Intervenção de João Oliveira na Assembleia de República

Estabelece o regime jurídico de criação, organização e funcionamento das associações públicas profissionais

(proposta de lei n.º 87/XII/1.ª)
Sr.ª Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Sr.as e Srs. Deputados:
O PCP reafirma, hoje, neste debate as considerações gerais que fez em 2008 relativamente à criação de ordens profissionais e outras associações públicas profissionais, no debate parlamentar que, aliás, veio dar origem à Lei n.º 6/2008, que hoje se revoga e cujo regime altera.
Reafirmamos, hoje, as posições que, então, assumimos dizendo que não é pela inexistência de determinadas ordens profissionais que existem vazios legislativos. Essa é uma ideia importante que deve ficar clara, tal como também deve ficar clara a afirmação do caráter excecional da criação das ordens profissionais.
A proposta de lei que o Governo apresenta mantém esse caráter excecional da criação das ordens profissionais, que já estava previsto na Lei n.º 6/2008, e consideramos que é relevante que assim seja.
Continuamos a considerar que as ordens profissionais devem ser criadas na medida em que sejam um instrumento adequado a garantir a regulação das profissões por via da autorregulação e apenas quando esse seja o instrumento mais adequado a garantir esse objetivo.
A Lei n.º 6/2008 permitiu, de facto, alguns avanços em relação às matérias das associações públicas profissionais, não tendo, no entanto, conseguido responder de forma eficaz a todos os problemas, particularmente aos problemas centrais que se colocavam neste âmbito, e daí a abstenção do PCP, em 2008.
Porém, estamos, obviamente, abertos a construir agora, neste processo legislativo, um instrumento jurídico que possa responder aos problemas centrais.
Começo por referir aquele que, para o PCP, é o problema central nestas matérias relacionadas com as ordens profissionais: o dos estágios profissionais. É um problema central não só no que diz respeito à duração dos estágios — e em relação a isto a proposta de lei do Governo aponta uma perspetiva de resolução do problema com a fixação do limite máximo dos 18 meses, referido pelo Sr. Ministro da Economia — mas também no que diz respeito à remuneração dos estágios profissionais, que não é abordado na proposta de lei e, portanto, não se aponta uma solução para este problema.
Ora, os estágios profissionais são, hoje, uma via de generalização da precarização do trabalho em Portugal, particularmente por via da obtenção do trabalho não remunerado.
Ora, o PCP entende que é preciso avançar nesta matéria e, Sr. Ministro e demais Membros do Governo, isso significa distinguir aquilo que é diferente, mas tratar igual aquilo que é igual.
Como tal, o PCP apresentará, em sede de especialidade, uma proposta para resolver este problema, partindo de um princípio que julgamos ser central e que pode, de facto, abrir caminho para a sua resolução, que é o de prever a obrigatoriedade de remuneração nos estágios profissionais quando a frequência do estágio implique uma prestação de trabalho. Ou seja, em todos os estágios profissionais cuja realização implica prestação do trabalho, a essa prestação deve corresponder uma remuneração. Quando isso não aconteça, obviamente que a remuneração não deve ser colocada como uma necessidade.
Há um conjunto de outras matérias que gostaríamos de salientar neste debate na generalidade. Julgamos que são matérias que devem e podem ser corrigidas em sede de especialidade, porque se trata de aspetos cuja alteração é, obviamente, possível.
A primeira tem a ver com uma questão que já aqui foi referida, relativa à intervenção disciplinar do Ministério Público. Não nos parece que a possibilidade de o Ministério Público desencadear um inquérito disciplinar ou uma ação disciplinar no quadro das associações públicas profissionais seja uma solução adequada. É, aliás, uma inovação da proposta de lei relativamente à Lei n.º 6/2008 e que, julgamos, não deve ser devidamente considerada, sem prejuízo do controlo jurisdicional e de legalidade dos atos, uma vez que neste caso a responsabilidade é do Ministério Público. É em relação à responsabilidade disciplinar que levantamos essa discordância.
