Intervenção de

Estágios curriculares - Intervenção de Miguel Tiago na AR

Apoio à frequência de estágios curriculares

 

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

Mais que não fosse uma observação da realidade que hoje se vive no ensino superior, dentro ou fora do âmbito dos estágios curriculares e estágios profissionalizantes, justificaria a apresentação de um diploma desta natureza como aquele que hoje o Partido Comunista Português aqui propõe.

Basta olharmos para a degradação da qualidade do ensino e da capacidade que os estudantes têm para o frequentar: o aumento das propinas, que actualmente atingem já valores próximos dos 1000 € anuais numa licenciatura e valores significativamente acima se se tratar dos novos mestrados, aquilo a que agora se chama o mestrado de Bolonha; uma acção social cada vez mais incapaz de corresponder às necessidades da generalidade dos estudantes e que atribui, no quadro nacional, a bolsa máxima a um conjunto de alunos que se contam pelos dedos de uma mão; as cantinas, além de estarem num rumo de privatização que este Governo imprimiu com o novo regime jurídico das instituições do ensino superior, não são capazes de dar a resposta necessária e vão fechando pelo País; as residências seguem o mesmo processo; o apoio para material não chega sequer para cobrir as respectivas necessidades diárias para a generalidade dos cursos.

Ora, o projecto de lei que o PCP propõe (projecto de lei n.º 413/X) parte de dois princípios e cumpre dois objectivos base. Em primeiro lugar, o de que os estudantes que estão a estagiar, seja num estágio profissionalizante seja num estágio curricular, não devem gozar de direitos inferiores aos dos outros estudantes. Ou seja, pelo simples facto de se encontrar a estagiar, por esse estágio fazer parte do currículo do curso, numa zona distante do País em relação à universidade ou ao instituto onde frequenta o curso por si só não justifica de maneira alguma que esse estudante deva ter menos apoio do Estado e que tenha direitos menores.

Em segundo lugar, este projecto de lei aposta também na correcção de uma injustiça no plano da pedagogia, que é cada vez mais flagrante. Como sabemos, os estágios curriculares muitas vezes estão a ser utilizados para fazer tudo, inclusivamente para trabalhar de forma encapotada, sem salário, com os horários de trabalho que a entidade que recebe o estagiário entende, mas sem qualquer acompanhamento pedagógico por parte da instituição de ensino ou daqueles que devem acompanhar o estagiário no desenvolvimento do estágio.

Ora, isso significa que os estágios, embora curriculares ou mesmo profissionalizantes no âmbito do currículo, não estão a cumprir, em grande parte dos casos, aquilo a que se propõem e aquilo para que servem.

Por isso, o PCP propõe, neste projecto de lei, um contributo para que o Estado intervenha nesta matéria e para que se regulamente a prática e a frequência dos estágios curriculares, das práticas clínicas e dos estágios profissionalizantes.

Todos os Srs. Deputados, certamente, tiveram vários contactos com estudantes, associações de estudantes ou federações que exprimem as dificuldades com que são confrontados nos seus estágios curriculares, nas suas práticas clínicas, obrigados a grandes deslocações, a irem para zonas onde não existem cantinas, nem residências, sendo ainda obrigados a pagar do seu bolso o material para fazer o seu estágio.

Perante esta situação, há que tomar medidas. Ora, este projecto de lei toca exactamente estes três estágios, desde que se parta do princípio de que não estamos a falar dos estágios que  implicam uma relação laboral.

No plano das deslocações, da habitação, da alimentação, do material escolar necessários para o cumprimento do estágio, é urgente que o Estado garanta a estes estudantes estagiários os  mesmos direitos que garante aos restantes estudantes. No mínimo, é isso que se exige.

Por isso, o PCP propõe um regime de apoio que se enquadra no âmbito da acção social escolar, mas que não é dependente do nível de capitação do estudante, pois o simples facto de este estudante ter de se deslocar, de ter de ir para uma zona onde não tem um conjunto de infra-estruturas que os restantes estudantes têm na sua zona universitária ou na zona do seu instituto faz com que seja necessária a garantia destes direitos.

Obviamente, insere-se também neste projecto de lei o acompanhamento pedagógico e a necessidade de a instituição de ensino superior acompanhar, no plano pedagógico, o desenvolvimento do estágio curricular. E não venha o Partido Socialista dizer que este é um projecto que traz mais encargos às instituições do ensino superior. Sejamos claros, este projecto traz um encargo óbvio para o Estado, que é o de assumir a sua responsabilidade perante os estudantes do ensino superior, particularmente sobre estes que desenvolvem um estágio curricular, mas coloca exclusivamente nas instituições do ensino superior a responsabilidade de acompanhar no plano pedagógico e coloca na esfera do Estado, da acção social escolar, os apoios necessários para o desempenho do estagiário.

