Previsões são sempre difíceis,
sobretudo quando dizem respeito ao
futuro.
Niels Bohr (1885-1962)
Introdução
A questão da Energia
Nuclear, mais especificamente, do seu aproveitamento para fins civis com vista
ao abastecimento em energia das sociedades humanas no século XX!, é uma questão
complexa que envolve problemas de ordem técnica e científica, suscita
interrogações no plano dos custos associados ao seu aproveitamento, alimenta
receios no que toca aos riscos que representa para as populações e para o meio
ambiente, e acende paixões que não se podem considerar desligadas da tomada de
consciência pela opinião pública das mortíferas consequências de uma utilização
criminosa - o lançamento pelos EUA das
bombas que destruíram as cidades de Hiroshima e Nagasaki, em Agosto de 1945 - ou de manipulações descuidadas como a que levou
em 1986 ao grave acidente ocorrido num dos reactores da central nuclear de Chernobyl,
na Ucrânia.
A questão da energia necessita de uma
abordagem global como acontece com outras
que hoje se colocam com especial acuidade às sociedades humanas - o abastecimento de água para rega e para consumo
humano, a manutenção da fertilidade dos solos e o combate à diminuição das
áreas cultiváveis, o controlo da desflorestação e a limitação do crescimento
demográfico, entre outras. A globalização do nosso tempo carece de ser entendida em
toda a sua extensão e não apenas quando e naqueles aspectos que interessam ao
grande capital, quer como fonte de acumulação quer como ameaça pressentida aos
seus interesses de curto prazo.
É a própria
sustentabilidade da vida sobre a terra que está em causa e é, desde logo, importante
salientar a este respeito, que a globalização neoliberal dominante não só não
apresenta solução para os problemas mencionados como, pelo contrário, agrava as
assimetrias existentes entre os que têm acesso aos seus benefícios e aqueles
que ela marginaliza. A via pela qual o mundo caminha é incompatível com um
desenvolvimento sustentável e ao mesmo tempo socialmente justo, o que conduz ao
dilema que a humanidade hoje enfrenta -
"socialismo ou barbárie".
Importa em seguida
sublinhar que o grau de consciência deste estado de coisas é ainda muito débil
o que torna indispensável e insubstituível a acção de esclarecimento que as
forças progressistas devem procurar levar a cabo, sob múltiplas formas, em
diferentes contextos, nas mais diversas situações e oportunidades. De facto o
futuro depende do despertar da "alma colectiva das massas"[i]
No que respeita ao abastecimento
energético, a realidade com que nos defrontamos é a da impossibilidade de
encontrar soluções no plano exclusivamente nacional ou mesmo regional, no
sentido de satisfazer todas as necessidades de energia das respectivas
populações. As limitações existentes têm a ver não apenas com a disponibilidade
de recursos energéticos e a localização das suas fontes mas também com as
disponibilidades financeiras e a dimensão dos investimentos necessários.
Analogamente, os
problemas de segurança e de minimização de riscos, ambientais e humanos, não se
confinam às fronteiras físicas de países ou regiões nem, muito menos, às
fronteiras políticas. Basta pensar na influência do regime dos ventos e das
correntes marinhas na disseminação de materiais ou agentes poluentes que se
estende e faz sentir em áreas extensas, como se verifica com os derrames de
petróleo resultantes de acidentes no mar ou na contaminação radioactiva do ar e
dos solos provocada pelo acidente de Chernobyl. Como acontece também com as
chuvas ácidas resultantes principalmente da queima de carvão em centrais
termoeléctricas ou a rarefacção da camada de ozono na alta atmosfera
consequência da emissão de certo tipo de agentes químicos utilizados pela
indústria.
Sendo assim é imperioso
concluir que se torna indispensável a criação ou o reforço de mecanismos de
regulação no plano internacional que abram caminho a uma gestão justa,
equilibrada e segura dos recursos disponíveis, em particular dos recursos
energéticos, actuais e potenciais.
