Intervenção de

Encerramento de serviços de urgência em hospitais e centros de saúde - Intervenção de Bernardino Soares na AR

Suspensão do processo de encerramento de serviços de urgência em hospitais e centros de saúde

 

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

Todos os dias se confirma a oportunidade e a importância deste agendamento que o PCP, em boa hora, propôs na Conferência de Líderes.

Repetem-se não só os protestos da população por todo o País, mas também as decisões e os  episódios que comprovam a gravidade das orientações economicistas em curso. Mais uma criança a nascer em ambulância a caminho de Coimbra, mais uma falha no atendimento de emergência no Alentejo, são apenas a face visível da dramática situação para que as populações estão a ser lançadas em todo o País.

E hoje mesmo é noticiado o encerramento de oito serviços de atendimento permanente durante a noite em oito concelhos do distrito de Bragança, que, com cinismo e requintes de malvadez,   Governo aprazou para o dia 25 de Abril, tal como, aliás, se prepara para fazer noutras regiões. O Governo quer encerrar a eito SAP e urgências no dia em que se comemora o aniversário da Revolução, que abriu caminho à instituição do Serviço Nacional de Saúde.

Quando o Governo iniciou o processo de encerramento de urgências em hospitais, centros de saúde e outros serviços, dissemos que se tratava de uma política orientada pela lógica da diminuição da despesa e da concentração de serviços, com elevados prejuízos para as populações, que os argumentos técnicos apresentados não chegariam para esconder as evidentes determinações políticas que conduzem o processo desde a primeira hora e que ao encerramento dos serviços públicos se seguiria o aparecimento de serviços privados prontos a ocupar o seu lugar.

Não somos contra a ponderação da rede de serviços, designadamente de urgências, nem avessos à sua reestruturação. Mas uma reestruturação dos serviços de saúde deve assentar no objectivo de encontrar as melhores soluções de organização para o acesso à saúde das populações e não, como acontece com a reestruturação do Governo, no objectivo da máxima poupança e da garantia de mercado para os privados.

O projecto de resolução que hoje apresentamos (n.º 184/X) visa precisamente garantir as condições mínimas para o debate e para a aplicação de uma verdadeira reestruturação das urgências e de outros serviços que não seja apenas um encerramento em larga escala. Não propomos soluções definitivas, mas desafiamos o Governo a apresentar à Assembleia da República uma proposta de lei que defina os critérios de distribuição pelo território dos vários serviços, permitindo uma ampla discussão sobre a matéria e o apuramento das linhas de orientação que deverão, depois, conduzir, então sim, a uma redefinição da rede de urgências coerente e ao serviço das populações.

É, por isso, um projecto de resolução diferente do que é apresentado pelo Bloco de Esquerda. Parece-nos que a proposta do Bloco de Esquerda é, apesar de tudo, tímida na qualificação do processo que está em curso, que não peca apenas por não coordenar as alterações nos centros de saúde com as dos hospitais. Reconhecemos as cautelas postas nas propostas de forma a aligeirar os efeitos negativos da reforma em curso, mas, na nossa opinião, é preciso ir mais além, é preciso suspender e reavaliar em termos sérios este processo. É que, se ele se concretizar, mesmo com as cautelas que o Bloco de Esquerda propõe, o resultado final será indubitavelmente negativo.

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

O Governo tem procurado defender a sua política recorrendo aos mais diversos instrumentos. Desde logo, a nomeação de uma comissão técnica para elaborar uma proposta de rede de urgências hospitalares. É um truque conhecido.

O Governo já decidiu há muito qual é a orientação fundamental da política para os serviços de saúde: encerrar o mais possível.

Esse foi, portanto, o enquadramento do trabalho da comissão. Não um enquadramento que apontasse para a elaboração de uma proposta de proximidade com as populações, com mais investimentos em recursos humanos e equipamentos, mas, sim, um enquadramento condicionado por pressupostos de redução dos pontos de urgência, com uma visão da urgência reduzida aos casos de emergência ou de potencial emergência.

A vida tem demonstrado que nem a maior competência técnica - que não se nega aos membros da referida comissão - pode emendar uma má orientação política.

