Intervenção de Carla Cruz na Assembleia de República

Estabelece normas de acesso a cuidados de saúde transfronteiriços e promove a cooperação em matéria de cuidados de saúde transfronteiriços,...

... transpondo a Diretiva 2011/24/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de março de 2011, e a Diretiva de Execução n.º 2012/52/UE, da Comissão, de 20 de dezembro de 2012
(proposta de lei n.º 206/XII/3.ª)

Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados,
Srs. Membros do Governo:
Estamos hoje a discutir uma proposta de lei que transpõe para o ordenamento jurídico português duas diretivas, a diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa ao exercício dos direitos dos doentes em matéria de cuidados de saúde transfronteiriços e a Diretiva de Execução, da Comissão Europeia, que estabelece medidas para facilitar o reconhecimento de receitas médicas emitidas noutro Estado-membro.
A presente proposta de lei agrava as desigualdades no acesso aos cuidados de saúde, sobretudo dos cidadãos com piores condições económicas, que não possuem capacidade financeira para recorrer aos serviços de saúde privados nem dinheiro para pagar as deslocações ao estrangeiro.
De acordo com a proposta de lei, o utente paga os cuidados de saúde e só depois será reembolsado dos montantes gastos, estando previsto que esse reembolso se faça em 90 dias.
Não é só o PCP que alerta para a criação de desigualdades no acesso aos cuidados de saúde, também o relatório elaborado pela Entidade Reguladora da Saúde refere esta dimensão.
A presente proposta de lei dá, ainda, corpo a uma opção política, ideológica e programática do Governo de criação de um sistema de saúde a duas velocidades: um serviço público desqualificado e degradado para os mais pobres, centrado na prestação de um conjunto mínimo de cuidados de saúde, e um outro, centrado nos seguros privados de saúde e na prestação de cuidados por unidades de saúde privadas, para os cidadãos mais favorecidos.
A transposição desta Diretiva para o ordenamento jurídico português está em linha com a opção política do Governo PSD/CDS-PP — e, pelos vistos, também do PS — e, sobretudo, com as declarações proferidas recentemente pelo Ministro da Saúde, nas quais se congratula com o crescimento do negócio da saúde dos privados e com todas as medidas tomadas pelo Executivo que estão a pôr em causa o atual modelo do Serviço Nacional de Saúde universal e geral.
A atuação do Governo no que ao Serviço Nacional de Saúde diz respeito não está desligada dos objetivos de liberalização generalizada e de privatização dos cuidados de saúde, quer sejam os cuidados de saúde primários, quer sejam os cuidados hospitalares.
Entende o PCP que o acesso a serviços de saúde universais e de qualidade é um direito fundamental de todos os cidadãos, que deve ser garantido pelos regimes nacionais de proteção social existentes na União Europeia.
Os serviços de saúde são um bem público e incumbe às autoridades públicas de cada Estado-membro a missão fundamental de garantir a igualdade de acesso para todos a serviços de saúde de qualidade e que beneficiem de um financiamento público adequado.
O PCP está contra a aplicação do princípio da livre circulação aos serviços de saúde sem ter em conta as suas especificidades, incluindo a necessidade de um Serviço Nacional de Saúde público que responda, em cada país, às necessidades dos seus cidadãos.
O PCP opõe-se à criação de um mercado interno dos serviços de saúde liberalizado e à tendência atual para reduzir ou privatizar os serviços de saúde ou para os tornar cada vez mais dependentes da regulamentação do mercado interno ou das regras da concorrência.
Só a luta das populações e dos profissionais de saúde conseguirá travar a plena concretização dos intentos privatizadores e de liberalização do Serviço Nacional de Saúde, bem como travar a dependência da lógica do mercado e das regras da concorrência.
Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo,
O que os portugueses e os cidadãos da União Europeia precisam é de uma outra Europa, de uma Europa de cooperação entre Estados soberanos e iguais em direitos, de uma Europa que salvaguarde, reforce e diversifique os serviços públicos e que ponha fim à sujeição da lógica do mercado às funções sociais do Estado de que a saúde é parte integrante.

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