Importa ainda, neste
contexto, chamar a atenção para o facto de que não é apenas no mundo
desenvolvido e no desenvolvimento industrial que reside o perigo real ou
potencial de destruição da biosfera; o subdesenvolvimento pode também tornar-se
um gigantesco predador ecológico que pode deixar atrás de si, e deixa
efectivamente, a desertificação, o esgotamento dos solos, a destruição das
florestas e a contaminação das águas. O destino dos pobres deve interessar aos
ricos mesmo numa perspectiva puramente egoísta.
Traços principais da situação actual
Em 2000, o consumo
mundial de energia era aproximadamente equivalente a 10 mil milhões de tep ou
cerca de 400 exajoule por ano[ii]. Cerca de 80% desta
energia é consumida nos países mais desenvolvidos onde vive menos de 20% dos habitantes
do planeta. A população mundial, que é actualmente de cerca de 6300 milhões de
pessoas, quadruplicou nos últimos 100 anos. Nas últimas duas décadas o ritmo de
crescimento da população mundial tem-se mantido à volta de 80 milhões de
pessoas por ano, podendo assim esperar-se, admitindo embora uma diminuição do
ritmo de crescimento (para algo menos de 1% ao ano), que a população mundial
venha a atingir em meados do século, perto de 10 mil milhões de pessoas. Nestas
condições, é previsível que as necessidades energéticas até 2050, venham a
atingir cerca de 800 exajoule por ano (20 mil milhões de tep), o que acontecerá
se o consumo de energia per capita acompanhar o crescimento populacional a uma
taxa próxima de 2% ao ano. É previsível que o aumento da população mundial e o
aumento da procura de energia apresentem um padrão significativamente assimétrico,
em que a parte dos países mais desenvolvidos, se torne, em termos relativos,
progressivamente menor em comparação com o resto do mundo e seja ultrapassada
pela que caberá a este, já em meados do século.
Entretanto, o consumo de
energia per capita deverá evoluir também assimetricamente no sentido do
equilíbrio entre países ricos e países pobres o que corresponderia a inverter a
actual tendência para o agravamento da distribuição da riqueza em desfavor
destes últimos. Mas isto não será possível sem mudanças radicais de política
que certamente não serão pacíficas e porventura não ocorrerão sem graves
convulsões sociais.
2. Os números anteriores
que são valores estimados, mas prudentes, colocam a questão de saber em que
medida e de que forma poderão vir a ter cobertura as necessidades energéticas da
população mundial.
Participação |
|
|
Ano 2004 450 exajoule/ano % |
Combustíveis fósseis |
80,5 |
Carvão |
24,7 |
Gás natural |
20,5 |
Petróleo |
35,2 |
Energia hídrica |
2,1 |
Energia nuclear |
6,4 |
Outras energias |
11,0 |
Combustíveis renováveis e resíduos |
10,5 |
Outras renováveis (eólica, solar, geotérmica) |
0,5 |
Fonte: Key World Energy Statistics 2006,
International Energy Agency (TPES Total Primary Energy Sources, World Balance,
p.39)
O quadro mostra a
participação, em valores aproximados, das fontes de energia primária no cômputo
global do abastecimento energético mundial em 2004.
Os factores que
determinam previsões do futuro, mesmo a médio prazo, feitas hoje, são vários e
todos eles envolvem um certo grau de incerteza, nomeadamente, no que se refere
aos recursos energéticos de origem fóssil ou de outra natureza, mas também no
que se refere ao progresso na evolução das tecnologias e à própria evolução das
necessidades de consumo, estas, ligadas à evolução demográfica e das condições
de vida das populações. Entretanto, em certos aspectos, verifica-se uma
significativa aproximação entre previsões de diferentes origens em especial no
que diz respeito à evolução dos recursos energéticos fósseis, não renováveis. A
manterem-se os níveis e os padrões actuais de consumo, as reservas asseguradas
de gás natural esgotar-se-iam em 60 anos, as de petróleo em 40 anos e as de
carvão em cerca de 200 anos.
Referindo-se aos recursos
petrolíferos Díaz-Balart diz [iii]:
"Trata-se aqui de factos
(a progressiva diminuição dos recursos)
e apesar de as suas implicações serem extremamente claras e deverem ser
facilmente compreendidas, parecem por demasiado insignificantes as medidas que
a comunidade mundial tem em curso para as contrariar. Em 1992, as nações
industrializadas mostraram-se preparadas para se lançarem numa guerra pelo
petróleo - a Guerra do Golfo. Qual será a sua posição quando
as reservas se forem esgotando nos campos de petróleo, um atrás do outro, e os
recursos restantes forem ficando nas mãos de um número cada vez menor de
nações?
