Projecto de Lei N.º 418/XI

Estabelece o princípio da Neutralidade da Rede nas Comunicações Electrónicas

Estabelece o princípio da Neutralidade da Rede nas Comunicações Electrónicas

Exposição de Motivos

O debate em torno da Neutralidade da Rede, relativamente às comunicações electrónicas e em particular no tocante à Internet, tem vindo a ganhar crescente expressão e importância em termos internacionais, com destaque para os EUA e a União Europeia.

Actualmente, os serviços de dados são oferecidos com diferenciações apenas correspondentes à velocidade de acesso contratada pelo utilizador. Já quanto à sua origem ou autoria, os dados “viajam” na Internet à mesma velocidade aparente, sejam dados do site de uma grande multinacional, de uma pequena empresa ou instituição, ou de uma página pessoal. É essa a característica essencial da Neutralidade da Rede, que se revela assim precisamente como um factor de desenvolvimento e inovação, ao permitir que pequenos projectos não sejam discriminados e possam competir no mesmo terreno que as grandes empresas.

São do conhecimento público algumas movimentações políticas de grandes empresas transnacionais do sector, designadamente junto das autoridades do EUA, mas também de alguns operadores de telecomunicações na Europa, defendendo que as empresas possam pagar aos operadores de redes móveis para que os dados dos respectivos sites e serviços circulem mais depressa do que os de quem não pagar. Tal significa a pretensão de abrir caminho a uma alteração de fundo na política da Internet, com o princípio do fim da Neutralidade da Rede.

Sem neutralidade, uma empresa do ramo da produção ou indexação de “conteúdos” poderia pagar a um fornecedor de Internet para que aceder ao seu motor de busca fosse mais rápido do que aceder a um motor de busca concorrente. No limite, o próprio operador poderia mesmo fazer com que os dados dos seus serviços tivessem prioridade sobre os dos concorrentes.

O PCP questionou em audição na Assembleia da República o Ministro da Ciência e Ensino Superior, já no passado mês de Outubro de 2009, quanto às opções e ao posicionamento do Governo Português nesta discussão. E a resposta do Ministro nesta matéria foi explicitamente no sentido de afirmar e defender o princípio da Neutralidade da Rede, repudiando e distanciando-se das intenções de alguns que procuram pôr em causa esse princípio.

Perante este quadro, é da maior importância – e estão criadas todas as condições para – que se retirem as devidas consequências de tal perspectiva, e que a Assembleia da República produza legislação, no sentido de garantir que não venham a ter lugar tais práticas restritivas e discriminatórias em relação à informação disponível na rede.

Num momento que tanto se fala da importância do acesso às tecnologias, e da sua importância como veículo de informação e conhecimento, seria verdadeiramente inaceitável do ponto de vista social e um erro clamoroso do ponto de vista estratégico subordinar as perspectivas de desenvolvimento dos países e dos povos a uma agenda de lucro máximo com uma Internet a duas (ou mais) velocidades.

Assim, ao abrigo do disposto no Artigo 156.º da Constituição da República e do Artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projecto de Lei:

Artigo 1.º
Objecto

A presente lei determina a adopção do princípio da neutralidade da rede nas comunicações electrónicas e estabelece o enquadramento jurídico para a sua protecção.

Artigo 2.º
Âmbito de aplicação

A presente lei aplica-se a todos os operadores de comunicações electrónicas que forneçam ou estejam autorizados a fornecer serviços de acesso à Internet no território nacional.

Artigo 3.º
Definições

Para efeitos do disposto na presente lei, consideram-se e são aplicadas as definições constantes do Artigo 3.º da Lei n.º 5/2004 de 10 de Fevereiro, adiante designada por Lei das Comunicações Electrónicas.

Artigo 4.º
Neutralidade da rede

1 – Os operadores estão obrigados ao cumprimento da garantia da neutralidade da rede e ao tratamento em termos de igualdade no transporte de pacotes de dados.
2 – É proibido bloquear, interferir, discriminar, limitar, condicionar ou restringir o acesso de qualquer utilizador às redes de comunicações electrónicas, com base em critérios de hierarquização comercial de conteúdos, aplicações ou serviços, ou em função da sua origem ou propriedade.
3 – O fornecimento de serviços de televisão ou outros via IP não pode prejudicar ou interferir com o cumprimento dos níveis de qualidade de acesso dos utilizadores à Internet.

Artigo 5.º
Norma sancionatória

O incumprimento do disposto na presente lei constitui contra-ordenação e determinará a aplicação de coima e também de sanção acessória e ou de sanção pecuniária compulsiva, nos termos do disposto na Lei das Comunicações Electrónicas.

Artigo 6.º
Ónus da prova

1 – Cabe ao operador a prova de todos os factos relativos ao cumprimento das suas obrigações e ao desenvolvimento de diligências decorrentes da prestação dos serviços a que se refere a presente lei.

Artigo 7.º
Carácter injuntivo dos direitos

1 – É nula qualquer convenção ou disposição que exclua ou limite as obrigações dos operadores estabelecidas pela presente lei.
2 – A nulidade referida no número anterior apenas pode ser invocada pelo utilizador.

Artigo 8.º
Alteração à Lei das Comunicações Electrónicas

Os artigos 39.º, 43.º e 113.º da Lei das Comunicações Electrónicas, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 176/2007 de 8 de Maio, passam a ter a seguinte redacção:
«Artigo 39.º
Defesa dos utilizadores e assinantes
1 – Constituem direitos dos utilizadores de redes e serviços acessíveis ao público, para além de outros que resultem da lei:
a) Aceder, em termos de igualdade, em condições de neutralidade da rede e sem hierarquização comercial de conteúdos, às redes e serviços oferecidos;
b) […]
c) […]
2 – […]
3 – […]
4 – […]
5 – […]

Artigo 43.º
Obrigações de transporte
1 – […]
2 – […]
3 – […]
4 – As obrigações previstas no n.º 1 incluem a garantia da neutralidade da rede e o tratamento em termos de igualdade no transporte de pacotes de dados.

Artigo 113.º
Contra-ordenações e coimas
1 – Sem prejuízo de outras sanções aplicáveis, constituem contra-ordenações:
[…]
z) O incumprimento da obrigação de transporte e neutralidade da rede previstas nos números 1 e 4, e nos termos do n.º 3 do artigo 43.º;
[…]»

Artigo 9.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia seguinte após a sua publicação.

Assembleia da República, em 23 de Setembro de 2010

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