Encontro Regional de Setúbal da CDU

Intervenção de Jerónimo de Sousa

(Extracto)

(...)

Estivemos até há dois dias na contingência de vir a travar a batalha eleitoral que se avizinha em circunstâncias que nós considerámos inaceitáveis e deploráveis com a errada pretensão do PS e dos partidos da direita, PSD e CDS, de imporem para o mesmo dia das eleições autárquicas o referendo sobre o tratado da “Constituição Europeia”.

Pretensão contra a qual afirmámos a nossa mais profunda discordância e praticamente sozinhos, no quadro das forças políticas, movemos uma firme oposição.

O adiamento do referendo que agora se anuncia é, assim, uma boa notícia, não só porque a batalha das autarquias pode ser agora travada num contexto de clara afirmação dos projectos autárquicos em confronto, mas também porque, com tal decisão, tomada como sabemos a contra gosto pelo governo PS, põe termo a um acto referendário que estava condenado a transformar-se numa farsa e numa inadmissível fraude política.

Uma farsa porque a consulta aos portugueses iria ser realizada em circunstâncias que não permitiria um debate sério e esclarecedor sobre as consequências para os trabalhadores, o povo português e para a soberania nacional do conteúdo do Tratado a referendar. Tratado que passaria contrabandeado na sombra do debate autárquico. Seria uma fraude política porque depois da vitória do “Não” em França e na Holanda os portugueses iam ser chamados a pronunciar-se sobre um Tratado que está ferido de morte pelo voto popular e juridicamente moribundo.

À distância de apenas escassas três semanas do acto de aprovação da revisão constitucional votada pelo PS, PSD e CDS, com a qual pretendiam à viva força impor o referendo nestes circunstancias se pode ver quanta insensatez e irresponsabilidade, mas também quanto autoritarismo estava contido naquela obstinada intenção de forçar a todo o custo a aprovação de um Tratado que os povos condenavam.

É, por isso, que o adiamento do referendo é uma vitória de todos aqueles que, como nós PCP/CDU, se bateram contra e denunciaram a inqualificável estratégia de manipulação que estava em curso e uma derrota que devia servir de ensinamento para todos aqueles que subestimando a vontade expressa dos povos pensavam que bastava pôr em marcha a bateria dos fazedores de opinião encartados, instalados no aparelho mediático, aqui, em França ou na Holanda, para imporem a sua “autorizada” opinião e decisão.

Mas o mais profundo significado do adiamento do referendo e da decisão tomada neste último Conselho Europeu realizado esta semana de adiar por um ano o processo de ratificação do novo Tratado é a de que, tais decisões, constituem uma pesada derrota da União Europeia neoliberal, federalista e militarista.

A falência desta Cimeira Europeia que nada decidiu de concreto e tudo adiou é expressão das contradições resultantes de imposição aos povos de uma política que estes recusam e que tem agravado o desemprego, põe em causa os direitos dos trabalhadores, promove a mais desenfreada ofensiva contra as funções sociais do Estado, a saúde, a segurança social e a educação.

É provável que aqueles que ainda há dois dias, como José Sócrates, contra todas as evidências e até contra a opinião do seu Ministro dos Estrangeiros manobrava para salvar este Tratado, alimentem a esperança de o impor no futuro.

É, contudo, nossa convicção que quem assim pensa está condenado a um novo fracasso. É nossa convencimento que este Tratado não só está “morto”, como vai ser “enterrado” e bem “enterrado” pela luta dos povos.

Da nossa parte continuaremos a defender que o povo português deve ter a oportunidade de se pronunciar sobre o processo de adesão à União Europeia. Não sobre um Tratado que está “morto”, mas sobre o rumo da União Europeia. E, por isso, continuaremos a defender e a considerar que a revisão da Constituição Portuguesa deve consagrar uma fórmula genérica que permita aos portugueses se manifestem sobre o processo de integração Europeia.

Mas é preciso reafirmar com muita clareza também que não aceitamos e recusaremos qualquer Tratado Constitucional ou Constituição Europeia.

A Europa que defendemos de Estados soberanos e iguais não precisa de uma constituição e muito menos de “Tratado Constitucional” cujo objectivo central será sempre o de impor uma solução de cariz federalista que visará a inaceitável subordinação do direito nacional ao direito comunitário amputando ainda mais domínios essenciais da nossa soberania nacional.

Amigos e camaradas:

A Cimeira Europeia que adiou o processo de ratificação do novo Tratado adiou também uma decisão sobre as perspectivas financeiras 2007/2013. O Conselho não chegou a acordo. Esta é também outra boa notícia para Portugal.