Se a história nos diz
alguma coisa, então serão as nações em desenvolvimento que mais cedo e mais
fundo, sofrerão com isso, mas a ameaça geopolítica será então muito séria. Na
Guerra do Golfo as nações industrializadas agiram de concerto, na base de
interesses comuns. À medida que as reservas de petróleo forem diminuindo e na
ausência de fontes alternativas de energia efectivamente disponíveis, os
interesses comuns das nações industrializadas divergirão entre si. Esta é a
semente de onde nascem as guerras mundiais."
Em qualquer caso, é
previsível que até ao fim do século se mantenha uma elevada dependência do
consumo de combustíveis fósseis, embora seja claro que deva ter lugar uma
alteração gradual da composição do balanço energético global, não esquecendo
que o sector energético possui uma grande inércia decorrente não só do elevado
montante dos investimentos necessários mas também da aceitação pública da
alteração de hábitos de consumo. A parte do petróleo deverá manter a tendência
decrescente que vem mantendo desde o início da década de 80 do século passado,
podendo situar-se em 2050 em valores no intervalo de 10 a 15 %, principalmente
devido à evolução dos consumos nos países industrializados. A quebra do consumo
de petróleo tenderá a ser compensada pelo aumento dos consumos de carvão e de
gás natural. Neste contexto, há todas as razões para desenvolver a utilização
das energias renováveis, designadamente, hídrica, eólica e solar. No campo destas
"novas energias" parece certo dizer que a energia eólica e a energia solar são
as que se apresentam com melhores perspectivas de contribuir para a necessária
alteração dos padrões de consumo. Não deve esquecer-se, entretanto, que uma
utilização em larga escala destas energias amigas do ambiente tem limitações
que são inerentes à sua natureza, decorrendo, designadamente, da variabilidade
da respectiva capacidade de produção em função das condições geográficas ou,
climatéricas e das que estão associadas às flutuações diárias e sazonais. Entretanto,
é indispensável prosseguir de forma sustentada o trabalho de investigação e de
desenvolvimento tecnológico tendente a aumentar o rendimento da conversão
energética dos processos e dispositivos utilizados, melhorar a respectiva
economia e reduzir os impactos ambientais que lhes estão associados.[iv]. No capítulo dos transportes,
merece especial referência a utilização do etanol como combustível, em
substituição da gasolina. No plano técnico pode mostrar-se que a produção de etanol
a partir do grão do milho, não é suficientemente rentável do ponto de vista
energético nem significativamente favorável do ponto de vista ambiental. Ao
mesmo tempo, as quantidades que seria necessário transformar para que a
quantidade de combustível daí resultante tivesse algum peso na substituição de
gasolina, seriam de molde a afectar a satisfação de necessidades alimentares
primárias das regiões pobres do globo. Já a produção de etanol a partir da
celulose de resíduos vegetais, do próprio milho e outras espécies, incluindo
plantas herbáceas sem utilização para fins alimentares, poderá constituir no
futuro uma alternativa com valor energético e ganho ambiental positivo. A
tecnologia correspondente não está todavia ainda disponível.[v]
De acordo com alguns
autores, a contribuição das energias renováveis para o balanço energético
global poderia aproximar-se de 30% em meados do século. Entretanto, é difícil
admitir a possibilidade de substituir pela via das "novas energias", a
contribuição dos combustíveis fósseis para a produção de electricidade. A nível
global, o consumo de energia eléctrica actual é coberto em cerca de 2/3 pela
queima de combustíveis fósseis e o terço restante pela produção hídrica e
nuclear.
Importa também ter em
conta o facto de que os diferentes combustíveis fósseis não são equivalentes do
ponto de vista da sua utilização. Será mais correcto considerá-los
complementares do que intermutáveis, desse ponto de vista. Neste contexto de
esperada escassez e de vantagem competitiva na utilização, a situação mais
preocupante será a dos hidrocarbonetos. O fim da "civilização do petróleo" está
à vista e interessa reconhecer que se terá tratado de um breve intervalo
histórico, o que não lhe retira, naturalmente, importância para quem o viveu e
vive ainda.
