Intervenção de

Entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional - Intervenção de António Filipe na AR (declaração de voto)

Regime de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional (Quarta alteração do Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto, alterado pela Lei n.º 97/99, de 26 de Julho, pelo Decreto-Lei n.º 4/2001, de 10 de Janeiro, e pelo Decreto-Lei n.º 34/2003, de 25 de Fevereiro)

 

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:

A lei de imigração, que hoje chega a votação final global, resulta de um longo e intenso trabalho de discussão, na especialidade, das iniciativas legislativas apresentadas pelo Governo e pelo PCP (projecto de lei n.º 248/X)  e aprovadas na generalidade.

Concluído esse trabalho, o Grupo Parlamentar do PCP considera muito positivamente o resultado obtido.

A aprovação desta lei de imigração inverte um ciclo legislativo, iniciado em 1993, marcado por sucessivas tentativas de fechar as portas à imigração legal e por restrições drásticas aos direitos dos estrangeiros.

Foi um ciclo marcado por sucessivas revisões das leis da imigração, que redundaram em clamorosos fracassos e que só contribuíram para fazer aumentar o drama social da imigração clandestina.

Podemos dizer da lei que hoje aprovámos que, pela primeira vez desde há muitos anos, estamos perante uma lei que não piora a situação dos imigrantes, em Portugal, e que não dificulta a sua integração, e a das suas famílias, em condições de legalidade na sociedade portuguesa.

É certo que, na legislação hoje aprovada, permanecem aspectos negativos que são estruturantes da legislação vigente, que não são alterados e com os quais o PCP não se identifica. São disso exemplos: a manutenção de um sistema de quotas no acesso dos imigrantes ao emprego, ainda que com um carácter relativamente simbólico; o carácter meramente devolutivo da maior parte dos recursos de decisões desfavoráveis aos cidadãos, o que pode inviabilizar o efeito útil de decisões que venham a ser favoráveis aos recorrentes; os poderes discricionários que são conferidos ao SEF na aplicação da lei; ou a manutenção dos chamados «centros de instalação temporária» para cidadãos estrangeiros em situação ilegal ou em situação indefinida.

O PCP não pode concordar com estes princípios basilares da legislação vigente e entende que não deve votar favoravelmente uma lei que os mantenha.

Importa, entretanto, assinalar, muito positivamente, que a lei hoje aprovada acolhe um conjunto significativo de disposições constantes do projecto de lei do PCP, de que se salientam, por exemplo: a atribuição de autorização de residência aos titulares de vistos ou autorizações de permanência com carácter precário, contando todo o tempo de permanência em Portugal para efeitos de obtenção de autorização de residência permanente; o reforço dos poderes do Conselho Consultivo para os Assuntos da Imigração em vários domínios; a protecção adequada aos menores que viajem desacompanhados; a substituição dos diversos vistos de trabalho e dos vistos de estudo por autorizações de residência; o reforço significativo do direito ao reagrupamento familiar; o alargamento do direito à autorização de residência permanente; a eliminação do atentado aos «bons costumes» como fundamento de expulsão; ou, ainda, o dever de comunicação por parte do SEF aos serviços da administração fiscal, da segurança social e do emprego dos dados necessários à inscrição dos cidadãos que tenham regularizado a sua situação em Portugal.

Para além destes pontos, existem outros aspectos da lei hoje aprovada que o PCP regista positivamente.

São os casos, nomeadamente: da prorrogação de permanência, a fim de possibilitar a necessária obtenção de contrato de trabalho ou a comprovação da existência de uma relação laboral por sindicato, por associação com assento no Conselho Consultivo ou pela Inspecção-Geral do Trabalho, para efeitos de concessão de autorização de residência; da concessão de autorização de residência ao cidadão estrangeiro que seja ou tenha sido vítima de tráfico de pessoas, mesmo que tenha entrado ilegalmente no País ou não preencha as condições de concessão de autorização de residência; do facto de se permitir a um conjunto muito alargado de cidadãos a possibilidade de obtenção de autorização de residência temporária sem necessidade de visto; da possibilidade de conceder autorização de residência com dispensa de visto aos pais das crianças estrangeiras nascidas em Portugal, que aqui tenham permanecido e se encontrem a frequentar a educação pré-escolar ou o ensino básico, secundário ou profissional; da criação do estatuto de residente de longa duração, a atribuir aos estrangeiros residentes há mais de cinco anos, com um grau elevado de equiparação de direitos em relação aos nacionais.

Assim, o Grupo Parlamentar do PCP, apesar de não votar favoravelmente o texto hoje aprovado pelas razões já explicitadas, considera-o um progresso assinalável relativamente à lei de imigração actualmente em vigor e congratula-se com o resultado que foi possível obter no final deste processo legislativo.

A lei hoje aprovada não resolve todos os problemas que seria importante resolver, e não conseguirá acabar com o flagelo da imigração clandestina e do trabalho ilegal. Mas Portugal terá, pela primeira vez desde há muitos anos, uma lei que representa um progresso para os direitos dos imigrantes e das suas famílias, que vai possibilitar em definitivo a legalização de muitos milhares de cidadãos que permanecem entre nós em situação ilegal e que será uma importante contribuição para reduzir a imigração ilegal e as consequências sociais e humanas negativas que dela decorrem.

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