De resto, ficou claro do debate da proposta da comissão técnica que ela ignorou o que se está a passar por todo o País em matéria de encerramento de SAP. Como se pode organizar as urgências hospitalares sem ter em conta a razia que o Governo está a fazer em matéria de atendimento nos centros de saúde? É que, mesmo aceitando que nem todos os que hoje recorrem a um SAP, entretanto encerrado, vão dirigir-se a um hospital, em geral muito mais distante, o que, em alguns casos pode até ter sérias consequências para a sua saúde, muitos irão, certamente, congestionar ainda mais as urgências hospitalares, com aumento dos tempos de espera e maiores dificuldades no atendimento. Uma coisa não pode andar desligada da outra.

A comissão técnica assenta, para além do mais, a sua proposta em pressupostos de investimento nos serviços de urgência básica a criar e nas redes de emergência pré-hospitalar. A comissão e todos os portugueses já perceberam que o Governo se prepara para aplicar como solução para a emergência pré-hospitalar as viaturas chamadas de suporte integrado de vida, menos diferenciadas e qualificadas.

De facto, as sucessivas promessas de investimentos por parte do Governo, para tentar esconder a gravidade das consequências dos encerramentos, não têm qualquer concretização em planos de investimento com datas e compromissos concretos.

A política do governo é a de encerrar já e prometer remédios insuficientes, que não se sabe se e quando se concretizarão.

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

O Governo vai usando os mais incríveis e falsos argumentos. O Governo e a comissão técnica falam de uma maior proximidade das urgências hospitalares na proposta apresentada.

É uma visão deturpada da realidade. Primeiro, porque é visível que as contas feitas não têm em conta a demora que os meios de emergência levam a chegar ao local onde são necessários, a que acresce o tempo de deslocação até à urgência entretanto destinada, o único que é, em geral, considerado no estudo.

Depois, porque se trata de uma falsa maior proximidade de urgências. É que, entretanto, pelo caminho, encerraram muitas dezenas de serviços de atendimento que, até aí, estavam acessíveis às populações e que podiam dar resposta a muitas das situações em causa. Passamos de cerca de 180 pontos de urgência para pouco mais de 80.

É, aliás, curioso o discurso de desvalorização dos SAP que o Governo tem utilizado. Quem ouça o Governo fica a pensar que os SAP não servem para nada. Mas, na verdade, dados de 2005 demonstram que foram feitas nos SAP quase 5,7 milhões de consultas, sendo as das urgências hospitalares quase 6 milhões. Quer isto dizer que aquilo que o Governo desvaloriza corresponde a quase metade dos atendimentos e consultas em urgência, atendimentos esses que, na esmagadora maioria dos casos, resolvem o problema sem necessidade de recurso a outra unidade. Ninguém acredita que seja possível absorver estes mais de 5 milhões de consultas nas urgências hospitalares e no funcionamento corrente dos centros de saúde.

O Governo esconde que muitos centros de saúde dispõem até nos atendimentos urgentes de condições semelhantes às que o Governo prevê agora para os serviços de urgência básica, que, mesmo assim, são fechados. A outros faltam equipamentos, é certo, mas esse problema tem de se resolver com mais investimento e não com mais encerramentos.

O Governo já foi obrigado a alguns retrocessos tácticos, meramente conjunturais e procurando garantir o essencial. Até já fala, no quadro dos protocolos assinados com algumas autarquias, em consultas abertas em algumas urgências a encerrar. Admite aquilo que tem andado a negar e consagra agora aquilo a que podemos chamar verdadeiros SAP hospitalares, quando anda a negar a existência dos SAP nos centros de saúde.

O que o Governo já não consegue esconder é que a sua política serve na perfeição a estratégia em desenvolvimento do sector privado. É o está a acontecer em Mirandela, com a maternidade, na Mealhada, em Espinho, em Guimarães ou em Torres Vedras e que acontecerá em todo o lado em que o negócio compense,  face ao abandono das populações pelos serviços públicos. O Governo e o Ministério da Saúde comportam-se, assim, como verdadeiros angariadores de clientes para o negócio privado da saúde.

Se a maioria parlamentar não aceitar esta proposta de resolução, teremos de perguntar de que tem medo o Governo: de discutir critérios racionais de organização das redes de urgência e emergência? Ou terá medo de ter de justificar as suas decisões, pondo a nu a sua fragilidade e os seus verdadeiros propósitos, que é destruir o Serviço Nacional de Saúde e abrir caminho aos negócios privados?

Não propomos soluções fechadas nem negamos a necessidade de discutir uma adequação das redes de urgência à realidade do País, propomos que, por uma vez, o Governo aceite parar para pensar e que não se comporte como os pistoleiros dos westerns, que disparam primeiro e perguntam depois, encerrando já e explicando depois.

(...)