"A consideração destes números deveria ter um
efeito salutar, porquanto eles tornam claro que aquilo que a natureza levou
centenas de milhões de anos a criar - os
hidrocarbonetos - será consumido e esgotar-se-á
num período extremamente curto da história do planeta." [vi]
Convém entretanto
sublinhar que não é apenas a inevitabilidade da progressiva escassez dos
hidrocarbonetos fósseis que deverá levar-nos a procurar soluções alternativas
para o abastecimento energético das sociedades humanas, mas também o facto de
que essas matérias primas têm utilizações mais nobres e que substituir,
nomeadamente, o petróleo, na sua aplicação para esses outros fins não
energéticos, não será tecnicamente simples e exigirá seguramente um
considerável esforço adicional de investimento. Por outro lado, os efeitos
ambientais perversos resultantes da queima dos combustíveis fósseis deverão ser
vistos como um importante incentivo à procura de soluções energéticas
alternativas.
É necessário não atrasar
mais a preparação das mudanças que assegurem uma existência com qualidade aos
nossos filhos e netos. Cito Gert Harigel cuja opinião partilhamos[vii]: "Medidas visando a
substituição de recursos, a modificação de hábitos e a distribuição equilibrada
de recursos têm de ser tomadas desde já, e quanto mais depressa melhor". E o
mesmo adianta, com pertinência, que a escassez de muitos recursos primários e
não só recursos energéticos, " (...) será agravada por dois motivos: o
crescimento da população e a procura de níveis de vida mais altos, em
particular no sentido da tentativa de eliminação do fosso entre países pobres e
países ricos, o que requererá, de um dos lados, redução, e, do outro,
crescimento e melhor rendimento de utilização de recursos." E acrescenta que se
pode duvidar que uma tal política possa ser imposta e aplicada
consequentemente, mas não de que ela seja um imperativo de sobrevivência da
humanidade. Por outro lado, "o preço da energia subirá à medida que os recursos
forem diminuindo, a par do crescimento dos consumos, assim aumentando a pressão
sobre a carteira dos consumidores, obrigando a mudanças dos padrões de despesa,
e necessariamente baixando o nível de vida," E faz notar que "acções militares
não contribuíram no passado e não ajudarão no futuro, a aliviar esta tendência
nem no plano monetário nem noutro planos. É tempo de os políticos agirem com
determinação e de a população entender a gravidade do problema".
No que respeita ao fosso
entre pobres e ricos, tem interesse referir que o consumo de energia per capita
nos EUA é 11 vezes maior que o consumo de energia per capita na República
Popular da China. Acreditamos que este factor de 11 não reflecte apenas e só a
profundidade do fosso que separa a produtividade das economias dos dois países
mas é também um índice de desperdício energético.
Relativamente aos
recursos energéticos nucleares que ocorrem na natureza, importa sublinhar o
seguinte: a capacidade da contribuição desses recursos para a satisfação de
necessidades de consumo, será em termos energéticos, comparável às do petróleo
e do gás natural, se esses recursos forem utilizados em centrais nucleares dos
tipos actualmente operacionais e em funcionamento, Os recursos assegurados não
durariam muito para além de meados do século, talvez ainda até cerca de 2070. A
possível descoberta de novos jazigos apenas levaria a atrasar por algum tempo o
inevitável esgotamento dos recursos.[viii]
A energia nuclear
Na secção anterior
mostrou-se que o abastecimento energético futuro do planeta coloca questões
difíceis para as quais importa encontrar soluções socialmente aceitáveis e
amigas da natureza. Isto implicará certamente a procura, numa perspectiva
global, de equilíbrios entre vantagens e desvantagens, nem sempre fáceis de
estabelecer e de aceitar no plano mais restrito de um país ou de uma região.
