Intervenção de Bruno Dias na Assembleia de República

Estabelece as condições de salvaguarda dos monopólios naturais no domínio público do Estado

(projeto de lei n.º 464/XII/3.ª)

Sr.ª Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
Para aqueles que ainda se interrogam sobre as linhas de fronteira entre políticas de esquerda e de direita têm aqui, neste debate, um belíssimo exemplo. E quando alguns se interrogam sobre o que falamos quando falamos de políticas de direita e acusamos aqueles que têm sido os seus promotores têm também neste debate uma boa atribuição dos papéis nessa história. É que, de facto, não estamos perante uma afirmação vazia e os sucessivos Governos, do PSD e CDS e do PS, têm-se empenhado em atacar as conquistas do 25 de Abril e em reconstituir o domínio dos grupos monopolistas, nacionais e estrangeiros sobre a economia e a sociedade portuguesas.
Era isto que referíamos quando falávamos em capitalismo monopolista de Estado, em que o Estado está ao serviço dos grupos económicos e do poder dos grupos monopolistas. E a política de restrição de financiamento dos serviços públicos nas áreas sociais, mas também de funções económicas do Estado, a par do aumento do seu custo, tem-se traduzido numa situação de acesso cada vez mais difícil para a generalidade da população.
Tudo isto se integra na brutal restrição de meios de todas as estruturas do Estado, provocando uma desestruturação cada vez mais grave e, em certos casos, o colapso no desempenho das funções em causa.
Frequentemente, a diminuição de capacidade e até o encerramento de serviços públicos são acompanhados da entrega da sua prestação aos privados, com financiamento pelo Estado, sempre assente na falsa ideia, já aqui veiculada, de que tanto faz quem presta o serviço, porque o privado presta-o sempre melhor. É assim que, por exemplo, os grandes hospitais privados subsistem, à custa do financiamento público direto e, em parte menor, do recurso às suas unidades, por utentes que viram o seu acesso limitado aos serviços públicos.
A refundação do Estado é isso mesmo, é destruir os serviços públicos e alienar funções sociais, económicas e até de soberania do Estado e financiar os grupos económicos, deixando pelo caminho uma parte significativa da população.
Ora, para a definição dos setores do domínio público que não podem ser privatizados devemos ter em consideração estes setores monopolistas, porque estão associados a serviços públicos e porque, funcionando em monopólio, implicam lucros ainda mais elevados, já que são eles que determinam o preço. E, se o monopólio privado ou privatizado não tiver poder jurídico para determinar o preço de monopólio ao público, uma vez que está a produzir um serviço público, então será o Estado que terá de transferir para esse monopólio a compensação financeira do preço social. É isto que tem vindo a acontecer, Srs. Deputados.
Termino, Sr.ª Presidente, lembrando que a história recente dos Estados Unidos da América ou do País de Gales ou de determinados setores de vários países europeus, como é o caso da Holanda ou mesmo do Reino Unido, no que diz respeito à ferrovia, demonstra que a tentativa de liberalizar totalmente estes setores conduziu ao desinvestimento, à falta de segurança nas redes e ao colapso na produção, porque o preço em mercado grossista não era atrativo para os produtores e, então, deixaram de produzir o suficiente para corresponder às necessidades.
A Constituição, Srs. Deputados, é a pedra basilar do Estado de direito democrático, do regime democrático e do Portugal que queremos para o futuro. Não podemos deixar que a Constituição seja considerada letra morta e que, ou por vazio legal ou, acima de tudo, por opção política de agir contra os princípios da Constituição, se esteja a destruir o País e a comprometer o nosso futuro coletivo, com as políticas que têm vindo a ser seguidas por este Governo e pelos sucessivos Governos. Não queremos aceitar, e não aceitaremos, umas privatizações que sejam mais bonitas ou mais bem feitas, queremos que as funções sociais do Estado, as funções económicas do Estado e os serviços públicos continuem nas mãos de todos nós, continuem nas mãos do País.

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