Sr. Presidente,

O Sr. Deputado Ricardo Gonçalves diz que o Governo lançou um debate. Pois, lançou um debate do qual já tinha tirado a conclusão.

Ora, isto não é um debate, um debate é o que nós propomos: propomos suspender a conclusão para que o debate se faça sem que a conclusão já esteja tirada. É só isso que estamos aqui a discutir!

E o que os senhores têm de fazer é optar entre estas duas hipóteses: ou admitir um debate que começou com a conclusão já tirada (e acertos pontuais não podem esconder que a conclusão de fundo já estava tirada) ou decidir se querem um debate em que se discutam as orientações e a filosofia para a rede de urgências e, depois, se tirem as conclusões.

Toda a gente está de acordo com a comissão técnica, diz o Sr. Deputado. Não sei em que país é que o senhor anda. Eu vejo é muita gente em desacordo com a comissão técnica, e justamente.

Depois, diz também que os SAP não são urgências. O Sr. Deputado deve querer dizer que os SAP não servem para resolver muitas das situações de emergência, mas até há alguns SAP que servem para resolver situações de emergência.

E até esses o Governo encerra, obrigando as pessoas a irem para mais longe!

No fundo, a filosofia do Sr. Deputado e a do Governo é esta: entre ter um SAP a 5 km e um hospital a 100 km e ter só um hospital a 100 km e nenhum SAP perto, o preferível é ter o hospital distante e não ter o apoio mais próximo. Certamente, muitas questões só se podem resolver nas urgências hospitalares, mas muitas, como aqui demonstrei, mais de 5 milhões, eram até resolvidas pelos SAP e agora vão deixar de ser.

Portanto, os acessos às urgências estão mais longe do que estavam antes.

Não se trata apenas da rede hospitalar. Abaixo dela está uma rede de urgências dos centros de saúde, que os senhores querem ignorar neste debate, mas que altera completamente os dados desta questão.

(...)

Sr. Presidente,

Quero fazer dois ou três comentários, no final deste debate.

Diz o Sr. Deputado Manuel Pizarro que, ao contrário das normas técnicas internacionais, somos contra a concentração. Só que essas normas dizem respeito - e bem! - aos meios mais diferenciados tecnologicamente e, com isso, estamos de acordo; já não dizem respeito à proximidade das portas de acesso ao Serviço Nacional de Saúde (SNS) em relação às populações. Portanto, não responda com «bugalhos» quando estamos a falar de «alhos». Ninguém quer todos os equipamentos das urgências polivalentes em todos os sítios do País; o que queremos é que, a par de serviços concentrados mais diferenciados, haja serviços a que se possa aceder, mais próximos de onde as pessoas estão e mais disseminados no território, e isso é que está a ser posto em causa por esta reforma.

Diz o Sr. Deputado que queremos confundir as pessoas, ao dizer que os serviços de atendimento são urgências. Não, Sr. Deputado!! O Sr. Deputado e o PS é que querem fazer crer aos portugueses que a urgência se reduz às situações tecnicamente qualificadas como de emergência. Só que nós entendemos que a urgência é mais do que isso: é também aquele caso agudo de doença em que a pessoa não corre risco de vida, mas precisa de ter um atendimento. E precisa de ter um atendimento próximo e acessível, e não no dia seguinte ou a 100 km de distância!!

Diz o Sr. Deputado, e o Partido Socialista, que os portugueses não precisam dos SAP para nada, pois os SAP para nada servem. Mas, depois, propõem, em alternativa, as consultas abertas, que é o SAP do hospital. Só que a diferença é a de que, enquanto o SAP do centro de saúde está na sede de concelho, está próximo alguns quilómetros ou algumas dezenas de quilómetros, os SAP que os senhores, agora, querem abrir nos hospitais estão, em muitos casos, a centenas de quilómetros, pelo que são de muito mais difícil acesso para a maioria das populações. Esta é que é a diferença: é entre a proximidade e a acessibilidade para todos e a distância e a insegurança da distância que os senhores querem impor à generalidade do território!

E se não fossem necessários os serviços públicos, por que raio de «masoquismo» é que os serviços privados estariam a abrir unidades por todo o País onde o serviço público falha por responsabilidade da política do Partido Socialista? Deve ser algum «masoquismo económico», alguma falta de visão, que está a levar os investimentos privados para os sítios onde o Governo mandou encerrar as unidades públicas... «Angariador de negócios privados» é o papel que esta política está a fazer no nosso país.

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