Pensamos que em qualquer
cenário que perspective uma solução viável para os próximos cem anos, a energia
nuclear deverá integrar o leque das opções energéticas a ter em conta. Por
outras palavras: conhecendo-se o que hoje se conhece das várias tecnologias
energéticas - as já operacionais e as que se
encontram em fases mais ou menos avançadas de projecto ou desenvolvimento - um complexo industrial energético que possa assegurar
até ao fim do século as necessidades energéticas mundiais deverá assentar num
conjunto equilibrado de fontes primárias que inclua a energia nuclear. O peso
dos combustíveis fósseis deverá ir diminuindo progressivamente, ao contrário do
peso das energias renováveis que deverá crescer significativamente.
O número de reactores
nucleares hoje em funcionamento no mundo aproxima-se de 440 com uma potência
eléctrica total vizinha de 360 mil milhões de watts (350 GW). Trinta e um
reactores, com uma potência eléctrica total de cerca de 25GW encontram-se em
construção No conjunto, 32 países possuem ou têm em construção novas centrais.
O projecto mais recente, é o projecto inovador de construção pela Rússia da
primeira central flutuante do mundo, equipada com dois reactores PWR de 30 MW
eléctricos, cada um. A central é móvel e foi construída com o objectivo de
abastecer aglomerados urbanos situados em zonas costeiras com até 200 mil
habitantes. Pode ser também utilizada para desalinizar água do mar com a
capacidade de produzir até 240 mil metros cúbicos de água doce por dia.
Interessa referir que
após o acidente de Chernobyl a questão do melhoramento da segurança de funcionamento
das centrais adquiriu maior prioridade no quadro do esforço internacional para
o aperfeiçoamento do projecto e construção de novos reactores. Ao mesmo tempo
obtiveram-se melhorias significativas no que respeita à disponibilidade e ao
rendimento energético das centrais. Em média, nos 15 anos seguintes, foi
possível passar de uma disponibilidade de cerca de 70% para cerca de 80%. Esta
é uma variação considerável que permitiu uma poupança significativa no
investimento em novas centrais. Ligado a estas melhorias na segurança do
funcionamento está a decisão dos EUA de prolongar por mais 20 anos a validade
das licenças de operação de ¾ dos 104 reactores em funcionamento no país. Vem a
propósito citar um comentário colhido em número recente da conceituada revista
Nature [ix]. Num artigo com o título
sugestivo de "Ligado às malhas - Ascensão e
queda da rede eléctrica dos EUA", o autor diz a certo passo: "(...) a rede
eléctrica dos EUA e os seus clones na
Europa, Ásia e América do Sul, estão hoje em crise (in trouble). Colapsos e cortes no abastecimento acontecem por toda
a parte com uma periodicidade quase anual (...). Nos EUA, o preço médio da
electricidade continua a subir acompanhando os preços do fuel. Só a energia
gerada em centrais nucleares se tem mantido estável em termos do custo para o
consumidor, e mesmo, em alguns estados, diminuiu significativamente."
A Geração IV de reactores avançados
Em 2001 foi criado o
consórcio internacional designado por Generation IV International Forum (GIF).[x] O GIF, liderado pelos EUA,
que hoje associa os seguintes países: Argentina, Brasil, Canada, China,
França, Japão, Coreia do Sul, República Sul-africana, Suíça, Reino Unido,
Rússia e, ainda, a União Europeia como pessoa colectiva. A Rússia e a República
Popular da China juntaram-se ao grupo em 2006. O GIF identificou, a partir da
experiência acumulada de projecto, construção e operação de reactores
existentes de tipos conceptualmente distintos, seis tipos de reactor a
desenvolver, com características adaptadas a diferentes utilizações, esperando
que possam estar em condições de operação comercial até 2030, ou em alguns
casos ainda antes dessa data.
Em todos estes tipos ou
fileiras tecnológicas as temperaturas de funcionamento serão mais altas do que
as dos reactores actuais. Em particular, quatro dos seis tipos são indicados
para a produção de hidrogénio por dissociação termoquímica da água. Em todos os
casos procuram-se melhores características de sustentabilidade, economia,
segurança, fiabilidade e protecção contra a proliferação nuclear.