Este projecto de lei propõe, portanto, que se ponha fim a uma situação que julgo que todos os Srs. Deputados devem reconhecer, que é a da desregulamentação óbvia, flagrante e injusta com que são confrontados os estudantes do ensino superior, que têm no seu plano de estudos a frequência obrigatória de um estágio curricular, e coloca como necessidade o investimento e o acompanhamento do Estado naqueles estágios, que, não sendo obrigatórios, ainda assim se inserem nos planos de estudo. É que, além dos estágios curriculares, que são obrigatórios para a obtenção do grau académico, existem outros facultativos, mas que, ainda assim, fazem parte do plano de estudos. É exclusivamente para estes estágios e para as práticas clínicas que o PCP propõe este regime de apoio à frequência de estágios curriculares.

Se o PS rejeitar agora este projecto de lei continuarão a verificar-se as situações que têm chegado a esta Assembleia e que facilmente observamos nas escolas. Continuarão os estudantes a estagiar em áreas que não têm qualquer relação com a sua área de formação. Continuarão a pagar do seu bolso a habitação, o material, a alimentação e continuarão, em muitos casos - o que ainda é mais grave - a trabalhar de forma encapotada, de borla e sem qualquer protecção social.

É exactamente por ser altura de acabar com estas situações que o PCP apresenta este projecto de lei.

(...)

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

Quem, de facto, está a tentar lançar a confusão para baralhar os conceitos é o Grupo Parlamentar do Partido Socialista e é a situação actual, que nada estabelece, absolutamente nada!

É muito claro o nosso projecto de lei quando estabelece o que é um estágio curricular e o que é um estágio profissionalizante, e vou dar-lhe exemplos de estágios profissionalizantes. Não são, como referiu, estágios profissionais que acontecem depois da obtenção do grau académico. São estágios optativos, facultativos no plano curricular. Se o Sr. Deputado quer um exemplo, dou-lhe o do meu curso, que é um exemplo perfeito, pois o estágio em Geologia Aplicada e do Ambiente, no antigo curso da Faculdade de Ciências de Lisboa, não é obrigatório para a obtenção do grau académico e, no entanto, é avaliado.

Portanto, basta ir às instituições de ensino superior para ver que há estágios curriculares e que há estágios profissionalizantes. Em ambos o Estado deve assumir um papel de estímulo à frequência, potenciando a capacidade do estudante em frequentá-los e terminá-los.

(...)

Sr. Presidente,

Em primeiro lugar, gostaria de esclarecer, sobre a suposta confusão que o Partido Socialista tentou lançar, que, se o Partido Socialista entende que há uma confusão entre os estágios profissionalizantes e os estágios curriculares, obviamente que o PCP não se oporá a redefinir os seus conceitos na especialidade. Fazemos este desafio ao Partido Socialista, porque essa foi, aliás, a primeira questão levantada, era o grande problema deste projecto de lei a confusão entre estágios curriculares e estágios profissionalizantes. Vamos, pois, saná-la, vamos pois clarificar. Não vamos permitir que continue a situação que se verifica actualmente.

Gostaria ainda de acrescentar uma palavra sobre a autonomia das instituições de ensino superior.

Srs. Deputados,

Julgo que é claro para todos que este projecto de lei apenas implica uma nova responsabilidade das instituições de ensino superior, e é uma responsabilidade que é apenas uma extensão da sua actual responsabilidade que é a do acompanhamento pedagógico aos seus estudantes, porque é essa a única questão que se coloca: que passe a ser responsabilidade da instituição. Coloca-se e propõe-se que a instituição assuma a responsabilidade pelos conteúdos programáticos e pedagógicos do estágio, o que me parece perfeitamente razoável, e que acompanhe os estudantes na execução do estágio, que me parece, além de razoável, profundamente necessário.

Quanto às considerações aqui feitas sobre a acção social escolar, para quem tivesse dúvidas, ficámos com a noção concreta de que o Partido Socialista assume finalmente que os empréstimos são uma forma de acção social escolar.

Nas palavras da Sr.ª Deputada, os empréstimos são um apoio.

Repito: os empréstimos são um apoio. Aliás, foi aqui dito que os empréstimos são a forma de sanar as assimetrias. Portanto, ficou claro para todos que, finalmente, caiu a capa dos empréstimos para a autonomização do estudante, para que o estudante possa ter «uma vida de lorde». A verdade é que os empréstimos são para satisfazer as necessidades básicas que o Governo deveria satisfazer através da acção social escolar.

Todos os partidos - e é importante registar isto, Srs. Deputados - reconheceram a gravidade da situação.

Todos, menos o Partido Socialista. Para o Partido Socialista está tudo bem.

Os estágios curriculares são um instrumento importantíssimo e a forma como decorrem é a das «mil maravilhas». É «um espectáculo» a lei que aí temos, é «um espectáculo» a política deste Governo para o ensino superior. A realidade está lá fora e o que vale é que os estagiários estão lá.

 

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