Intervenção de

Entidades reguladoras independentes - Intervenção de Agostinho Lopes na AR

Nomeação e cessação de funções dos membros das entidades reguladoras independentes

 

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

O projecto de lei em apreço (projecto de lei n.º 344/X)  tem como objectivos assegurar a independência e reforçar o escrutínio democrático na nomeação e cessação de funções dos membros das ditas entidades administrativas independentes, face à relevância de funções, que lhes estão cometidas, de regulação ou de supervisão do mercado, através da intervenção neste processo da Assembleia da República e do Presidente da República.

Embora seja uma questão secundária, começa por não se perceber por que se deixam de fora, na enunciação feita no n.º 1 do artigo 1.º, relativo ao âmbito de aplicação, entidades como o Instituto Portuário e dos Transportes Marítimos, a Entidade Reguladora da Saúde ou o Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento.

Percebem-se melhor as tempestivas preocupações do grupo parlamentar proponente, os «tratos de polé» a que tem estado sujeita a pretensa independência de algumas das referidas entidades independentes.

Mas é um facto que quando se chega à oposição se vêem muito melhor estas coisas, clarifica-se a visão como que por milagre da água de Santa Luzia...!

Aliás, o PSD repesca ideias de projectos do PS de 2000 e de 2003, então chumbados pela maioria governamental PS/CDS-PP.

Sr. Presidente, 
Srs. Deputados:

Para a consideração da oportunidade desta iniciativa legislativa, certamente que muito contribuiu o «filme» de intriga e suspense, com uns toques de comédia, «Afinal, quanto vamos pagar pela tarifa eléctrica em 2007?», filme que teve como actores principais o Ministro da Economia e da Inovação e o Presidente da ERSE.

Qualquer ilusão ou dúvida que houvesse sobre a independência da ERSE esfumou-se rapidamente: segundo o novo presidente, a independência passa, fundamentalmente, pelo exercício de um magistério de influência sobre o Governo.

Mas este «filme» tinha sido antecedido pela «curta-metragem» «Concentração nas auto-estradas».

Como é sabido, a Autoridade da Concorrência pronunciou-se contra a tomada da posição maioritária da Brisa - Auto-estradas de Portugal na Auto-estradas do Atlântico, por eliminação da concorrência. O Ministro da Economia e da Inovação decidiu em sentido contrário, invocando o interesse nacional, o que nesta matéria é difícil deixar de estar em causa, mas não rebateu a argumentação da Autoridade da Concorrência.

Mas algumas das entidades administrativas independentes também não ajudam, pelas suas decisões contraditórias e incoerentes, à afirmação da dita independência, como é patente nos «filmes» das ofertas públicas de aquisição (OPA) em projecção há mais de um ano.

Em qualquer dos casos se reporta a monopolização, outros dirão oligopolização, dos sectores.

Na OPA da Sonae sobre a Portugal Telecom (PT), se concretizada, onde havia três operadores passará a haver dois, com o controlo de 2/3 do mercado das telecomunicações móveis.

No caso da OPA do BCP sobre o BPI, actualmente há quatro grupos a controlar 75% do mercado bancário e passará a haver três.

Em qualquer dos casos, a Autoridade da Concorrência «põe umas peninhas nos chapéus» - os operadores virtuais, uns tantos balcões, etc. -, mas não vê, ao contrário do que sucedeu nos casos da Brisa/Auto-Estradas do Atlântico ou dos grupos Arriba/Barraqueiro, problemas para a concorrência.

Poderíamos ainda perguntar qual é a efectiva actividade reguladora do Banco de Portugal sobre a actividade predatória da banca em torno das comissões, dos arrendamentos, e muitos outros aspectos.

Mas o «filme» recente da nomeação da nova administração da ERSE é também muito elucidativo de independência destes órgãos.

Depois de demitir Jorge de Vasconcelos, assim impedindo a sua audição na Assembleia da República (disse o Ministro da Economia e da Inovação, na passada quarta-feira, na Comissão de Assuntos Económicos, Inovação e Desenvolvimento Regional: «não o autorizei a vir à Comissão de Assuntos Económicos»), o Governo nomeou como novo presidente o ex-secretário de Estado do ministro Pina Moura do governo PS. E, segundo notícias públicas não desmentidas, o Ministro da Economia terá mesmo tentado nomear como vogal um dos seus assessores, mas o líder do PSD ter-se-á oposto, pelo que Manuel Pinho terá optado por José Braz, amigo de longa data e ex-secretário de Estado do ministro Braga de Macedo do governo de Cavaco Silva. Está dito tudo, ou quase tudo, em matéria de independência!...

Isto para lá da evidente «captura» de algumas dessas entidades reguladoras pelos poderosos interesses que deveriam ser regulados.

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

As chamadas entidades reguladoras, constituídas por grupos de peritos, personalidades nomeadas pelo Governo, pretensamente independentes e isentos para arbitrar e harmonizar interesses contraditórios, vão sendo multiplicadas por áreas e sectores de bens e serviços de relevante interesse público.

De facto, significam o afastamento do Estado da direcção e regulação económica dessas mesmas funções, bem como uma operação política e uma mistificação ideológica visando desresponsabilizar o poder político e os partidos que o exercem das decisões dessas entidades, que podem atingir gravemente a maioria da população e os agentes económicos mais frágeis.

Como explica um insuspeito constitucionalista da área do Governo, a importação europeia das comissões reguladoras independentes norte-americanas aconteceu com a Sr.ª Thatcher, acompanhando a liberalização e a privatização da economia. Esta via britânica, segundo o mesmo constitucionalista, estabeleceu as grandes linhas de regulação da economia pós-intervencionista a seguir à revolução neoliberal da liberalização e privatização da economia.

O PS e o PSD, e também o CDS-PP, estiveram, e estão, juntos na promoção e implementação das entidades reguladoras e da sua dita independência.

Trata-se de uma reconfiguração do Estado para a fase do capitalismo neoliberal reduzido, como agora pretende o Governo do PS, às suas funções nucleares. É a tentativa de neutralização política e ideológica das decisões do Estado, em particular das decisões económicas, a expulsão da política de decisões políticas que cabem ao Governo, como se a fixação de uma tarifa de energia eléctrica ou telefónica ou a deliberação sobre a fusão de empresas em sectores estratégicos não fossem questões centrais das políticas económicas de qualquer governo e pelas quais os governos devem, politicamente, ser responsabilizados!!...

Como se essas decisões pudessem ser entregues ao jogo, dito livre, do livre mercado, sob tutela e vigilância de umas quantas personalidades tecnicamente competentes e politicamente isentas!

Não foi por acaso que ontem, durante o debate aqui efectuado, a propósito da OPA da Sonae sobre a PT, um Deputado da maioria clamava nada ter o Governo que ver com a operação.

Não, era apenas o mercado de capitais a funcionar sob a visão atenta da Comissão do Mercado de Valores Imobiliários e ao Governo restava-lhe assistir e esperar pelo fim do jogo, independentemente da importância desta OPA para o País e para os portugueses.

Sr. Presidente,
rs. Deputados:

O projecto do PSD quer reforçar se não uma independência, que sabe ser impossível, pelo menos a imagem pública de independência das ditas entidades reguladoras, comprometendo no processo de nomeação e cessação dos mandatos dos seus membros a Assembleia da República e o Presidente da República. Julgamos que não é um bom caminho. Bem pelo contrário, o que julgaríamos adequado era a sua clara e transparente subordinação à tutela do Governo.

É este que vai ser julgado em futuras eleições e não as entidades ditas independentes.

 

 

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