Na maioria dos seis
sistemas a desenvolver, adopta-se o ciclo de combustível fechado para maximizar
a utilização da matéria-prima energética e minimizar o volume dos resíduos de
alta actividade que carecerão de armazenamento. Dos seis tipos de reactores,
três são reactores reprodutores a neutrões rápidos; um funciona com neutrões de
energia intermédia; e dois são reactores a neutrões de baixa energia, ditos
"térmicos" como acontece com as centrais comerciais actualmente em operação
comercial.
As potências eléctricas
situam-se entre 150 e 1500MW eléctricos, sendo que um dos tipos considerados,
arrefecido por chumbo líquido e de baixa potência (50 a 150 MWe), tem a
particularidade de poder operar como uma "bateria" capaz de funcionar sem recarga
de combustível por um período de 15 a 20 anos. Trata-se de uma unidade modular
móvel que pode ser usada também para desalinização da água do mar.
Fusão nuclear: o projecto ITER
O outro projecto que
interessa referir aqui é o projecto ITER - International
Thermonuclear Experimental Reactor [xi]. O ITER é um projecto
internacional partilhado (joint project)
de I&D que procura demonstrar a viabilidade científica e técnica da utilização
da fusão nuclear como fonte de energia susceptível de contribuir para a
cobertura das necessidades energéticas da humanidade. O consórcio ITER envolve
a União Europeia (representada pela EURATOM), o Japão, a República Popular da
China, a Índia, a República da Coreia, a Federação Russa e os EUA. O ITER conta
com um orçamento de investimento de 5 mil milhões de euros a que se juntará
outro tanto para o funcionamento durante a fase de operação. Esta deverá
decorrer entre 2016 e 2036. O reactor será instalado em Cadarache, no sul de
França, onde estão já em curso os trabalhos de terraplanagem necessários à
implantação do reactor.
A
fusão de núcleos leves é a fonte de energia do sol e das estrelas. O projecto
ITER é um passo no processo tendente a demonstrar que esta fonte de energia
pode ser usada na terra para a produção de electricidade de forma segura e
amiga do ambiente, partindo de um combustível abundante.
O
passo seguinte no caminho da exploração industrial da energia de fusão será a
construção de um reactor de demonstração - o DEMO.
A previsão actual relativamente à entrada em funcionamento do reactor DEMO é
que ela deverá ocorrer entre 30 a 35 anos após o início da construção do
protótipo experimental ITER. O início da construção deste último está previsto
para 2009 o que atirará a entrada em funcionamento do DEMO para meados do
século.
Ciências e Técnicas Nucleares: a situação em
Portugal
Importa dizer que a
tecnologia nuclear tem no mundo contemporâneo outras aplicações além da geração
de energia eléctrica em centrais. Essas aplicações estão presentes em numerosos
ramos da produção industrial, nos cuidados de saúde e noutras ciências
aplicadas.[xii]
Citando Díaz-Balart:
"Exige-se um conjunto vasto de conhecimentos, de ordem científica, tecnológica
e outras, relacionadas com aquelas, para que qualquer país possa desenvolver,
construir e operar um ramo industrial nuclear. Naqueles países que não tenham
podido dominar estas áreas num próximo futuro, a tarefa tornar-se-á impossível
por muitas décadas a vir." E acrescenta: "Estou convencido de que a assimilação
da energia nuclear terá de ser desenvolvida de mãos dadas com a criação de uma
cultura nuclear global bem compreendida pela generalidade das pessoas."
Em Portugal, verifica-se
há várias décadas o progressivo empobrecimento da capacidade científica e
técnica necessária ao desenvolvimento das aplicações das ciências e técnicas
nucleares. Empobrecimento de recursos humanos, de equipamentos e instalações, que
afecta também as indispensáveis acções de protecção e vigilância radiológica do
meio ambiente, o controlo radiológico dos trabalhadores profissionalmente
expostos a radiações e a fiscalização dos equipamentos que utilizam radiações e
radioisótopos, nomeadamente, na área da saúde e em diversas áreas do sector
produtivo onde são utilizadas para fins de controlo de processos industriais ou
em que se processam matérias primas (carvão, petróleo, argilas plásticas e
outras) que contêm isótopos radioactivos naturais. A situação, degradou-se não
só no que respeita aos meios, humanos, materiais e financeiros existentes mas
também à respectiva estrutura organizativa e de gestão e à própria legislação e
regulamentação específica que o sector exige, a ponto de não haver condições
para dar seguimento adequado a obrigações e compromissos internacionais
decorrentes da qualidade de membro da Agência Internacional de Energia Atómica
e da União Europeia. Há prazos de transposição de directivas europeias
largamente ultrapassados com o risco de pagamento de pesadas multas. A
actividade de dosimetria pessoal foi reduzida bem como o controlo radiológico
de águas para consumo humano, por falta de recursos de pessoal aliada à falta
de condições para conseguir a acreditação de laboratórios, legalmente exigida
para a realização de algumas das actividades referidas. Parte destes serviços
transitaram para empresas do sector privado verificando-se a subcontratação a
entidades estrangeiras da prestação dos respectivos serviços.