Uma outra questão tem a ver com a previsão de realização de um exame no final do estágio para avaliação de conhecimentos — é também uma inovação desta proposta de lei.
Destaco esta inovação porque ela parece-nos particularmente preocupante, na medida em que pode traduzir um alijamento de responsabilidades, que devem caber ao Governo, para outras instituições que exercem poderes públicos por delegação do Estado.
A obrigação de verificação e de controlo da qualidade do ensino superior, do funcionamento das instituições do ensino superior e da qualidade científica e pedagógica dos cursos de formação superior no nosso País cabe ao Governo, particularmente ao Ministério da Educação, e essa responsabilidade tem de ser assumida nesse nível. Ora, não nos parece uma solução adequada transferir para as associações públicas profissionais a competência de realizarem exames de estágio para avaliar conhecimentos. O objetivo desses exames deve ser a avaliação das competências adquiridas na prática dos atos que corporizam a profissão.
Uma outra questão tem a ver com uma norma que é acrescentada no n.º 6 do artigo 25.º, relativamente às restrições ao acesso e exercício das profissões.
Para além das previsões que já eram feitas na Lei n.º 6/2008, n.os 3 e 4 do artigo 4.º, a proposta de lei abre uma porta, que nos parece perigosa, à possibilidade de serem as ordens e as associações públicas profissionais a regular matérias de restrição ao acesso e exercício das profissões. Ora, parece-nos perigosa essa porta que se abre porque essa é matéria de direitos, liberdades e garantias, definida pela Constituição, que apenas deve estar sujeita à intervenção legislativa e não à intervenção das ordens profissionais. Caso não seja esse o sentido da norma, solicitamos ao Sr. Ministro que clarifique.
Uma outra questão tem a ver com a possibilidade que se abre no artigo 27.º da proposta de lei de as sociedades profissionais poderem ser detidas, geridas e administradas por não profissionais. É certo que com um conjunto de limitações que são traduzidos nas alíneas seguintes, mas a verdade é que esta previsão não constava da Lei n.º 6/2008 nem era uma possibilidade aberta pela mesma lei. Bem sabemos que esta alteração decorre da transposição de uma diretiva comunitária, mas julgamos que é uma má solução — e afirmamo-lo com todas as letras —, que o ordenamento jurídico português não devia aceitar.
Sr.ª Presidente, para terminar, com a sua complacência, coloco uma penúltima questão, que tem a ver com o regime de tutela administrativa, o qual nos levanta algumas dúvidas, por exemplo, quando prevê a homologação tácita dos regulamentos de estágio. É certo que é uma solução que já vem da Lei n.º 6/2008. Nós levantamos dúvidas, tal como o fizemos na altura, porque nos parece que este regime de tutela administrativa previsto na proposta de lei deve ser corrigido e melhorado em alguns aspetos, nomeadamente neste.
Para terminar, Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, refiro a entrada em vigor desta proposta de lei e a sua aplicação a todas as associações públicas profissionais já existentes ou a criar. Este problema já se colocava na Lei n.º 6/2008 e a previsão era a de que se aplicasse apenas àquelas entidades que viessem a ser criadas. Levantámos esse problema na altura, mas não houve disponibilidade para acolher essa preocupação levantada pelo PCP. O Governo vem agora procurar resolver este problema fazendo duplicar a lei a todas as associações públicas profissionais. Parece-nos uma boa decisão.
No entanto, há um problema que tem a ver com os prazos para a entrada em vigor da lei e para adaptar e alterar os estatutos das ordens profissionais de acordo com as disposições legais. O prazo de 30 dias para a lei entrar em vigor quando o processo legislativo parlamentar, na melhor das hipóteses, só poderá iniciar-se ao fim de 90 dias é um problema que tem de ser corrigido e o PCP estará disponível para apresentar propostas de alteração que ultrapassem estes problemas garantindo um processo legislativo tão consensual quanto possível.
Sr.ª Presidente, muito obrigado pela sua condescendência!

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