1. Os regulamentos necessários à execução da presente lei são aprovados pelo Governo no prazo de 90 dias após a sua publicação.

2. A delimitação das áreas de atuação dos guardas-noturnos e os regulamentos dos respetivos concursos são aprovados pelas câmaras municipais no prazo de 90 dias após a publicação da regulamentação referida no n.º anterior.

Artigo 21.º
Norma revogatória

São revogadas todas as disposições legais e regulamentares que contrariem o disposto na presente lei.

Artigo 22.º
Entrada em vigor

Sem prejuízo da sua entrada em vigor nos termos gerais. A presente lei só produz efeitos financeiros com a publicação da Lei do Orçamento do Estado posterior à sua aprovação.

Assembleia da República, em 27 de Junho de 2012

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