Ao contrário do que afirma o governo português o que estava em cima da mesa não era uma boa solução para Portugal, já que nem sequer garantia, num quadro de previsível aumento das nossas dificuldades face ao alargamento, uma participação igual à do actual Quadro Comunitário de Apoio.

Seguindo o velho truque de colocar a fasquia de forma irrealista no ponto mais baixo para depois cantar vitória com uma subida de dois ou três furos acima, o governo preparava-se para aceitar um acordo que significava um brutal corte nos fundos comunitários para o próximo Quadro Comunitário de Apoio.

Um acordo que promoveria uma redução da participação portuguesa nos fundos comunitários em 15%, que colocava o Algarve fora do objectivo I por mera actualização estatística e queria impor o co-financiamento da PAC, isto é, renacionalizar uma parte dos apoios à Agricultura, não podia ser um bom acordo para Portugal.

Este seria um acordo que subalternizaria os princípios da “coesão económica e social” e seria contrário às necessidades da convergência real das economias.

Um acordo que no quadro das fortes restrições orçamentais impostas pelo novo Programa de Estabilidade e Crescimento, agora aprovado na Assembleia da República, pela maioria PS, acentuaria ainda mais a actual tendência para continuar o processo divergência de desenvolvimento com a União Europeia.

Amigos e Camaradas:

Cem dias passados desde a entrada em funções do Governo PS, temos em primeiro lugar de lembrar qual foi o ponto de partida, que sentimentos e anseios tinham os portugueses quando nas Eleições de Fevereiro aplicaram uma pesada derrota à direita, deram a maioria absoluta ao PS e reforçaram o PCP e a CDU. Queriam uma mudança de Governo, mas com base nos seus problemas e inquietações, nas perdas que tiveram com a política realizada pelos Executivos de Barroso e Santana, também criaram justas expectativas de mudança na política.

Nós alertámos para o carácter negativo da possibilidade de uma maioria absoluta do PS. A tentação seria, não para dialogar, convergir, mudar de rumo, mas antes para impor e prosseguir o essencial da política de direita. Diga-se que podia ter disfarçado um pouco mais, mas até na encenação da surpresa quanto ao nível do défice das finanças públicas aproximou-se muito daquela peça célebre de Durão Barroso sobre o discurso de tanga. E quando chegou ao concreto das medidas então aí a semelhança foi excessiva.

Aumento do IVA (coisa sempre negada na campanha eleitoral), ataque frontal aos trabalhadores da Administração Pública (coisa sempre escondida). Mesmo o anúncio de retirar tal ou tal privilégio a deputados e outros cargos públicos (questão levantada pelo PCP há mais de uma década) ficou ensombrado já que no plano da moralização não é coisa que Sócrates se possa gabar pelo facto da enxurrada de lugares de confiança política que estão a encharcar o aparelho de Estado e as empresas onde o Estado tem interesses.

E sabendo que os trabalhadores, os reformados, as classes e camadas intermédias “já tinham visto o filme” do apelo aos sacrifícios enquanto o grande capital financeiro, os especuladores bolsistas e imobiliários enchiam o saco, Sócrates e o mensageiro Jorge Coelho vieram descansar o povo: paguem agora vocês porque mais à frente, lá mais para o ano, nós penalizamos o grande capital financeiro.

Os portugueses estão escaldados porque há mais de 20 anos que andam a dar para esse peditório!!!

Mau início este! Num quadro em que se continua a assistir à destruição e asfixia do nosso aparelho produtivo, à sangria das deslocalizações, não avançando nenhuma medida concreta que vá no sentido do crescimento da economia e do crescimento do emprego, deixando agravar outros défices em áreas estruturantes e estratégicas como o agro-alimentar, o energético e mesmo o tecnológico, abdicando de estimular o aumento de bens transaccionáveis, procurando criar mais riqueza para a melhor repartir, o Governo do PS centra o ataque aos direitos dos trabalhadores da Administração Pública.

Julga o PS que isolando os trabalhadores da Administração Pública dos trabalhadores do sector privado, acusando aqueles de desfrutar de privilégios que estes não possuem, consegue dividir os trabalhadores e a sua luta e fazer pacificamente o nivelamento dos direitos por baixo.

Sócrates não conhece por falta de calo aquilo que para os sectores mais conscientes dos trabalhadores do sector privado constituí uma tese! Eles não têm direitos demais. Nós é que temos de menos!

