Projecto de Lei N.º 1080/XIII

Estabelece o regime de recuperação do controlo público dos CTT

Estabelece o regime de recuperação do controlo público dos CTT

Com o passar do tempo, a degradação do serviço postal e a depredação da empresa pelos grupos económicos que se tornaram seus acionistas tem-se tornado evidente e revela com cristalina transparência a sua estratégia: desmantelar progressivamente os recursos da empresa afetos à prestação do serviço postal onde ele é menos rentável, concentrar recursos nos sectores financeiros, com destaque para a aposta no Banco CTT, e nas operações mais lucrativas, assegurar o máximo lucro imediato, mesmo que isso implique a venda de património ao desbarato e o prejuízo das populações.

A realidade aí está a confirmá-lo com o abandono pelos CTT de cada vez mais parcelas do território nacional, quer com o encerramento de dezenas de estações de correios, quer com a distribuição postal cada vez mais irregular e em muitos casos entregue a empresas subcontratadas, quer com a entrega do serviço a comerciantes ou a juntas de freguesia; com o desaparecimento de centros de distribuição postal e a sua maior centralização; com a redução drástica do número de carteiros, a carência de trabalhadores na estrutura e a sobrecarga insuportável dos que restam, com o recurso sistemático a «giros em dobra».

Enquanto as populações são confrontadas com a situação insustentável do serviço postal, as constantes falhas na distribuição, o atraso sistemático do correio, a lentidão e falta de pessoal no atendimento, as medidas tomadas pela administração dos CTT preocupam-se em garantir a distribuição de chorudos dividendos aos seus acionistas.

Os últimos dados disponíveis, referentes ao primeiro semestre de 2018, evidenciaram a dimensão da ofensiva que a gestão privada está a levar a cabo: menos estações de correios; menos 169 trabalhadores, quando comparados com a mesma data do ano anterior; diminuição salarial em termos reais; prosseguimento da destruição de postos de trabalho, constante desde 2012.

Mesmo para a imprensa local e regional, as medidas impostas pelos CTT na recolha e distribuição postal estão a criar problemas graves de condicionamento, risco de perda de assinantes, condições de distribuição cada vez piores.

Apesar da quebra de trafego verificada nos últimos anos, a realidade é que a alteração da tipologia de objetos e o crescimento dos preços acordado com a ANACOM permitiram aos CTT manter as receitas do serviço postal quase inalteradas. A quebra verificada nos resultados da empresa deve-se a um descontrolo dos custos e a opções de gestão que se têm revelado desastrosas.

Neste período, os CTT distribuíram 57 milhões de euros pelos seus acionistas – como a família Champalimaud, grandes bancos europeus ou o fundo abutre norte-americano Blackrock –, um valor que ultrapassa o dobro dos lucros do ano anterior. A Administração dos CTT tem tratado de transferir custos com a rede postal para as autarquias, montando uma operação nacional de chantagem e pressão sobre as autarquias visando obter a sua participação nos custos da rede postal.

A situação é de tal forma gravosa e indisfarçável que a publicação da ANACOM do passado dia 10 sobre a densidade da rede postal e ofertas mínimas de serviços, não deixa dúvidas. A ANACOM refere as denúncias e alertas, das organizações dos trabalhadores dos CTT, de autarquias locais, das regiões autónomas, de partidos ou grupos parlamentares, sobre a situação escandalosa que se está a verificar.

E reconhece os problemas que estão em causa, com «um conjunto de consequências negativas que o encerramento das estações de correios e a consequente necessidade de utilização de postos de correios origina, quer para as populações, quer para o tecido empresarial das zonas afetadas, relacionadas com:

a) as condições necessárias para assegurar a confidencialidade e o sigilo e a proteção da vida privada;
b) a deficiente prestação de serviços postais por falta de formação específica dos colaboradores na área dos serviços postais;
c) maiores irregularidades nos horários de funcionamento;
d) uma menor variedade de serviços disponibilizados, face àqueles que seriam acessíveis numa estação de correios;
e) a acessibilidade para pessoas com mobilidade reduzida;
f) a inexistência, em alguns casos, de prévio entendimento com as autarquias locais levando ao encerramento abrupto de estações de correios.»

Noutra vertente, o número de concelhos sem qualquer estação de correios (que em 2013, ano da privatização, era de zero) já está em 33, sendo, de acordo com a ANACOM, expectável que esse número possa, a curto prazo, atingir os 48 concelhos – mais de quinze por cento da totalidade dos concelhos do país.

Entretanto, assiste-se à delapidação do património da empresa, em particular do património imobiliário, quer com a alienação do edificado que foi e deve ser a base material da rede de estações de correios por todo o território nacional, quer com a venda ao desbarato de património imobiliário histórico e de extraordinário valor (económico, mas também histórico e cultural), para a realização de mais-valias no curto prazo, drenadas em dividendos aos acionistas.

Se não forem tomadas medidas urgentes para a recuperação do controlo público dos CTT e do serviço público postal, o País arrisca-se a chegar a 2020 – ano em que termina o contrato de concessão do serviço público postal à empresa CTT – numa situação em que a empresa foi desmantelada e o Estado não tem qualquer possibilidade de assegurar a prestação do serviço público, ficando completamente nas mãos dos Grupos monopolistas que poderão exigir o pagamento e as condições contratuais que bem entenderem para o fazer.

É imperioso e urgente que o Estado readquira a capacidade e a responsabilidade pela gestão da empresa, para garantir a sua viabilidade futura e para que volte a ter condições para prestar um serviço que o país, as populações e os seus trabalhadores exigem.