Em Portugal, os meios
técnicos especializados na área das ciências e tecnologias nucleares, estão, no
essencial, concentrados no Instituto Tecnológico e Nuclear que foi parte
integrante da Junta de Energia Nuclear (o equivalente nacional do CEA francês
ou da USAEC norte-americana) criada em 1954 e extinta em Outubro de 1979. O
actual ITN tem sido o depositário, em condições muito difíceis, de uma
experiência acumulada ao longo de quase meio século (foi inaugurado em 1961) na
área das ciências e técnicas nucleares. Na recente "reforma" dos Laboratórios
do Estado foi atingido por uma das peças da nova legislação disparada pelo
Ministro Gago, que lhe confere entre outras atribuições as seguintes[xiii]:
(...)
d) Apoiar, científica e tecnicamente, o Governo em
relações com organismos internacionais com actuação na área das tecnologias
nucleares, bem como assegurar o exercício de direitos e o cumprimento de
deveres resultantes de instrumentos internacionais relativos a este domínio;
e) Assegurar a monitorização radiológica, em todo
o território nacional;
(...)
São bonitas intenções
destinadas a não passar do papel sem o indispensável reforço e rejuvenescimento
de quadros, equipamentos e instalações. Neste momento, e a título de exemplo da
situação de precariedade que se vive, importa dizer que alguns serviços da área
da protecção radiológica sobrevivem à custa do trabalho de jovens bolseiros e
avençados que cobre necessidades permanentes desses serviços.
Reportando-nos às
palavras de Díaz-Balart cujo sentido profundo não nos deve escapar: a primeira
tarefa, necessária e urgente, a levar por diante no país é a de criar o
potencial humano - também aqui a maior e mais
decisiva riqueza nacional - com o
conhecimento e a experiência de que depende qualquer futuro desenvolvimento das
aplicações civis da energia nuclear em Portugal, em condições vantajosas para o
país, no quadro de um mundo em transformação.
Consideramos que nas
presentes condições seria errado introduzir no país a geração de energia
eléctrica por via nuclear, ou seja, uma central electro-nuclear, não só pelas
razões aduzidas nos parágrafos anteriores - a
incipiência e inoperacionalidade relativas do sistema científico e técnico
nacional nesta área - como também pelo facto de, num
futuro que se espera não estar a mais do que 15 ou 20 anos de distância, se
virem a concretizar soluções tecnológicas que permitam encarar a indústria
energética nuclear como uma solução, ainda que transitória, susceptível de dar
uma contribuição significativa a médio prazo (pelo menos um século) para o
abastecimento energético mundial com o aproveitamento racional dos recursos
minerais existentes (urânio e tório), uma redução substancial da produção de
resíduos tóxicos (radioactivos e químicos); maior segurança e melhor rendimento
energético, e, por último mas não de menor importância, com reduzido risco de
proliferação nuclear.[xiv]
- Entretanto importa
salientar, novamente recordando, as palavras de Díaz-Balart, que as técnicas
nucleares têm um vastíssimo domínio de aplicações não energéticas. Em
particular, as aplicações no campo da Medicina Nuclear onde se recorre a fontes
de radiação e a isótopos radioactivos para fins de diagnóstico e terapêutica.
Esta área, conheceu nas últimas décadas, em Portugal, no sector da saúde, um
significativo incremento, com a aquisição de equipamentos modernos, treino e
formação de pessoal técnico e superior especializado, e algum trabalho de
I&D. Entretanto, mantém-se um considerável atraso na capacidade nacional de
prestação de cuidados de saúde nesta área quando comparada a situação com a
existente em países mais avançados, abrindo-se-lhe um vasto campo de expansão de
acordo com as necessidades da população portuguesa.