É oportuno lembrar que quando se desencadeou o processo do pacote laboral e se realizou a Greve Geral em 2002, Bagão Félix dizia que não havia razão nenhuma para que os trabalhadores da Administração Pública aderissem porque não era nada com eles. É o ciclo infernal da ofensiva contra os direitos dos trabalhadores que muda de executantes, de táctica em relação ao momento e aos sectores, mas não de objectivos. Por maldade de Sócrates? Não!

É uma opção seguidista do que está determinado pelos centros de decisão do grande capital transnacional e do neoliberalismo que orientam os Governos para que em cada país concreto as apliquem, governos que sem rasgo nem coragem não chamam a si o interesse nacional.

Só que subestimam o papel dos trabalhadores e da sua luta. Tal como na Europa subestimaram o grau de descontentamento dos povos. A manifestação dos trabalhadores da Administração Pública é um exemplo notável de que vale a pena lutar e continuar a acreditar. A convergência com a luta dos trabalhadores do sector privado, designadamente na Jornada convocada e organizada pela CGTP-IN para 28 próximo é o caminho mais sólido e seguro e de certeza terá a presença maciça dos trabalhadores do Distrito!

Convergência face aos direitos que são comuns e que estão ameaçados.

O direito de contratação colectiva.

No sector privado caducidade, na Administração Pública pela imposição unilateral.

O direito a salários mais valorizados. (Referencial da Função Pública).

O direito à aposentação parece ser uma questão só da Função Pública. Consigam eles o objectivo e não tardarão a exigir, então a todos, que trabalhem até aos 68 ou 70 anos, porque essa ameaça está lá, essa está lá, no Programa do PS.

A privatização de serviços e funções sociais do Estado. Limpeza social dos direitos para entregar mais barato ao privado. Transformar o utente em cliente.

Nós, comunistas, nas empresas, nos locais de trabalho, nas organizações de massas, nos movimentos sociais, não nos devemos limitar a defender o que se pode, à espera que o Governo PS continue a governar mal para depois dizermos “estão a ver, estão a ver que tínhamos razão?”.

Os comunistas, partindo dos problemas concretos e do que é justo, nas causas mais diversas e mais justas, devem assumir uma posição ofensiva, defendendo, lutando, mas consciencializando, propondo a ruptura com esta requentada política, para que se retome uma nova política, uma política de esquerda, que no quadro de democracia política, tenha como matriz, designadamente, a defesa do aparelho produtivo e da produção nacional, o crescimento económico e do emprego, o respeito e a valorização do trabalho com direitos, a salvaguarda da universalidade do direito ao ensino, à saúde e à Segurança Social, a salvaguarda da nossa soberania e independência nacional.

É envolvendo e reconhecendo o seu papel motor na luta os trabalhadores, reformados, juventude, mulheres, intelectuais e quadros técnicos, micro, pequenos e médios empresários, sectores da burguesia anti-monopolista, construindo uma vasta frente de luta e movimentos sociais e de massas, que só podemos criar as alianças sociais necessárias para fazer com que o PS para que reflicta e mude o rumo desastroso por onde quer ir. Sem esta convergência e estas alianças alicerçadas em interesses e direitos concretos, em causas justas, progressistas e patrióticas, não será possível construir alianças políticas e uma alternativa política e de esquerda para Portugal. O PS não mudará se não for obrigado a mudar.

Pode o PS pôr as coisas ao contrário e já tem posto: mude o PCP. Só que pode exigir-se a um Partido que se afirma de esquerda que faça uma política de esquerda. Não se pode reclamar dum Partido de esquerda que subscreva ou execute uma política de direita!

É uma batalha decisiva que não é contraditória com os esforços prioritários em direcção à batalha das Autárquicas. Antes pelo contrário!

O nosso combate quotidiano no plano político e social incorpora um potencial de possibilidades de atracção à CDU, ao seu projecto autárquico distinto, por parte de muitos que estiveram ali na manifestação da Administração Pública, que estiveram ali na ímpar e impressionante despedida do Camarada Álvaro, que encontram neste Partido, nesta CDU, um projecto sério, capaz, competente e combatente por um futuro melhor, que nos testemunharam que vale a pena ter princípios, valores, ideais e a confiança no futuro.

É uma batalha que não pode ser dissociada do reforço geral do Partido, da sua organização e acção. Quero dizer-vos camaradas que nas últimas semanas e particularmente nesta que agora finda, há dezenas de novas inscrições no Partido. Se pensarmos em tantas dificuldades, tantos perigos e complexidades, decorrentes da actual situação, esta decisão só nos dá ânimo e confiança para o futuro.

 

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