Os custos que o País está a suportar com esta privatização reclamam uma avaliação profunda sobre todas as consequências da continuação deste processo, bem como, a identificação das opções e passos a dar visando a recuperação do controlo público da empresa. Assim, o Estado não pode prescindir da empresa CTT para garantir o serviço público postal, sendo de resto inconcebível qualquer opção de entregar essa incumbência a outro grupo económico privado.

A recuperação do controlo público dos CTT é um objetivo cuja concretização deve envolver a ponderação de diversas opções que vão desde a nacionalização, passando pela aquisição, até à negociação com os acionistas dos CTT e outras formas que o possam assegurar. Uma opção possível de ser concretizada em tempo útil para a defesa dos interesses nacionais.

O PCP reafirma: é um imperativo nacional, de soberania, coesão territorial e justiça social, que se inicie o processo de recuperação do controlo e gestão do serviço postal universal por parte do Estado, através da reversão da privatização dos CTT – Correios de Portugal. É esse o propósito desta iniciativa legislativa.

Assim, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República Portuguesa e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo-assinados, do Grupo Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte Projeto de Lei.

Artigo 1.º
Objeto e âmbito
1 - A presente lei estabelece o regime de recuperação do controlo público da empresa CTT – Correios de Portugal, S.A., doravante designada CTT, por motivo de salvaguarda do interesse público.
2 - A recuperação do controlo público referida no número anterior compreende todas as áreas de atividade desenvolvida pela empresa e deve ser realizada de forma a assegurar a continuidade dos serviços prestados, a manutenção dos postos de trabalho e a aplicação a todos os trabalhadores da contratação coletiva vigente, até substituição por outra livremente negociada entre as partes.

Artigo 2.º
Recuperação do controlo público
Para os efeitos previstos na presente lei, considera-se recuperação do controlo público a recuperação integral pelo Estado da propriedade dos CTT, independentemente da forma jurídica que venha a assumir.

Artigo 3.º
Procedimentos, âmbito e critérios
1 - O Governo fica obrigado a adotar os procedimentos necessários à recuperação do controlo público dos CTT, independentemente da forma jurídica de que a mesma se revista.
2 - Na solução jurídica a definir para a recuperação do controlo público dos CTT, o Governo deve considerar, entre outros, critérios que:
a) permitam que a recuperação do controlo público seja realizada assegurando os interesses patrimoniais do Estado e os direitos dos trabalhadores;
b) permitam a defesa do interesse público perante terceiros;
c) assegurem a conformidade dos Estatutos da empresa com critérios de propriedade e gestão pública;
d) assegurem a manutenção do serviço público postal e a sua prestação em condições de qualidade em todo o território nacional;
e) assegurem a transferência integral da posição jurídica dos CTT resultante de atos praticados ou contratos celebrados que mantenham a sua validade à data da recuperação do controlo público, sem prejuízo do exercício do direito de regresso nos termos previstos na presente lei;
3 - São definidos por diploma legal:
a) o montante e as condições de pagamento de eventual contrapartida a que haja lugar pela recuperação do controlo público, independentemente de assumir carácter indemnizatório;
b) o modelo transitório de gestão da empresa, quando necessário.

Artigo 4.º
Regime especial de anulabilidade de atos por interesse público
O Governo fica autorizado a definir, por Decreto-Lei, um regime especial de anulabilidade de atos por interesse público que permita a anulabilidade de todos atos de que tenha resultado a descapitalização da empresa, designadamente a alienação de ativos de qualquer espécie, desde a privatização dos CTT.

Artigo 5.º
Direito de regresso
O Governo fica obrigado a criar as condições necessárias para que a recuperação do controlo público dos CTT seja realizada livre de ónus e encargos, sem prejuízo do direito de regresso quando a ele haja lugar.

Artigo 6.º
Indemnização por prejuízo do interesse público
1 - O Governo fica obrigado a identificar todos os atos de que tenha resultado prejuízo para o interesse público em virtude de opções de gestão dos CTT, designadamente aqueles de que tenha resultado a redução da capacidade da empresa prestar o serviço público postal a que está obrigada.
2 - A identificação dos atos referidos no número anterior constitui o Estado na obrigação de exercer o direito a ser indemnizado, nos termos correspondentes.

Artigo 7.º
Dever de cooperação
Todas as entidades públicas e privadas ficam sujeitas ao dever de colaboração em tudo quanto lhes seja solicitado a fim de dar cumprimento ao disposto na presente lei.

Artigo 8.º
Defesa do interesse público
1 - O regime estabelecido pela presente lei não prejudica as medidas que o Governo considere necessário adotar para salvaguarda do interesse público, designadamente as que correspondam ao exercício pelo Estado de direitos estabelecidos no âmbito do contrato de concessão do serviço público postal aos CTT.
2 - O Governo fica obrigado a adotar as medidas transitórias que se revelem necessárias à defesa do interesse público, nomeadamente promovendo a suspensão da negociação de ações dos CTT.

Artigo 9.º
Unidade de missão
1 - É criada uma unidade de missão, a funcionar junto do Governo, com a responsabilidade de identificar os procedimentos legislativos, administrativos ou outros que se revelem necessários à ao cumprimento das disposições da presente lei, dotada dos necessários recursos humanos e técnicos.
2 - Compete ao Governo definir os termos de composição e nomeação da unidade de missão prevista no número anterior.

Artigo 10.º
Prazo
O Governo fica obrigado a concretizar a recuperação do controlo público dos CTT no prazo máximo de 180 dias após a entrada em vigor da presente lei.

Artigo 11.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

Assembleia da República, 18 de janeiro de 2019

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