A necessidade de formação
de profissionais especializados no campo das ciências e técnicas nucleares,
acima sublinhada, exige a disponibilidade de instalações modernas adequadas e
devidamente equipadas, operadas e mantidas; são disso exemplo, um reactor
nuclear de investigação, aceleradores de partículas ou lasers de potência. Por
regra, essas instalações e equipamentos são também indispensáveis, e devem ser
utilizadas, na formação de estudantes nas ciências básicas ou aplicadas, seja na
Física, na Química, na Biologia, nas Ciências Ambientais, e outras mais, independentemente
da orientação futura desses estudantes e dos ramos de actividade em que virão a
integrar-se.
Frederico Carvalho
22 de Maio de 2004
Referências:
[1]Fidel Castro Díaz-Balart, "Energia y
preservación del medio ambiente: articulación escabrosa para el siglo XXI", Nucleus, 40, 2006, pp.21-29
[2]Gert G. Harigel, "Is
there a need for nuclear power?" INES Newsletter No.52, April 2006
[3]Fidel Castro
Díaz-Balart, "Nuclear Energy: Environmental Danger or Solution for the 21st
Century?" First English Edition 2005
[i] Bento de Jesus Caraça, "A cultura integral do
indivíduo - problema central do nosso
tempo", Conferência realizada na União Cultural "Mocidade Livre", em 25 de Maio
de 1933
[ii] Tonelada equivalente de petróleo (tep), em inglês (ton of oil equivalent:
toe) é uma unidade de energia que corresponde ao conteúdo energético de 1 t de
petróleo. É usada, sobretudo por economistas e políticos, para exprimir a
produção ou o consumo de energia de um país.
1 TOE corresponde a 41,85 GJ ou 11,626 MWh ou ainda à
energia produzida pela queima de 1,615 t de carvão de referência. O exajoule
vale 1018 J ou mil milhões de gigajoules.
[iii] Castro Díaz-Balart (ref.3, p.245)
[iv] No artigo "Powering the future" (in National Geographic, vol. 208, n.º 2,
Agosto 2005), Michael Parfit mostra que para substituir a fracção da energia
eléctrica consumida em Nova York proveniente da queima de combustíveis fósseis - 60% do consumo total de electricidade da cidade - seria necessário cobrir com painéis solares uma
área equivalente a 190 km2 , com uma potência eléctrica de pico de
cerca de 25 400 MW. No caso de se recorrer a geradores eólicos, os valores da
área a utilizar e da potência de pico seriam, respectivamente, 28 km2 e
10200 MW. No caso do abastecimento ser feito com recurso a centrais nucleares,
a área a utilizar seria de 5,2 km2 e a potência eléctrica de 4000
MW.
[v] v. "Is Ethanol for the long Haul?", Matthew L.
Wald, Scientific American, Vol. 296,
N.º 1, Janeiro 2007, e também , "Condenados a muerte premature por hambre y sed
más de 3 mil millones de personas en el mundo", Fidel Castro Ruz, Granma, Año 43, N.º 75, 29 de Março de
2007
[vi] ibid. (p.241)
[vii] Gert
G. Harigel (ref. 2)
[viii]
ibid. (p.99-100).
[ix] Nature, Vol 447, 10 de Maio de 2007,
pp.145-146
[x] Generation
IV Nuclear Reactors UIC Briefing Paper, http://www.uic.com.au/nip77.htm
[xi] IAEA Bulletin, Vol. 48/2, Março de 2007, pp.29-31 e http://www.iter.org/
[xii] v. em Castro
Díaz-Balart (ref.3, pp.80-97) informação pormenorizada sobre o tema
[xiii] Decreto-Lei n.º 156/2007,de 27 de Abril, in Diário
da República, 1.a série-N.º 82-27
de Abril de 2007, p.2759
[xiv] Já na
segunda metade do século e com todas as incertezas que lhe estão associadas,
poderia ter início a exploração industrial da energia de fusão nuclear.